“... sempre uma coisa metida na outra,
sempre uma coisa metade da outra,
sempre uma coisa reflexa da outra,
sempre a mesma coisa descarrilhando
à margem da margem da margem
de outra coisa†– E. SpÃnola
Em sua passagem pelo Recife, o Tangolomango foi bastante contagiante. No último domingo, muita gente foi ao Teatro do Parque para assistir a um espetáculo único, sÃntese de dois dias de intercâmbio entre grupos da cidade e visitantes do Ceará, Bahia, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Composto por uma espaçosa estrutura de vários ambientes, o Teatro do Parque foi uma ótima escolha para receber o Tangolomango e sua proposta lúdica e interativa. Tradicional e querido espaço público mantido pela prefeitura do Recife, o prédio art noveau de 1915 abriga hoje o cinema mais barato do Brasil: R$ 1.
A chegada do evento, com toda a sua dança, música e circo transportaram o local para um outro tempo, mais alegre e colorido do que o normal. Sinal de que comunicação, intercâmbio e outras formas de convivência, se postos em prática, podem mesmo transformar. E olha que eu estive lá como mero observador. Que dirão os artistas, produtores e demais integrantes do staff, algo em torno de 180 pessoas?
Uma parte do grupo está nessa dinâmica de criação e improviso desde o dia 11 de outubro, quando começou a primeira etapa do evento, no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza - como mostra matéria de Pedro Rocha aqui no Overmundo. Outra parte pegou o bonde andando, na sexta passada, em Recife. Foi quando a trupe de fora encontrou os daqui. A programação oficialmente teve inÃcio à s 18h com um cortejo do Pátio de São Pedro ao Teatro do Parque, mas a dinâmica já vinha desde cedo, no hotel onde todos se hospedaram.
Essa é a primeira edição do Tangolomango fora do Rio de Janeiro. De acordo com a idealizadora e diretora geral Marina Vieira, a expansão tem a ver com o espÃrito de troca, produção compartilhada, e generosidade intelectual buscado desde o inÃcio pelo evento. Claro que cada região ficou uma “cara†diferente. Marina diz que no Ceará ficou mais forte a cultura popular; no Recife, os grupos urbanos; e no Rio, a vocação circense. “Os grupos moldaram cada eventoâ€, afirmou Marina, durante a dinâmica de sábado.
Eu confesso: bastou uma olhada na programação para aumentar a vontade de estar lá. A escolha das atrações “locais†por parte da produção foi extremamente feliz. Fazia tempo que não assistia ao Balé Afro Majê Molê (Olinda), o grupo de hip hop Êxito d’Rua (Recife) e a Associação Recreativa Carnavalesca Afoxé Alafin Oyó (Olinda). Três coletivos instigantes, periféricos, de ideologia bastante definida, e vontade visceral de se expressar.
Por si, já é algo significante todos eles terem sido selecionados por um projeto nacional, recebendo reconhecimento, cachê e visibilidade, para representar a cultura da cidade onde vivem, na própria cidade em que vivem. Aliado à troca de experiências para montar um espetáculo com grupos de outras cidades, todo este processo significa a força e a valorização que raramente existe por aqui.
O Tangolomango se tornou algo ainda mais especial pela presença do compositor popular Ferrugem, um dos mestres do coco feito em Olinda. Desde quando ouvi seu recém-lançado CD, o primeiro em 50 anos de carreira (ele começou a cantar com 7 anos), esperava o momento de assisti-lo ao vivo. Não imaginei que fosse uma ocasião assim, tão especial para o próprio artista. “É muito bom estar aqui, porque se eu já era conhecido, agora vou ficar maisâ€, disse Ferrugem, orgulhoso, pois ele será o único a representar Pernambuco no Tangolomango – Rio de Janeiro. Atenção para a presença do DJ Rossilove no grupo que acompanha o mestre, formado por jovens músicos dos subúrbios próximos ao SÃtio Histórico de Olinda. Atualmente, eles desenvolvem o projeto experimental RaÃzes Elétricas, com cavaquinho, flauta, percussão e programações.
Apesar de habilidoso compositor (é autor de 217 músicas), o maior talento de Ferrugem é a técnica vocal. “Com cinco anos já cantava coco. No colégio onde estudava tinha uma quadrilha que quando eu cantava, explodia. Minha mãe não deixava eu ir para o coco, mas eu fugia. Quando eu chegava lá, meu pai estava, que também cantava coco, e daà eu estava coberto. No outro dia, já me levantava cantando. E não parei mais de cantarâ€, conta. Até hoje ele canta espontaneamente por onde passa, impressionando as pessoas que param para prestar atenção. Durante a conversa que tivemos, Ferrugem fez questão de dizer quem foram seus mestres: Manuel Faria, Valdemar, Zé Pretinho, Luis de MarcÃlio, Benedito Grande, Boquinha do Torreão, Ingüento, Calu Calado e Tonho.
Entre os “de fora†estiveram a Cia. Aplauso (RJ), Cia. Dona Zefinha (Itapipoca, CE), o grupo Mais de Mil (Salvador, BA) e os Irmãos Saúde (BrasÃlia). Enquanto os conhecia, se revezando no palco, me dei conta de quanta arte interessante é feita no Brasil, a despeito da mÃdia comercial e negligente. A dupla de palhaços Irmãos Saúde é simplesmente genial. Como é bom ver gente jovem atualizando essa tradição circense! Os meninos do Mais de Mil, que representou uma feira popular da Bahia na entrada do teatro, foi fonte de alÃvio ao me fazer constatar que existe algo mais na Bahia do que a insuportável axé music.
Ouvi algumas crÃticas de conhecidos que estiveram no Tangolomango, e concordo com algumas delas: 1) O tempo para cada grupo poderia ser melhor distribuÃdo. Por exemplo: os impagáveis artistas da Dona Zefinha fizeram um show à parte, aliando circo, teatro e excelente música. O problema é que eles ficaram muito mais no palco do que o Maje Molê e o Alafin Oyó, que fizeram apresentações arrasadoras e emocionantes, só que breves demais. 2) É verdade que objetivo do evento é experimentar o diálogo entre culturas, mas talvez a conversa precise ser mais afinada - o cortejo de sexta-feira foi apontado como redutor do tempo necessário para a criação coletiva do espetáculo. Apesar de terem a mesma origem de cultos afro, os toques de afoxé e maracatu são inconciliáveis, ou seja, se tocados simultaneamente haverá um atropelo rÃtmico.
Marina Vieira disse que a entrada de Recife no circuito por sua rica diversidade cultural. “Há muito tempo que recebemos projetos daqui. No ano passado chamamos o Maracatu Leão Coroado para se apresentar no Rio de Janeiro, e assim começou um namoro com Pernambuco, que mostrou vários outros ritmos. Como não havia como levar todo mundo pro Rio, e também querÃamos trazer o Tangolomango pra cá, essa foi a oportunidadeâ€.
E revelou que, para o ano que vem, os planos são ainda mais ambiciosos. “Queremo fazer uma edição latino-americana. Apesar de ser outra lÃngua, a troca pode ser positiva. Seria como essa experiência aqui em Pernambuco: são culturas diferentes, mas que parecem ter convivido por uma vida inteira. Cada uma tem a sua identidade. Não queremos pasteurizar nada, queremos somente que as identidades conversem, que as culturas dialoguem, que haja uma multiplicidade. Nossa proposta não é só dar visibilidade. É promover a trocaâ€.
O Tangolomango chega ao Rio neste fim de semana. O show está marcado para o dia 4 de novembro, no Circo Voador. Aos cariocas, um aviso: se preparem, pois no ritmo em que estão, será uma apoteose da cultura brasileira.
Oi André,
Massa você ter feito essa matéria aà de Recife. Fiquei impressionado com o Seu Ferrugem que me lembrou muito a personalidade de Mestre Cachoeira que também participou do Tangolomango aqui em Fortaleza. Me instiga como eles tem uma relação com a arte tão visceral e espontânea.
Boa lembrança também dos Irmãos Saúde. Vi os caras por aqui, não consegui falar com eles, mas eles observei a criatividade e alegria deles.
Quanto a edição, fiquei só curioso por mais fotos desse pessoal.
Salve, Pedro. Acabei de postar as fotos. Estou tentando áudio e vÃdeo tambem, mas não sei se consigo. A citação de Espinola no começo eu coloquei inspirado no tÃtulo de sua cobertura!
Um abraço,
Agora que eu vi: o cortejo como Maracatu Leão Coroado foi postado aqui no Overmundo por Rosa Campello.
André Dib · Recife, PE 1/11/2007 12:11oi, André, q bacana a sua matéria! Adorei as fotos, também, nada como um profissional para fazer bem feito, rsrsrsrsrsr eu só escrevo pra não deixar passar em branco esses acontecimentos maravilhos da nossa cultura, beijão,parabéns. volto p votar, c certeza. vc vai pra TEIA?
Rosa Campello · Recife, PE 1/11/2007 18:43
Oi André...estou acompanhando tudo e votado com prazer.
Abraços!
Cintia Thomé.
Votado.
Parabéns pela divulgação de um evento tão mágico e importante!
Grande abraço Guaicuru!
Oi, André
Valeu o destaque para o Ferrugem. Chegamos ontem do Rio. Lá foi muito bom também. Vamos voltar dentro em breve para uma temporada na cidade. Depois te ligo. Abs, Rampazzo.
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!