Pedro Costa, o dom Quixote do cordel

Foto: Francisco Gilásio
Pedro Costa: "Arte não é para ser ajudada, é para ser valorizada"
1
Natacha Maranhão · Teresina, PI
23/10/2006 · 253 · 4
 

Não espere um design moderno nem uma diagramação bonita e leve. Pegue a revista De Repente e abra esperando ver o melhor da literatura brasileira de cordel, ver quem está produzindo, quem está lançando folhetos novos, quem está recebendo homenagens.

Talvez você não saiba, mas os cordelistas produzem muito e centenas de folhetos são lançados todos os meses. Há quase doze anos a De Repente vem deixando sua marca na história do cordel do país, é o veículo oficial da Fundação Nordestina do Cordel, entidade sediada no Piauí e que congrega os grandes nomes da poesia cabocla.

O poeta, violeiro e repentista Pedro Costa é o responsável pela revista e presidente da Funcor, que aliás foram criadas por ele. Homem simples do interior, é impossível encontrar com ele sem que esteja usando um de seus acessórios inseparáveis (ou os dois juntos): o chapéu e a viola. Único membro piauiense da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, foi eleito Personalidade do Século XX pela Academia de Letras do Vale de Sete Cidades.

A De Repente nasceu em dezembro de 1994, com a proposta de divulgar o mundo do cordel, ser um espaço aberto para que violeiros e cordelistas mostrassem sua arte para mais pessoas. "Era um cadernozinho quando começamos, com o tempo veio a necessidade de ampliar e agregar outras culturas, não ficar limitada só ao cordel, abrimos espaço para contos, crônicas, artigos históricos e até científicos", conta o poeta.

Ele revela que manter a revista circulando exige grandes esforços porque ela não recebe nenhum tipo de ajuda oficial. "Trabalhamos com três fontes: venda, assinaturas e colaboradores, temos também anunciantes que ajudam a revista a continuar. As assinaturas – principalmente para fora do Piauí – é que sustentam a De Repente. Nunca estivemos no Acre, mas lá é um dos locais onde temos mais assinantes".

A tiragem da revista é de três mil exemplares e a periodicidade é bimestral. "É uma das revistas mais duradouras do Piauí, nestes quase doze anos já vi muita gente criar revista e não passar do segundo número. Fico feliz por já ter editado nossa edição de número 50, por ter novos assinantes chegando, por ter gente se interessando em escrever para a revista", diz.

Muita gente por aqui vê Pedro Costa como um obstinado, mas a verdade é que ele abraçou a causa do cordel e hoje vive apenas para ela. "Eu acho que o cordel merece ser mais valorizado. Acho que as escolas do Piauí deveriam incluir a literatura de cordel na grade curricular, em São Paulo já tem isso. Aqui não tem. E as crianças se interessam, elas gostam".

Ele fala com propriedade porque coordena o projeto Cordel nas Escolas há cerca de três anos e vê o quanto os jovens estudantes se empolgam ao fazer os primeiros versos. "Para eles, primeiramente é um choque! Depois participam das oficinas e no segundo dia já estão fazendo seus versinhos, a aprendizagem é muito rápida, as pessoas aprendem facilmente porque nós brasileiros falamos em verso".

No ano passado, o projeto visitou 32 escolas e chegou a milhares de alunos só em Teresina. "Foram mais de 500 alunos que participaram das oficinas e fizeram seus primeiros cordéis. Estamos organizando esse material e vamos tentar lançar um livro com o que foi produzido por eles. O que eu acho mais interessante no projeto é que ele aproxima os grandes mestres do cordel dos alunos e também dos educadores".

Pedro mostra-se magoado com o que chama de descaso das autoridades piauienses para com a cultura. "Isso é histórico. Sempre foi desse jeito. O que eu sinto é que, como não são eles que fazem, para eles não é importante. O governo do Estado não tem uma assinatura da revista, que é uma das publicações mais importantes feitas aqui. A Prefeitura de Teresina ainda tem umas quinze ou vinte assinaturas". Ele afirma que o Piauí tem mania de grandeza mas não cuida dos tesouros que tem. "Falam em Serra da Capivara mas não cuidam, temos dezenas de parques e reservas ambientais, mas as entidades civis organizadas é que lutam pela preservação e conservação. Com a cultura acontece a mesma coisa. Tratam o artista como um miserável, dão R$ 1 mil para o pessoal do bumba-meu-boi e querem que o grupo se apresente de graça nas solenidades oficias durante um ano", critica.

Diz ainda que acha humilhante ver artistas trocando seu trabalho por um prato de comida, uma dose de cachaça. "Isso não paga arte. Arte não é para ser ajudada, é para ser valorizada e patrocinada. É isso que eu procuro fazer na De Repente. Vou atrás de patrocínio, mas se a pessoa vem com história de 'não vou poder te ajudar este ano', como se estivesse dando uma esmola, eu não volto mais. Eu não estou pedindo esmola para fazer a revista, estou vendendo um produto e cobrando por ele o que é justo. A assinatura da revista custa R$ 52 por ano, a pessoa paga e recebe um produto. Não é esmola, não é 'uma ajuda'", desabafa.

A Fundação Nordestina do Cordel edita cerca de cinco folhetos de cordel por semana e Pedro Costa afirma que existe mercado para isso. "Tanto existe que eu e minha família vivemos disso, meus dois filhos já escrevem e trabalham com isso. Existe um campo de trabalho. Nós trabalhamos a temática das notícias em cordel, podemos ler um jornal cantando e uma revista inteira também resumindo cada matéria em uma estrofe de sextilha. Fica lindo".

A Fundação participou do prêmio Cultura Viva e ficou entre os trinta projetos finalistas. "Eram 2.532 projetos, ficamos entre os cem melhores e depois entre os trinta. Somos o único representante no Piauí, com a revista De Repente e o Cordel nas Escolas". O prêmio não veio dessa vez, mas Pedro tem planos de criar um site para divulgar as notícias do mundo do cordel brasileiro, precisa de apoio e patrocínio para isso. "Tem estados, como Pernambuco, que estão cuidando bem dessa área, têm projetos e recebem incentivo do governo e de entidades como o Sesc e o Sebrae. Isso nos dá motivação para continuar lutando".

Serviço:
Fundação Nordestina do Cordel

compartilhe

comentários feed

+ comentar
Eduardo Neves
 

Pedro Costa é um abnegado. Leva esse sonho - com o perdão do trocadilho - nas costas faz tempo. Ele e mais alguns entusiastas, como o professor Wilson Seraine. Os cordelistas são bons pra cacete, o material é de primeira. Se depender desse povo, essa tradição não morre jamais. Bela matéria, merecido espaço.

Eduardo Neves · Teresina, PI 24/10/2006 15:15
sua opinião: subir
Claudiocareca
 

Conheci recentemente a obra do Patativa do Assaré e passei a admirar esse saber popular riquíssimo. É maravilhoso ver que as pessoas se mobilizam e conseguem sobreviver da cultura nesse país, apesar dos descasos institucionais e privados... Patrocínio não é esmola e arte não é só passatempo. Parabéns, Natacha e parabéns ao Pedro pelo exemplo de luta e perseverança.

Claudiocareca · Cuiabá, MT 25/10/2006 12:20
sua opinião: subir
Marcos Freitas
 

Parabéns pela matéria. Pedro Costa e a poesia piauiense merecem!

Marcos Freitas · Brasília, DF 25/10/2006 22:05
sua opinião: subir
TaYgUa's
 

Boa! Parbéns!

TaYgUa's · Fortaleza, CE 31/5/2007 15:11
sua opinião: subir

Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.

veja também

filtro por estado

busca por tag

revista overmundo

Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!

+conheça agora

overmixter

feed

No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!

+conheça o overmixter

 

Creative Commons

alguns direitos reservados