Oscar Niemeyer: a escola clone

Jefferson Ravedutti
Fachada da escola de Niemeyer construída entre 52 e 54 em Campo Grande
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Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS
4/9/2008 · 110 · 8
 

Oscar Niemeyer tem praticamente a mesma idade de Campo Grande. Ele completa 101 anos no próximo 15 de dezembro. A Cidade Morena atingiu 109 primaveras no último 26 de agosto. Uma história curiosa, que começou no início da década de 50, liga Niemeyer à Capital sul-mato-grossense: a construção da Escola Estadual Maria Constança Barros Machado! Na verdade, a obra é um “clone†com a assinatura do mais renomado arquiteto brasileiro. Outros casos parecidos podem ter acontecido em todo o Brasil e até mesmo pelos quatro cantos do mundo.

A história da escola campo-grandense começa em Corumbá (435km de Campo Grande) e tem a ver com a realidade política que o governador Fernando Corrêa da Costa (médico e fazendeiro, que foi prefeito de Campo Grande 48/51; duas vezes governador de MT 51/56 e 61/66; duas vezes senador 59/61 e 67/75) tinha de enfrentar com o estado mato-grossense ainda uno e três cidades disputando a sua atenção: Cuiabá, Campo Grande e Corumbá. A Cidade Branca não tinha uma escola secundária no começo dos anos 50 e os políticos do município e pecuaristas importantes pressionaram Fernando Corrêa. Em uma visita ao Rio de Janeiro, o governador encontrou Niemeyer e, aproveitando a oportunidade, pediu ao arquiteto o projeto de uma escola corumbaense. Oscar Niemeyer aceita a empreitada e manda logo em seguida o projeto para a obra em Corumbá sem cobrar nada. Detalhe: batizada de Escola Maria Leite de Barros, a escola de Niemeyer tem a forma de um livro aberto, um apagador e um giz. Nem precisa dizer que construir isso no começo dos anos 50 em Corumbá foi mais do que aventura. Mágica!

É claro que a notícia de que Corumbá – na beira do Rio Paraguai - iria ter uma escola secundária chegaria rapidamente aos ouvidos dos políticos de Campo Grande – bem no centro do Estado. É bom lembrar que Oscar Niemeyer fez seu primeiro projeto individual em 1937. Dez anos depois desenvolveu a Sede das Nações Unidas, nos EUA, com Lê Corbusier; em 1951, já famoso internacionalmente, começou a construção do Edifício Copan e de sua residência Casa das Canoas, hoje onde fica a Fundação Oscar Niemeyer.

Azucrinado pelos vereadores e deputados ligados à política campo-grandense, Fernando Corrêa da Costa resolve fazer uma réplica da escola em Campo Grande. O “clone†teve o mesmo projeto bolado para Corumbá, o que quebra uma constante de Niemeyer que é nunca fazer a mesma obra duas vezes, assim como Charlie Parker e Jimi Hendrix nunca tocavam uma música da mesma maneira. Jair Valera, arquiteto que trabalha há 30 anos no escritório de Niemeyer no Rio, confirma: “O Niemeyer dificilmente repete um projetoâ€. E quanto a escola ser um “clone†e outros casos como este terem acontecido no Brasil? “Que eu saiba este é o único caso de um projeto do Niemeyer ser feito duas vezes. Atualmente, são 600 obras catalogadas no mundo inteiroâ€, ressalta. “Mas eu não duvido nada do próprio Niemeyer ter dado autorização para o governador fazer o mesmo projeto em Campo Grande. Vai saber...â€, completa.

Pois é. Mas isto é só a ponta do iceberg!

O governador teve que realmente “fazer†as escolas. “Em Corumbá o terreno foi doado pelo município e em Campo Grande precisou acontecer uma desapropriação no bairro Amambaí, um dos mais populares da cidade na época, para a construção do colégioâ€, afirma o arquiteto Ângelo Arruda, o responsável por levar ao conhecimento do escritório de Niemeyer no Rio a existência da escola em Campo Grande. Até então, ela não estava catalogada nas obras oficiais listadas pela Fundação. "O Oscar só ficou sabendo oficialmente da escola em Campo Grande quando publiquei o livro contando a história da construção e detalhando o projeto na Capital", garante o arquiteto. “Este projeto da escola está bem dentro do estilo e do padrão Niemeyer. As duas escolas agora estão registradas na Fundaçãoâ€, confirma Jair Valera.

Mas o fato é que mais de 50 anos depois de tudo começar, a situação das duas escolas não é de comemoração. Em Campo Grande, a Escola Estadual Maria Constança Barros Machado começou a ser construída em quatro de novembro de 1952 e foi inaugurada em 26 de agosto de 1954 (aniversário de Campo Grande, uma boa data para um político inaugurar uma obra!). A partir de então começa uma história que com os anos se tornou indigesta. A escola de Campo Grande passou por três reformas e o projeto de Niemeyer foi alterado de diversas maneiras mesmo após o colégio ter sido tombado em 1995 como Patrimônio Histórico Estadual. O contra-senso é que a escola "original" em Corumbá não foi tombada. Só a "clone". Para Ângelo a situação da escola corumbaense também é preocupante. "A população de Corumbá não dá muita bola para a escola, até porque ficou em uma região longe do centro. A escola de lá mantém mais as características originais, mas está bem menos conservada", avalia o arquiteto.

Aparece então uma personagem importante, a professora de Educação Física, Marisa Sanches Rodrigues!

Ela é a diretora da escola em Campo Grande há 26 anos. Apaixonada pelo colégio, Marisa garante que faz o que pode para tentar conservar e conscientizar os alunos que eles estudam em uma escola especial, com a assinatura de um dos arquitetos mais importantes de todos os tempos. "Mas é difícil. Muitos alunos não entendem o que representa a escola e escrevem nas paredes e picham os muros", lamenta a diretora.

Diversas alterações no projeto original de Niemeyer já aconteceram e os problemas de conservação do local continua. A primeira alteração foi quando pintaram as paredes de salmão, em vez de manter o branco com detalhes em azul originais de Niemeyer. É claro que o branco tem tudo a ver com os efeitos incríveis no conjunto da obra, pois não estaria no original do arquiteto por acaso. Salmão é de matar! Um corredor interno da escola, que possuía vãos laterais, recebeu tijolos parecidos com os originais e também bebedouros e portas extras. "O motivo desta alteração no corredor foi por segurança. Pois com os vãos era possível entrar na escola", explica a diretora.

Infelizmente a falta de consciência cultural dos próprios alunos está provada nas portas originais de um dos banheiros internos do colégio. Rabiscado nas portas, que foram pintadas de vermelho e algumas trocadas, muitas frases e palavras feitas com pincel atômico. No refeitório do colégio, que ostenta um balcão curvilíneo típico de Niemeyer, mais uma mudança evidente no projeto original. A parede, que era toda de vidro, foi trocada por uma armação de ferro. "Os adolescentes de hoje não se apegam a estas coisas. Não temos mais alunos como antigamente", lamenta.

Algo que chama a atenção é que o colégio de Campo Grande por muito tempo não teve nenhuma imagem, espaço ou uma homenagem sequer a Oscar Niemeyer. Depois da comemoração de seu centenário, a faixada da escola ganhou um banner indicando que “aquilo†tem o “dedo do homemâ€. Estudam na escola 900 alunos de várias regiões da Capital.

O orçamento anual, segundo a diretora, em 2007 foi de R$ 12 mil que vem do estado do MS e R$ 2.900 que vem do Governo Federal. São 60 pessoas que trabalham na instituição, sendo 43 professores. "Em 2006 nossa verba era ainda menor, de R$ 8 mil por ano. É muito pouco para manter uma escola especial e valiosa como esta. Nós precisaríamos o dobro de verba que recebemos pelo menos", afirma a diretora.

Uma carta da professora para o escritório de Niemeyer, no Rio, acaba criando uma certa esperança...

"Eu mandei uma carta para eles no final de 2006 explicando que a escola ficou pequena para as nossas necessidades. O próprio Oscar entendeu, se dispôs a ajudar nas alterações. Claro que vai haver um debate com as instituições que regulamentam isso. O que queremos é deixar a escola mais bonita e recuperar muita coisa original", garante Marisa.

Segundo a professora, a Escola Maria Constança precisa de uma quadra coberta, de uma biblioteca, uma sala de tecnologia e um laboratório de ciências. Um desejo de Marisa é construir na escola um espaço dedicado a Niemeyer, com fotos, projetos e informações sobre o arquiteto. Seria uma maneira de conquistar os alunos e manter viva a idéia de que o local foi construído por um arquiteto aclamado. "Seria muito importante termos a história da construção aqui na própria escola, com fotos e tudo mais. Espero que isso aconteça e que ocorra uma reforma o quanto antes para ficarmos com uma escola mais perto do original", torce a diretora.

No entanto, apesar de confirmar que o escritório recebeu a carta da diretora e que Niemeyer está disposto a ajudar, Jair Valera frisa que até agora está “aguardando as informações da escola para fazer um levantamento das reivindicaçõesâ€. Ou seja, o projeto está empacado, esperando que o próprio município de Campo Grande dê andamento. O arquiteto do escritório de Niemeyer frisa que a recuperação da escola vai seguir o padrão do projeto original, mas modernizar a obra para atender as necessidades da atualidade. “É preciso atender além do pedido pela diretora, as questões de acessibilidade para deficientes e adequação do auditórioâ€, pontua Jair. Ele ainda lembra que o fato da escola em Campo Grande não ter nenhum local em que relaciona Niemeyer à construção é questão de opção. “O próprio Oscar não exige que tenha. Mas normalmente este interesse vem do próprio Estadoâ€, argumenta.

Para Ângelo Arruda, que é presidente da Federação Nacional dos Arquitetos, é preciso muita calma nesta hora. "A população e as autoridades de Campo Grande e Corumbá têm que entender que são privilegiados por ter escolas projetadas por Niemeyer. Para fazer as alterações não basta ter o apoio do pessoal da Fundação do Niemeyer e sim dialogar com o Conselho da área, pois o que está em risco são os direitos autorais do Niemeyer, que criou os projetos há 50 anos. É a história das próprias cidades que estão em jogo", alerta.

P.S: Enquanto “vão levando†a escola-livro, um mega-complexo assinado por Niemeyer vem se desenhando. Será o Teatro Municipal e Observatório do Pantanal (Niemeyer queria o nome de Observatório e Museu Interativo do Pantanal). Terá um teatro municipal para 1,2 mil pessoas, um museu interativo, um observatório, uma praça para eventos a céu aberto com capacidade para 50 mil pessoas e espelho d'água com espécies de peixes nativas do Pantanal. “Entregamos o estudo e estamos aguardando a proposta. É uma oportunidade única, um projeto interessante e que vai dar retorno para a cidade, pois vai virar um ponto turístico tambémâ€, argumenta Jair.

A conta demora, mas sempre acaba chegando...

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Marcelo Cabral
 

Muito Bom Rodrigo! Que história!
Acho que um espaço para lembrar aos alunos da importância da obra de Niemeyer seria mesmo uma boa para sensibilizar os estudantes e a comunidade.
Espero que as duas escolas gêmeas recebam a atenção e preservação que precisam.
Valeu Rodrigo! Parabéns! Abraço!

Marcelo Cabral · Maceió, AL 2/9/2008 18:14
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Gisele Colombo
 

Muito legal sua matéria Rodrigo! Infelizmente a formação cultural é o que falta para os jovens de hoje em dia. Sem ela não existe conscientização. Meus pais estudaram na Escola Maria Leite de Barros, em Corumbá, e com certeza têm muitas lembranças dos tempos áureos da instituição de ensino. Parabéns por resgatar nossa história arquitetônica! Abcs Gi

Gisele Colombo · Campo Grande, MS 3/9/2008 10:17
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Rodrigo Teixeira
 

Valeu Marcelo e Gisele. Continuamos na luta pela bandeira da cultura. Bjão

Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 3/9/2008 12:46
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Helena Aragão
 

História interessante mesmo. Concordo que é preciso sensibilizar os alunos, mas vale lembrar que escola é escola, a manutenção é complicada mesmo. Vamos torcer pela restauração e pelo tombamento da de Corumbá!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 3/9/2008 16:06
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crispinga
 

Veja também:
http://www.overmundo.com.br/overblog/oscar-niemeyer-e-a-escola-do-futuro
bjkssssssssss

crispinga · Nova Friburgo, RJ 11/9/2008 12:27
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Luca Maribondo
 

Campo Grande foi fundada em 21 de junho de 1872; teria 136 anos em 2008, portanto. A data de 26 de agosto de 1899 refere-se a uma questão meramente burocrática: elevação da cidade à condição de município. Faço este registro por respeito aos fundadores de Campo Grande.

Luca Maribondo · Campo Grande, MS 19/9/2009 23:29
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Amauri Gasparetto
 

Muito boa a matéria!
Como seria bom se nossos representantes eleitos para governarem, tivessem a boa vontade de olhar para a história que temos e a riqueza que nos representa. Nos colocando a frente de algo que parece ser tão distante, sendo que deveria ser tão natural preservar toda a riqueza e história que poucos sabem...Sim, poucos sabem da história da construção e como tudo começou, eu mesmo sabia que a obra é de Oscar Niemeyer, e sabia também da escola Maria Leite de Barros em Corumbá, que tem a mesma planta, mas não sabia de como isso aconteceu.
Abraços

Amauri Gasparetto · Campo Grande, MS 12/1/2012 17:34
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Amauri Gasparetto
 

Amauri Gasparetto · Campo Grande, MS 12/1/2012 17:36
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Vista aérea da escola em Campo Grande zoom
Vista aérea da escola em Campo Grande
Croquis originais de Niemeyer zoom
Croquis originais de Niemeyer
Vista do corredor de entrada para a rua zoom
Vista do corredor de entrada para a rua
O corredor ganhou tijolos para tampar os vãos alterando projeto original zoom
O corredor ganhou tijolos para tampar os vãos alterando projeto original
O balcão em S no refeitório e a parede de ferro no lugar do vidro zoom
O balcão em S no refeitório e a parede de ferro no lugar do vidro
Placa de inauguração da escola em Campo Grande: único lembrete de Niemeyer zoom
Placa de inauguração da escola em Campo Grande: único lembrete de Niemeyer

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