A rotineira queixa de produtores sobre a dificuldade em se fazer filmes no Brasil acaba por ofuscar outra faceta cruel – e tão determinante quanto: de quê adianta ter o filme pronto se não há salas para exibi-lo? Em uma realidade de duas mil salas de exibição comerciais para atender a uma população de 190 milhões de pessoas, a ambição da Programadora Brasil chama atenção. O projeto pretende trazer de volta ao circuito cerca de 250 filmes nacionais fora de catálogo, em exibição sempre em locais sem fins comerciais - como cineclubes e pontos de cultura -, com a meta de se criar um circuito alternativo de cinema equiparável à quantidade de salas comerciais que temos por aqui.
Iniciativa da Secretaria de Ãudiovisual do Minc, da Cinemateca Brasileira e do Centro Técnico Ãudiovisual, a Programadora Brasil consumiu R$ 1,2 milhão para implementação e tem um orçamento para 2007 de R$ 1,5 milhão. De forma resumida, o funcionamento é o seguinte: o projeto, por meio de uma curadoria, faz uma seleção de filmes nacionais fora de circuito e os compila em sessões/programas em DVD. Cineclubes e demais pontos de exibição sem fins lucrativos (como escolas) se inscrevem no projeto e compram os DVDs – quanto maior o pacote de filmes, maior o desconto na aquisição.
Para Frederico Cardoso, que coordena o projeto e também faz a gestão executiva, a escolha pelos discos atende a uma popularização necessária.
- Se você levar em consideração que maioria dos municÃpios não tem sala de cinema, o DVD funciona como ferramenta democrática pra difundir – conta ele, que espera fechar o ano com 600 pontos de exibição e que em 2009 a meta de duas mil salas seja atingida.
O retorno de Jedi... ops, dos cineclubes
Um projeto, em andamento, de regulamentação da atividade dos cineclubes é uma bandeira que interessa à Programadora – com a extinção do Concine em 1990, no Governo Collor, caÃram todas as resoluções do órgão, entre as quais a que regulamentava a atividade dos cineclubes. Leopoldo Nunes, diretor da Ancine e um dos responsáveis pela Programadora, defende a regularização para acabar com distorções.
- A importância da atividade ser regulamentada é distinguir o que é comercial e o que não é. Não há o foco de cobrar ingresso para viver que nem indústria. O não-comercial tem outro tipo de registro e estatuto; tem o objetivo de discutir o filme. O não-comercial não pode ser fiscalizado como se fosse comercial. Um filme cumpre curto perÃodo de vida comercial e depois vira estoque, vira capital simbólico, de responsabilidade dos órgãos de cultura de um paÃs. Temos que disponibilizar esse conteúdo para a sociedade e os cineclubes são uma forma de fazermos isso.
No momento estão disponÃveis em DVD 38 programas, que podem ser solicitados por telefone ou pelo site da Programadora. Novos lançamentos serão feitos em outubro (20 programas), dezembro (mais 20) e março de 2008 (40), chegando a um total de 250 filmes fora de catálogo disponÃveis ao público.
- É muito simples se registrar na Programadora. Você só precisa de um CNPJ comum. Após regulamentação isso vai ter que ser caracterizado como cineclube. Ou você pode se servir de uma escola, por exemplo, pegando uma carta de um responsável e inscrevendo ela na Programadora – estimula Leopoldo.
Um programa pode ser encomendado por R$ 25. Comprar o pacote com os 38 DVDs ganha desconto e sai por R$ 600. Caio Cesaro, coordenador de comunicação e circuitos da Programadora Brasil, explica que o objetivo é democratizar o acesso.
- O custo leva em conta gastos com direito autoral, Correios e alguns custos de material de consumo. O envio pelos Correios é o maior percentual, a variável que mais interfere. Todos os envios são feitos por sedex, se deixarmos esse custo por conta do ponto de exibição não seria democrático pois alguém do Amazonas pagaria muito mais que gente do Rio e São Paulo. Por isso foi criado um valor médio (R$25). Custos de envio acima disso, para locais distantes, são subsidiados pelo projeto – explica Cesaro.
Para consolidar o circuito de cineclubes, foi fechada uma parceria com o Sesc e outra com o Mec está em curso, o que, de cara, apresenta um universo de 14 mil escolas que poderiam ser pontos de exibição.
- A gente sempre quis uma parceria com a educação. É um projeto de fácil replicabilidade e alto valor agregado, sem contar que estimula a organização de alunos de ensino médio. Uma das maiores razões da evasão é o desinteresse na escola, e os cineclubes podem ajudar a mudar isso – conta Nunes.
Vantagens para quem faz filmes
Se há o estÃmulo em se formar um público habituado a consumir filmes feitos por aqui, uma das conseqüências do trabalho da Programadora Brasil é também atingir o produtor.
- O foco principal é o publico. Mas, abrindo um leque maior de possibilidades de exibição, o produtor, sabendo que terá janela de exibição pro filme dele, terá maior chance de financiamento – explica Cardoso.
Elaborar uma rede parruda de pontos de exibição levanta uma dúvida: não seria interessante aproveitar o público criado para, além dos filmes em catálogo, apresentar produções independentes inéditas? Afinal, as condições para se formar uma rede independente e acessÃvel aos produtores nacionais está sendo criada.
- O cineclube é a última etapa da cadeia econômica, o lance do cineclube é digitalizar catálogo. Mas nada impediria que um produtor de filmes local usasse o espaço para passar a obra dele também – fala Nunes.
A cereja do bolo que pretende celebrar a integração nacional promovida pela Programadora Brasil será o site reformulado do projeto, com previsão para novembro. O site, hoje estático, se tornará um ponto de encontro de redes cineclubistas espalhadas pelo paÃs.
- Vai abrigar as agendas destes pontos de exibição. E o cineasta passa a ter acesso a informações como onde o filme dele é exibido no momento – destaca Cesaro.
Custos de um cineclube
De modo geral, é uma prática comum cineclubes montarem suas programações alugando filmes em locadoras ou conseguindo cópias cedidas de coleções particulares, mas Caio Cesaro esclarece que alugar um DVD de locadora viola regras de exibição.
- O filme que você aluga na locadora não tem licença para fazer uma exibição pública. É uma permissão apenas pra uso doméstico – explica, para emendar outro argumento em defesa da Programadora – Sem contar que na locação você paga por dia, enquanto na Programadora o valor pago permite ao cineclube exibir os filmes durante dois anos quantas vezes quiser.
Além da questão da legalidade, outro argumento é o reconhecimento do produtor.
- Existe um recurso que vai para o realizador, paga-se direito autoral. E o realizador sabe que essas cópias distribuÃdas pela Programadora são licenciadas para exibição pública. De contrapartida, exigimos de um associado (cineclube) o envio das exibições agendadas e relatórios das sessões. A gente usa isso pra informar ao realizador onde o filme dele está circulando e qual perfil de publico que o assiste.
E se a idéia é usar os filmes para estimular o debate, uma estratégia adotada pelo projeto é colocar nos extras de cada DVD uma ficha técnica completa das obras e um texto, escrito por algum crÃtico de cinema, sobre os filmes da vez.
O pontapé está dado e a meta de atingir dois mil pontos de exibição sem fins comerciais segue em curso. Algumas questões em aberto – como se os pontos de exibição terão condições de pagar regularmente pela licença das obras e sair da ilegalidade – devem ser respondidas não pela Programadora, mas pela própria massa de cineclubes espalhada pelo Brasil. Para o final feliz dessa história acontecer em breve, a gente precisa assistir a mais alguns takes.
Saulo, tenho TODO interesse nisso ai. Tem link para o projeto? e-mail? contato?
Ilhandarilha · Vitória, ES 27/8/2007 21:10
Boa colaboração Saulo. Os cineclubes além de democratizarem a sétima arte, são uma excelente iniciativa. Aqui em Natal, temos um cineclube muito atuante. Mais do que, simplesmente veicular filmes, os caras estão sempre organizando palestras muito bacanas sobre o audiovisual como um todo.
Um abraço e se quiser, eis o site do cineclube.
http://www.cineclubenatal.blogspot.com/
Oi Ilhandarilha: legal seu interesse e desculpa por não ter colocado o link antes. O endereço da Programadora está logo no inÃcio do texto.
Filipe, anotei a dica. Se achar que vale a pena escrever sobre a cena de cineclubes aà em Natal, me avise pq quero ler o texto aqui no Overmundo.
abs!
Valeu, Saulo. Vou entrar lá agora e ver como fazer para participar. Uma abraço!
Ilhandarilha · Vitória, ES 28/8/2007 14:30ei Saulo, muito legal a matéria. eu penso que além desse tipo de projeto, seria interessante ter iniciativas na construção de salas de cinema nos bairros mais afastados do centro e zona sul. Mesmo que cobrasse ingresso e exibisse filmes fora do circuito, seria uma opção para pessoas que não tem podem ir ao cinema na zona sul, seja por falta de transporte, dinheiro ou mesmo tempo. Aqui em BH, eu sonho com o dia em que poderei ir ao cinema sem ter que estacionar meu carro no shopping ou me deslocar 40 minuto até a zona sul. Desde adolescente (não faz tanto tempo assim.... rsrsrs), falo que quando ganhar na cena foi construir um cinema no meu bairro. mas quem sabe um projeto desses não chega disso?
Marina Maria · Belo Horizonte, MG 30/8/2007 15:15que engraçado, fui o voto "decisivo" da matéria...
Marina Maria · Belo Horizonte, MG 30/8/2007 15:16muito boa a matéria, Saulo! essa questão da distribuição é justamente a que eu acho que precisa ganhar mais atenção por aqui.. e pouco a pouco ela vem vindo à tona. existe um programa similar que é o Cinema BR Em Movimento, mas eu discordo da polÃtica deles por várias razões. dentre elas está o fato que lá existe uma curadoria dos filmes que acaba por privilegiar aqueles que discutem as famigeradas causas sociais, o que, a meu ver, é feito em muitos filmes freqüentemente em detrimento da qualidade do mesmo. mas bem, essa é uma outra história. este projeto da Programadora Brasil me parece bem mais democrático e, enfim, que este tipo de coisa se espalhe e dê muito certo! :)
Inês Nin · Rio de Janeiro, RJ 31/8/2007 01:14
Inês, sou agente do Cinema BR em Movimento aqui no estado desde o inÃcio do projeto, em 2000, e gostaria de esclarecer uma coisa: o projeto não é uma distribuidora de filmes: é um projeto de difusão e democratização do cinema nacional, e como tal depende da liberação e autorização das produtoras e distribuidoras para exibir os filmes.
A curadoria do projeto não prioriza "as famigeradas causas sociais" (não sei o que vc entende por famigeradas). Este ano, por exemplo, no circuito em que atuo, o comunitário, somente um dos filmes é um documentário (Meninas, de Sandra Werneck). Os outros são ficção das boas (O Ano em que meus pais saÃram de férias, de Cao Hamburguer) e desenhos infantis. E tem sido assim desde o inÃcio do projeto, que aliás começou com uma ótima ficção policial que passou batida nos cinemas brasileiros, O Dia da Caça, de Alberto Graça.
A curadoria, até onde sei, trabalha com algumas variáveis, entre as quais a possibilidade de disponibilização de direitos de exibição pelas distribuidoras e produtoras. E como esses direitos de uma grande parte dos filmes nacionais estão, hoje, nas mãos de distribuidoras estrangeiras, você pode imaginar a dificuldade que é conseguir isso.
Camarada, boa tarde. Sou jornalista e acabei de publicar um post intitulado faltou cinema no fim do mundo. A publicação também pode ser encontrada em meu blog pessoal (biranunes.blogspot.com). O caso é que na cidade onde vivo, que era para ser referência em cultura para o estado e quiçá Brasil não possui seuqer uma sala de projeção, quem dera um cinema. Estou há algum tempo com a intenção de montar um cine-clube, mas inclusive, as questões legais de exibição e reprodução me deixaram meio que por fora de como começar .... Gostaria que por favor entrasse em contato comigo para discutirmos melhor e quem sabe fazermos parte, juntos dessa luta. meu email é biranunes@gmail.com. Aguardo contato. Obrigado
biranunes · Caruaru, PE 4/9/2007 16:09
Nossa.
Achei genial essa iniciativa. Conversarei com os coordenadores da minha faculdade sobre o assunto.
Leia minha entrevista, tambem relacionada a cinema
http://www.overmundo.com.br/overblog/torero-e-o-cinema
conheço a programadora, inclusive nosso cineclube ja tem adquiridos dvds da entidade.Vc recebe os dvds ja com direitos de exibicao, que se nao me engano sao de dois anos, prorrogaveis mediante pagamento.A questaos empre debatida eh da curadoria.Acredito que foi feito um bom trabalho tentando levantar uma representacao da producao em geracoes e na contemporanedade, mas ainda acredito que a livre circulacao de material audiovisual apenas fará maior estrago quando se puder ter acesso as televisoes.E com o tempo fazer com que o cidadao celebre a diversidade e saiba que existem outras opcoes.
A questão do direito autoral que voce mencionou na verdade é mais uma tentativa de se tirar o corpo fora (nao sua é claro).O que digo é que se aluga comumente e se baixa conteúdo para exibição pública e se não fosse esse tipo de iniciativa muita gente teria que esperar que tais filmes fossem exibidos na televisão.
Coisa que convenhamos acontece com a frequencia dos anos e da madrugada.
Existem muitos cineclubes atuantes que mesmo em cidades com auto potencial de, digamos, de interesse cultural, ainda luta para fazer com que suas sessões sejam frequentadas.
É isso ai
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