Paulo Freire - Violeiro - ENTREVISTA

Isabela Senatore - Divulgação
Paulo Freire, violeiro
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Felipe Obrer · Florianópolis, SC
12/10/2007 · 169 · 14
 


Desejo de Esbranger no Redemoinho da Vida
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Conheço a música de Paulo Freire há alguns anos, admiro e aprecio muito o trabalho dele. Tanto como músico quanto como escritor. Pode ser chamado, tranqüilamente, de "uma pessoa do bem".

Já que o Overmundo propicia que até quem não é jornalista profissional tenha seus momentos de comunicador social, publico aqui a entrevista que fiz com o violeiro, por e-mail, estes dias. Espero que mais gente conheça a arte do caipira cosmopolita. E peço que qualquer descompasso na entrevista seja creditado (ou debitado) ao entrevistador inexperiente, com mais vontade que formação. De qualquer maneira, a "prosa" me deixou muito contente. O tom é aberto e informal.


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- Como foi o início da tua relação com a música? Aproveitando o gancho, qual é a sensação atual sobre O Canto dos Passos, romance ficcional da tua juventude que, até onde percebo, é também autobiográfico?

Paulo Freire: Estudei música quando menino, meus pais me levavam à aula de piano e flauta. Mas, para isso, tínhamos que parar de jogar futebol na rua com os meninos. Então não consegui aprender nada. Depois, o Tuco, meu irmão mais velho, começou a tocar violão e foi me puxando para o mundo da música.
O Canto dos Passos me dá uma sensação muito boa. Pois foi um romance de uma sinceridade total. Tem alguns aspectos autobiográficos - mais no nível das idéias que vivia discutindo com os amigos naquela época. Eram tempos de muitas conversas e ações. O mundo fervilhava e queria agarrar tudo. Não parava de viajar e solidificar namoros e amizades. A intensidade do Canto dos Passos me agrada muito.



- Indo mais atrás, a infância, como foi? Que lembranças tens? Como é ser filho do Roberto Freire? A terapia desenvolvida por ele (a Somaterapia) te influenciou em alguma medida?

PF: Nos tempos de menino gostava muito de praia (São Sebastião), brincar na rua em São Paulo (bairro das Perdizes). Já tenho uma certa idade, então nos tempos de menino – década de sessenta – em São Paulo, fazíamos fogueira na rua, soltávamos balão, jogava muito futebol, fazia grandes passeios de bicicleta, com uma turma muito legal da rua onde morávamos. Meu pai, no tempo de minha infância, estava envolvido em ações políticas, às vezes tinha que sumir um pouco devido a perseguições da ditadura. Minha mãe, Gessy, é que cuidava mais da turma (somos três irmãos homens), sempre num clima de muito amor. Não sei se a Somaterapia influenciou em algo na nossa vida, mas a robertofreireterapia e a gessyterapia certamente nos orientou os caminhos.


- Há pouco tempo li uma entrevista do Almir Sater, na qual ele dizia que, depois que teve filhos, passou a ter menos contato com a viola. Ele disse que "tocava melhor" antes de ter filhos. Também tens essa sensação?

PF: Entendo bem o Almir. É o seguinte, tocar viola é uma delícia, mas cuidar dos filhos é muito melhor! A gente prefere ficar com a meninada. Agora, não sei se tocava melhor. Não consigo fazer algumas coisas daqueles dias, mas hoje em dia conheço alguns atalhos e perco menos tempo com bestagem. Ah, e para este meu novo CD, Redemoinho, andei estudando muito viola.


- Quais são os espaços atuais para a música interiorana nos meios de comunicação? E que mestres violeiros estão "escondidos" do olhar público e mereceriam ser mais conhecidos?

PF: Depende das pessoas que atuam nestes meios de comunicação. Existem os que gostam do cheiro do café passado no coador de pano, de meter o pé no riacho, ou ficam debaixo de uma mangueira escutando passarinho. Esses nos dão espaço. Em relação aos mestres violeiros, tem uma enormidade por aí, na roça e na cidade. Cito aqui três que não são conhecidos e tocam uma viola de arrepiar: Manoel de Oliveira, Ãndio Cachoeira e Badia Medeiros. Recomendo o seguinte, procurem na roça, ou até na cidade, entre as pessoas que se envolvem com as festas populares, no meio desse povo é que eles se escondem.


- Queria também que falasses um pouco dessa mistura interior/cidade, ou tradicionalismo/cosmopolitismo, que te caracteriza...

PF: Nasci em São Paulo, capital. Sempre gostei de ir para o interior e para as praias – caipira e caiçara. Viajei muito. Como diria Badia Medeiros, procurei ser “esbrangenteâ€, uma palavra do sertão que significa o movimento contrário de abranger. Essa mistura a que você se refere é o desejo de esbranger.


- Li teu livro Zé Quinha e Zé Cão, aí quando assisti "2 Filhos de Francisco" fiquei pensando que alguém poderia ter a idéia de filmar teu livro, que é simbolicamente muito rico. O que achas desse devaneio?

PF: Já me falaram isso e gostei muito da idéia. Tomara que surja esta oportunidade!


- Aproveitando o gancho: já fizeste trilhas sonoras?

PF: Sim, bastante! Para cinema, TV, teatro e dança. Gosto muito de misturar a música às outras artes. [No currículo do violeiro, é possível conferir alguns dos trabalhos que fez nessa área]


- Quais são teus projetos atuais, além de espetáculos musicais? Sei que tens uma parceria com o SESC, e fazes também trabalhos com a Ana Salvagni, que envolvem poesia, contação de histórias...

PF: O SESC é nosso parceiro para as criações e também funciona como provocador, quando convida para algum projeto que, aparentemente, não tem relação com seu trabalho. O trabalho do SESC na área cultural é um assunto muito sério.
Agora em dezembro lanço um livro infantil “O Céu das Criançasâ€, pela Companhia das Letrinhas. E sigo fazendo shows em diferentes formatos: um com a Ana Salvagni, outro com Wandi Doratiotto; com o formato de Trio – junto a Tuco Freire e Adriano Busko, Quinteto – para o lançamento do Redemoinho, o Esbrangente – junto com Roberto Corrêa e Badia Medeiros. E divulgo tudo na agenda de meu site: www.paulofreire.com.br



- Tens alguma opinião formada sobre as rádios livres e comunitárias?

PF: Participei de alguns programas na Rádio Muda, aqui de Campinas, com muita alegria. Gosto demais do princípio da rádio livre e da comunitária. E também do envolvimento das pessoas que trabalham nestes espaços.


- Sei da tua participação, há pouco tempo, em uma discussão sobre a chamada "era digital". Como é o processo, da feitura à distribuição, nesse contexto? Conheces alguma experiência colaborativa na internet?

PF: Esse é um mundo fascinante que estou apenas arranhando. Enquanto tem tanta gente mergulhando... A Tratore - que distribui meus discos - trabalha também com este meio. Eu procuro ocupar alguns espaços. A questão é que ainda penso no CD como um álbum, com conceito, músicas que se seguem umas às outras. Não tenho a pressa do digital. Nesta discussão teve menino que quis me elogiar dizendo que tem CD meu que ele já baixou todinho pela internet, quer dizer, a importância de estar na rede. Mas e os direitos autorais? Ih, isso é conversa longa...

[Ao ler esta resposta, fiquei achando que, num meio como o Overmundo, no qual essa discussão é tão viva, valia um complemento... e provoquei o Paulo Freire. Ele respondeu: "Em relação aos direitos, acho que ainda estou tateando no assunto. Ainda mais que existem vários aspectos a se soltar ou proteger. Por exemplo, tenho um Cd preso em uma gravadora, o "São Gonçalo". Ficaria muito feliz que ele fosse espalhado no mundo internético. Não ganharei nada, mas o menino vai correr o mundo. Em vez de ficar trancafiado em uma cela. Por outro lado, os que produzi independente luto por eles.
Lá vai uma certeza: sou a favor que se libere toda a propriedade intelectual... desde que sejam liberadas todas as outras propriedades: imóveis, móveis. Geral. Meu pai, por exemplo, passou a vida produzindo livros. Não investiu em imóveis, poupança, nada, só em sua arte. Por que ele deve deixar que usem toda a sua produção se precisa pagar aluguel para morar em uma casa?"
]

- Como é o trabalho com a Orquestra Popular de Câmara?

PF: Faz uns 6 anos que saí da Orquestra. Mas são grandes amigos e continuo fã deles. [Neste link, é possível ouvir o trabalho]


- E o Redemoinho (com a participação de Adriano Busko, Tuco Freire, Lara Ziggiatti, Mané Silveira, Dalga Larrondo e Guello), como foi fazer esse disco? Qual é o "tom" dele? [Aqui, quem tiver curiosidade pode ouvir trechos das músicas do novo cd, que pode ser comprado através do catálogo online ou entrando em contato com Ana Salvagni pelo e-mail anasalvagni@kweb.com.br ]

PF: Redemoinho foi justamente para dar uma rodopiada em minha trajetória. Trazer alguns assuntos que estavam escondidos, buscar minhas influências que não fazem parte do mundo da viola. Escrever arranjos para músicos que admiro, deixando campo aberto para suas criações. Por estar tão envolvido com a contação de causos, quis fazer um CD puramente instrumental. Trabalhar músicas inéditas. Além de fazer toda a produção. E tudo com muito prazer. [O CD foi lançado pelo selo Vai Ouvindo]


- Sinto na tua música uma transcendência espiritual. Então, uma pergunta sobre o processo criativo musical/artístico. Como é o teu?

PF: Vai ouvindo... Tô tocando assim, à toa. Surge uma idéia. Opa! Deixa ver se agarro ela. Vem um sentimento de novidade. Hmm. Peraí, e se eu pegar um outro caminho? Ah, por aqui não. Ali é mais bonito. Já viro as rédeas. Agora tenho que tocar direito. Repete e repete. A idéia vai crescendo. Se ela realmente me agrada, fica morando dentro de mim. Aí trabalho em qualquer lugar, em casa, hotel, ônibus, andando na rua, correndo no parque, bestando embaixo da mangueira, esperando alguém chegar... quer dizer, fico por conta da criação.



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Remissões (ou links):

Blog, para conhecer o lado escritor do violeiro

Selo Vai Ouvindo, criado para produção independente

Verbete na Wikipedia


Site oficial

Currículo do violeiro

Vídeo com trechos da participação de Paulo Freire no Projeto Viola Bem Temperada

Galeria de fotos, no próprio site oficial

Um texto da Cida Almeida que encontrei aqui mesmo no Overmundo, falando sobre Guimarães Rosa e o Grande Sertão, uma das inspirações.

Para receber a newsletter do músico, escreva para vaiouvindo@paulofreire.com.br


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Benjamim Taubkin
 

Bela matéria
É sempre bom ouvir o Paulo .. falando e tocando..

Benjamim Taubkin · São Paulo, SP 9/10/2007 16:30
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Felipe Obrer
 

Benjamim, obrigado pelo comentário. E também fico contente ao saber da tua entrada no Overmundo. Espero publicações no Banco de Cultura.

Abraço,
Felipe

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 10/10/2007 10:10
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Léo Lago
 

Agora sim, votado... rsrs

Léo Lago · Rio de Janeiro, RJ 11/10/2007 10:09
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Léo Lago
 

Tinha te dito que não conhecia, mas dando uma olhada no site dele, vi que ele fez parte do Anima... Baixei alguns sons deles umas semanas atrás...

Léo Lago · Rio de Janeiro, RJ 11/10/2007 10:33
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Alê Barreto
 

Obrer, muito interessante esta entrevista. Destaco pontos que me chamaram atenção, que vale a pena pensar mais tempo sobre eles:

- a divulgação nos meios de comunicação. "Existem os que gostam do cheiro do café passado no coador de pano, de meter o pé no riacho, ou ficam debaixo de uma mangueira escutando passarinho. Esses nos dão espaço".

- direitos autorais: "os que produzi (CDs) independente luto por eles".

Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 12/10/2007 16:36
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Felipe Obrer
 

Léo, obrigado pela indicação do Ânima. Não conhecia esse trabalho do Paulo. Fui atrás, e encontrei um trecho que diz "Em agosto de 1999 sai o Ivan Vilela e integra o Grupo o violeiro Paulo Freire. Com o Paulo construímos o repertório do CD Especiarias, que foi vencedor do V Prêmio Carlos Gomes de Música Erudita, também na categoria melhor conjunto de música de câmara de 2000." Deixo aqui o link da fonte. Esse é o lado bom dos comentários: sempre surgem informações novas.

Alê: gostei dos trechos que te chamaram a atenção.

Obrigado pelos comentários.

Abraços,
Felipe

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 12/10/2007 17:04
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Clara Bóia
 

Olá Obrer.
Eu também já conhecia o trabalho do Paulo Freire através do Anima, que, por sinal, é um grupo maravilhoso. Mas não fazia a menor idéia que o cara é filho de Roberto Freire. Que família, hein?! Acho que essa soltura toda e o gosto pela natureza ele herdou da somaterapia...
Abraço.

Clara Bóia · Blumenau, SC 12/10/2007 17:51
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Spírito Santo
 

Felipe,

Beleza de entrevista e grande figura este violeiro (todo violeiro que conheci era assim, gente boa). Fora isto, a música de viola é uma das coisas mais bonitas e brasileiras que há.
Além disso, olha só o nome do cara! Não precisa dizer mais nada: Paulo Freire

Spírito Santo · Rio de Janeiro, RJ 14/10/2007 15:56
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Bia Marques
 

Avise sempre, que na correria de todo dia se bobeasse eu não veriaouviriavotaria! Abraço

Bia Marques · Campo Grande, MS 14/10/2007 18:01
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Tom Damatta
 

não conhecia, obrer. recentemente vi algo sobre ana salvagni num site, quando buscava informações sobre a música de beirão e de genésio tocantins. bacana ver que o overmundo cumpre sua função alternativa de expor e difundir novos valores da música brasileira. parabéns pela publicação.

Tom Damatta · Araguaína, TO 14/10/2007 18:20
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Labes, Marcelo
 

Obrer, mil perdões. Belíssima entrevista. Tenho corrido contra o tempo e para um casa nova. Coisas. Como diz o Spirito ali, violeiro é um tipo de gente, não? Não conheço similar de perto, mas sempre que leio aqui pelo Overmundo percebo se tratarem, estes, de gente boa.

Mais desculpas. É a pressa.

Grande abraço.

Labes, Marcelo · Blumenau, SC 15/10/2007 02:10
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Felipe Obrer
 

ClaraSpíritoBóiaSantoBiaTomMarquesLabesDamattaMarcelo, obrigado pelas visitas.

Abraços,
Felipe

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 15/10/2007 13:02
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Roberta Tum
 

Obrer,
vim conferir e gostei de conhecer o trabalho do Paulo Freire
da música...rs. Parabéns pela entrevista. Ficou muito boa!

Roberta Tum · Palmas, TO 16/10/2007 16:40
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Makely Ka
 

Oi Felipe, estou em Urucuia, a cidade pra onde o Paulo Freire veio a década de setenta, no rastro do Grande Sertão: Veredas, ver de perto e aprender os toques e as manhas da viola com o violeiro Manoel de Oliveira, mito da viola mineira. Seu Manoel hoje está um tanto debilitado, não quer mais sair pra fazer show, mas continua ponteando a viola em casa.
Abraços

Makely Ka · Belo Horizonte, MG 27/8/2012 18:42
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