"Pátria Amada, Brasil": filme possível

Roberto Maxwell
abertura do documentário "Pátria Amada, Brasil"
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Roberto Maxwell · Japão , WW
14/12/2008 · 147 · 9
 

Tecnologia é o assunto da vez quando se fala de indústria cinematográfica. Enquanto os barões discutem como podem extrair o máximo de lucro das novas possibilidades, existe gente fazendo, graças a elas, os filmes possíveis.

No tempo do Cinema Novo, dizia-se que fazer cinema era “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. As idéias podiam vir fáceis, já que estamos falando de um momento de imensas transformações sociais, os anos 60. Mas, a câmera... Bem, a câmera já era algo limitado a poucos que podiam ter acesso a ela.

Chegamos, porém, num momento em que, tal qual uma geladeira ou um televisor, a câmera é um item presente (aqui cabe uma ressalva: ainda temos milhões de pessoas que não têm acesso a geladeiras, televisores e, claro, câmeras). O mesmo podemos falar de outros equipamentos, em especial os que possibilitam a edição de vídeos. Além disso, temos que convir, em países como o Japão ter acesso a esses bens não é impossível.

E não pense que estou falando de poder aquisitivo apenas. Falo de acesso. O Japão é um país produtor, logo, o preço dos bens é muito menor em comparação com o Brasil, um país consumidor. Por fim, só para fechar a cadeia, houve a popularização da internet como meio de distribuição de conteúdo. Com ferramentas, idéias e canais, mas sem a posse de recursos financeiros, eu e muitos outros realizadores fazemos filmes possíveis. E Pátria Amada, Brasil é um deles.

Com uma câmera mini-DV e um microfone, saí com a parceira Sabrina Hellmeister em busca de material para um filme possível. Era uma tarde linda em Tóquio. Era o dia 8 de setembro de 2007. Neste dia, realizava-se um evento muito especial para muitos brasileiros que vivem no Japão: o Brazilian Day (ou Dia do Brasil). Gente de todas as partes do arquipélago japonês viaja até a capital para participar da festa. Neste dia, decidimos pedir aos brasileiros que escrevessem uma carta para o Brasil. Enquanto as pessoas buscavam inspiração para escrever, nós tentávamos conversar com elas.

Segundo o governo japonês, vivem no Japão cerca de 317 mil brasileiros. São, em sua maioria descendentes de japoneses que têm o direito de entrar legalmente nas terras de seus antepassados com o visto que os habilita a trabalhar em qualquer atividade econômica (aqui vale outro adendo: a lei japonesa é extremamente restrita com a entrada de estrangeiros como trabalhadores não-qualificados).

Porém, o que se vê é que grande parte destes migrantes descendentes de japoneses trabalham em fábricas como operários. Há, ainda, brasileiros de outras origens. Estes são casados com japoneses ou nipo-brasileiros ou, ainda, trabalhadores especializados, músicos, estudantes...

Neste ano de 2008, por conta do centenário da emigração Japonesa ao Brasil, falou-se muito dos migrantes brasileiros no Japão, em especial dos descendentes de japoneses. Pátria Amada, Brasil faz, de algum modo, o caminho inverso. São os migrantes que falam do e com o Brasil.

As cartas são mensagens que apontam o sentimento desses brasileiros expatriados com relação ao país. Fala-se de saudade, do desejo de retorno, dos anseios com a situação de caos social que o Brasil vive. Fala-se com a propriedade de ser um brasileiro que, mesmo vivendo em uma terra distante, não perde o sentido de pertencer. Fala-se, também, com a autoridade de quem, nestes últimos 20 anos, injetou bilhões de dólares na economia do país. O número que pode soar arrogante, mas funciona como resposta aos detratores que se incomodam com quaisquer crítica feita ao país pelos que optaram (ou foram obrigados) a viver fora dele. Fala-se como brasileiro por direito!

Como filme possível, Pátria Amada, Brasil mostra filiação ao cinema-direto com suas entrevistas feitas nos espaços públicos e focando na população que, em geral, só aparece na TV como “personagem” para corroborar as idéias do produtor de conteúdo. É a classe que educa usando a classe que é educada como objeto para corroborar suas teorias.

Como filme possível, Pátria Amada, Brasil foi feito quase sem recursos financeiros. Digo quase porque tudo envolve dinheiro: a fita, os blocos de anotação, o transporte, a eletricidade... Qualquer filme é um negócio. O filme possível é um negócio maior para os produtores de insumos. Mas, o filme possível é um ente livre porque ele não responde aos patrocinadores, às exigências de bilheteria...

Como filme possível, Pátria Amada, Brasil vai ser lançado sem pompa, mas com circunstância. Ele chega às telas pela primeira vez na última edição de 2008 do The Rabadas Cinema Clube, um evento que mantêm o curta-metragem brasileiro em circulação no Japão. Mas, ele chega simultaneamente na internet, nos youtubes, vimeos, myspaces...

Como filme possível, Pátria Amada, Brasil não escolhe tela. E mais, convida a audiência a enviar suas mensagens para o Brasil através dos sistemas de vídeo-resposta do YouTube. Isso porque um filme possível não pode se furtar de estabelecer um diálogo de igual para igual com sua audiência. Um filme possível tem que ser capaz de inspirar outros filmes possíveis.

Para ver o Pátria Amada, Brasil no Overmundo, clique aqui.

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ronaldo lemos
 

Roberto, acabei de ver o filme e gostei muito. Acho que estamos entrando em um momento em que a escassez não é mais de câmeras, mas sim de olhares capazes de construir narrativas e compartilhar uma determinada percepção sobre a realidade. Parabéns para vc e para a Sabrina.

ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 11/12/2008 16:47
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Andre Luiz Mazzaropi
 

Roberto e Sabrina
Parabens; vim aqui para prestar-lhes a justa homenagem de quem acredita que cinema é mais do que uma ideia na cabeça e uma camera na mão, hoje cada vez mais dificil produzir um filme, eu que o diga, bem vou ver o filme e volto para falar dele. Sucesssooooooooooooooooooooooooooooooo a voçes.
abraços
Andre Luiz Mazzaropi
O Filho do Jeca
www.andreluizmazzaropi.com.br

Andre Luiz Mazzaropi · Taubaté, SP 14/12/2008 10:58
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Jarbas Jarras
 

Meus parabéns pelo excelente trabalho, Roberto!

Jarbas Jarras · Rio de Janeiro, RJ 16/12/2008 06:42
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Roberto Maxwell
 

Olá, gente, obrigado pelas mensagens. O documentário realmente traz uma porção de cada uma dessas pessoas que estão nele e, claro, de mim mesmo e da minha relação com o Brasil. Espero que bastante gente possa ve-lo e conhecer um pouco dessas histórias.

Roberto Maxwell · Japão , WW 16/12/2008 06:45
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ayruman
 

Que grandeza de iniciativa. Sentimento nobre de Amor verdadeiro ás pessoas... Emocionado estou. FENOMENAL Amigo Verde Amarelo. Sucessos. Luz e Paz. jbconrado.

ayruman · Cuiabá, MT 17/12/2008 15:40
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nina araújo
 

Maravilhoso o desejo que voces tem de produzir beleza, de falar de nossa terra mesmo com parcos recursos, já vi o filme gostei muito e parabenizo voces sempre, sempre!! Sucesso!!Feliz 2009!!
Beijos poéticos,

nina araújo · Rio de Janeiro, RJ 29/12/2008 13:57
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Roberto Maxwell
 

Ola, gente, muito grato pelos comentarios. Estamos daqui colocando o video em festivais para que mais gente tenha acesso.

Roberto Maxwell · Japão , WW 29/12/2008 14:17
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joao xavi
 

o filme possível é fruto de um "cinema do impossível", ou, como a gente costuma chamar no mate com angu: cinema vira laje.
é coletivo e mão na massa! trabalho que não gera, mas gira capital. e que no final das contas tem uma cervejinha, um mocotó e umas boas risadas como pagamento.

3 vivas a cultura digital que tem nos permitido produzir e dialogar! porque idéia na cabeça nosso povo sempre teve várias, a revolução é jogar essas idéias na pista pra negócios.

vou assistir ao vídeo.
abraços!!!

joao xavi · São João de Meriti, RJ 30/12/2008 11:02
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joao xavi
 

comentando o vídeo:

a primeira boa surpresa é a música dos tensais mc´s, rap brasileiríssimo (com cavaquinho e tudo mais), made in japan.

esse tom de cinema direto é muito bacana. chegar chegando nas pessoas, ter a rua como cenário dado ao acaso. muito bom!

do clodoaldo akira, passando pelo molequinho japones que não gostou do brasil, até o tatuado que conheceu a esposa pelo orkut... o filme revela o tempo inteiro como é incrível esse tal de bicho homem. ainda mais nesse choque de relação entre o povo mais descarado com o mais tímido do planeta.

belo presente pra esse fim de ano.
obrigado, roberto!

ps: procurei e não encontrei myspace dos tensai mc´s, você tem esse link ai guardado em alguma gaveta?

joao xavi · São João de Meriti, RJ 30/12/2008 11:26
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