Sei que a analogia do tÃtulo não é das mais felizes, mas faz-se inevitável. Quando tive a idéia de escrever sobre o circuito independente de Niterói foi essa a primeira idéia que me veio a mente. São apenas 13 km de ponte - ou 20 minutos de barca - que separam a terra do Ãndio Araribóia do Rio de Janeiro, mas pra galera que batalha por espaços "do lado de cá" da BaÃa de Guanabara, estar no Acre ou coladinho aos vizinhos cariocas parece não fazer tanta diferença. A impressão que se tem é de que a cidade fica meio à margem do que realmente acontece no underground.
Por sua vez, os próprios cariocas têm a falsa impressão de que Niterói respira música, é um "celeiro de artistas", enfim... uma idéia pouco diferente da realidade que os grupos independentes do outro lado da “poça†costumam experimentar. A cidade, de fato, concentra muitos músicos... parece que todo mundo tem uma banda ou, no mÃnimo, arranha um violão. IncrÃvel.
A turma do reggae é bastante estruturada e os shows abarrotados são comuns na cidade. Talvez a forte cultura do surf e uma vida universitária efervescente expliquem o “fenômenoâ€, mas é claro, não podemos tirar o mérito das próprias bandas, com a agenda sempre abarrotada e incontáveis turnês pelo sul do PaÃs.
Outra, digamos, vocação da cidade está no rock clássico, naquela coisa meio blues. Volta e meia tem uma banda cover de Lynyrd Skynyrd (!) tocando por aÃ. Niterói abriga também muitos virtuoses, como Arthur Maia e essa galera soul-pop-jazz, como o Cláudio Zoli e o pessoal do movimento Pop Goiaba, sem contar com as inúmeras bandas cover, prontas pra animar festas de 15 anos, boates e casamentos...
Agora, quando o assunto é rock de garagem, rock alternativo, rock independente (nomenclatura não falta e vocês sabem de que nicho eu falo), o negócio fica feio. Não que as coisas para os demais gêneros já citados sejam fáceis, mas montar uma banda que aposte em repertório autoral exige uma dose extra de força de vontade.
- Niterói é uma cidade com vocação para música, mas sofre de complexo de inferioridade. Os músicos não dialogam, a prefeitura não chega junto, os organizadores não sabem ou não querem se preocupar em fazer a cena crescer. Ter uma banda aqui é, simultaneamente esplêndido, pela tradição, pela proximidade com outras cenas das cidades vizinhas... e desastroso, basicamente pelos mesmos motivos - diz Aline Nabisi, vocalista da banda Shar, formada em 2005.
Ainda de acordo com Aline, os espaços mesmo quase nulos são válidos, só não há prestÃgio. Talvez seja a falta de eventos de qualidade que não atraiam público e isso acaba se tornando um circulo vicioso: o público não enche as casas porque os eventos são pouco "atraentes" e, por sua vez, os eventos não fazem sucesso porque não rola público... é o "paradigma de Tostines".
A falta de espaço para shows, de incentivo (público ou privado), de organização e, acredite, de bandas boas fazem da “cena niteroiense†um motivo de piada se compararmos com outras realidades. Goiânia, mesmo longe dos holofotes, consegue chamar mais atenção do que a galera de Nikiti, vizinha do hype que rola no Rio (que também não é lá essas coisas).
Mas vamos com calma!
Nadando contra a maré da mesmice, o movimento Araribóia Rock, criado por Pedro de Luna e Marcelo Blau Blau, está dando novo ânimo para uma circuito que parecia fadado ao marasmo. O projeto surgiu há cerca de dois anos e, através de shows, zines, intercâmbios e muito idealismo, pode ser considerado o movimento roqueiro mais organizado que Niterói já teve.
- A prática de troca de shows tem que ser intensificada por mais bandas. Hoje buscamos apoio da Neltur [empresa de turismo municipal] para nos disponibilizar um ônibus mais verba pra gasolina pra levar as bandas e fazer um filme por aÃ. Inicialmente temos que começar a tocar com nossos vizinhos, fazer mais intercâmbios com as cidades do estado do Rio. Precisamos ter um fortalecimento do estado todo para depois buscar vôos maiores - explica Pedro.
Talvez a iniciativa de troca de experiências possa dar frutos, mas a realidade hoje é bastante diferente. Poucas bandas locais conseguem "atravessar a ponte" e se estabelecer com certa regularidade na cidade maravilhosa. Grupos como The Feitos, Noitibó e Abaixo de Zero [momento jabá!] fazem parte dessa turma que conseguiu se estabelecer no Rio e hoje segue uma agenda de apresentações regulares, com mais visibilidade, inclusive em outros estados.
Para o jornalista Ricardo Schott (Blog Discoteca Básica e Revista Bizz), a dificuldade de se fazer shows no Rio de Janeiro não é um problema exclusivo dos niteroienses, pois até mesmo grupos da zona norte não trilham um caminho fácil para alcançar as casas da zona sul. De acordo com Schott, uma das maneiras de encurtar esse caminho é estar mais presente no underground carioca.
- Quem não é visto não é lembrado. Se o artista tem vontade de expandir seu som acho que ele deve estar sempre nos eventos, conhecer pessoas, trocar idéias. Acho que só com esse tipo de reciclagem é que se consegue uma maior visibilidade. As pessoas não podem simplesmente montar uma banda, colocar as músicas na web e esperar por oportunidades - afirma.
Muito legal, Mattoso. Nunca tinha lido nada sobre a cena niteroiense e foi bom ser apresentada à s bandas e a conversa por um músico que vive isso de dentro. O que você fala da falta de integração entre as cidades do estado do Rio (e mesmo das regiões da cidade do Rio!) é muito verdade. Conhecemos tão pouco de tudo... E se cultura parece ter pouca prioridade no paÃs, no Rio parece ainda pior - a não ser quando se trata de levar grandes shows para as praias...
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 23/4/2007 11:20essa coisa das regiões é incrÃvel! no underfround o rio tb é uma cidade dividida. as bandas de niterói dialogam muito bem com as da zona sul, mas nas zonas norte, oeste e mesmo do lado de cá, com são gonçalo, a coisa é bem diferente...
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 23/4/2007 22:11Curto muito o The Feitos... e o De leve é de Niterói ? Gsoto da legenda profisionalism por conta própria, mostra bem como funciona a cena realmente independente... Abrço
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 24/4/2007 16:49Parabéns pela matéria, vou publicar seu comentário no site Bandas de Garagem, pode ser que sua matéria seja capa do UOL, se tiver algo contra me avise!
Bruno Paz · São Paulo, SP 24/4/2007 17:37Oi Mattoso, gostei da matéria. Dei uma olhada nos vÃdeos da sua banda no YouTube e achei bacana também. Quem quiser ir olhar direto, recomendo esse aqui.
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 24/4/2007 17:41Eu toco em duas bandas (circuito paralelo e lambretta)sou do rio, conheço tdas as bandas (e vi ao vivo) menos o projeto secreto o Pedro é um cara que vejo batalhar muito pela cena de nikit, fiz alguns eventos aqui, chamei bandas de niteroi e NUNCA chamaram minha banda para uma apresentação do outro lado da poça, até esse assunto ser mais badalado confesso que nunca fiz muita distinção das bandas do rio e de nikit é muito perto, bandas de niteroi eu vejo tocar na zona sul .. mas bandas da baixada nao vejo, cointinuem trabalhando e se movimentando com certeza ficara melhor do que a cena dos carocas zona sul.
Vitinho · Rio de Janeiro, RJ 24/4/2007 18:34
isso me deixa com vontade de passear 'além ponte' de vez em quando
rsssss
edmundo: de leve é de nikiti sim e faz um som sensacional! the feitos é foda tb. tão pra lançar disco por agora.
bruno: claro que pode colocar no bandas de garagem sim! me avise qdo entrar, ok?!
vitinho: pois é, como disse pra helena, algumas bandas de niterói se relacionam bem na zona sul e vice versa, mas na baixada e zona norte parece que não há tanta reciclagem assim
carol: sua visita será um prazer!
Vamos lá.
Niterói têm + ou - 1 milhão de habitantes. O Grande Rio têm + ou - 14 milhões de habitantes. A região central do Rio ( Centro, Flamengo, Lapa etc...) é mais perto de Niterói do que de São Conrado. Geograficamente Niterói é um bairro do Rio. Copacabana deve ter mais, ou igual número de, habitantes do que Niterói. Tudo bem, Niterói é uma cidade. Já foi capital do Estado do Rio e tal...mas olhando direitinho, Niterói é um bairro do Rio. Quanto ao complexo de inferioridade, eu diria que é muito próximo, ou igual, ao sentimento de superioridade ( ás vezes em relação a São Gonçalo existe preconceito ). Já ouvi muitos Niteroienses dizerem de boca cheia que Niterói é melhor do que o Rio. Ora veja só, uma cidadela-bairro de 1 milhão de habitantes se comparando com uma metrópole cosmopolita conhecida em todo o mundo. Os Niteroienses têm que se situar no mapa e no contexto. Niterói é Rio. É uma pequena parte do Rio. Falo de cadeira pois sou Niteroiense, sou músico, conheço todos os artistas e movimentos citados no texto. Vivi em Niterói até os 28 anos, hj tenho 41. Vim morar no Rio, depois fui para Belo Horizonte e voltei para Niterói, e depois voltei para o Rio. Esse comportamento provinciano de não atravessar a ponte é extremamente paralisante para quem mora na cidade. Mas cito aqui a turma do hip-hop que é bem underground e está aà no circuito ativamente, Black Alien, Marechal ( que para mim é um gênio ) e De leve. Os grandes músicos citados também, como Arthur Maia, Heitor TP, Fred Martins, Fernando Caneca, Marcelo Martins, Ézio Filho, Zely Mansur etc...
Quanto a cena Rock´n roll underground, acredito que deve ter boas bandas, eu já vi algumas que não me recordo o nome, muito boas. Se não está acontecendo nada, façam alguma coisa.
E finalizando, Niteroienses, por favor, botem abaixo o sentimento de superioridade ou o complexo de inferioridade, como preferirem, não se tratem como especiais e nem como excluÃdos. Se quiserem ficar em Niterói, tudo bem, mas não reclamem. Se quiserem circular, circulem. Zona Sul, Zona Norte, Zona Oeste, interior etc...
Se circularem terão mais chances...
Cito também o trabalho de Claudio Salles e os Aliens. Muito bom.
Mansur · Rio de Janeiro, RJ 25/4/2007 10:30
O underground sempre têm dificuldades, em qq parte do mundo...
Estamos no terceiro mundo, então as dificuldades são maiores. Mas está melhorando devido a grande revolução calada. A web está mudando as coisas e vai mudar muito mais. Viva a cauda longa...
BrasÃlia tem sofrido das mesmas angústias, cara, com o agravante de um pretensa soberba sobre rótulos obsoletos, como "capital do rock". O pior nisso tudo talvez seja o grande descompasso entre as bandas, falta união, grana, tempo e vontade da rapaziada se juntar. Sem contar que os poucos que dão certo fazem parte de uma ceninha tão bem articulada que fica difÃcil inserir-se nessa patota, rola muito proselitismo. Perto demais das capitais...hehehehe...As vezes estamos dentro delas e somos outsiders.
El Gabri · BrasÃlia, DF 25/4/2007 11:43
"... mas olhando direitinho, Niterói é um bairro do Rio".
Mansur, essa é uma outra pauta que pretendo trazer pro Overmundo. A crise de identidade do niteroiense que se acha carioca - e os porquês desse sentimento.
Concordo com algumas colocações - a maioria - e descordo de outras. falar que Niterói É Rio é pesado, visto que a cidade (bem ou mal) possui uma identidade mesmo que camuflada nesse orgulho de ser nº 1 em qualidade de vida e se achar superior a qualquer outra cidade do estado - e isso incluà o Rio.
Agora é fato: o comportamento provinciano de não atravessar a ponte é um atraso. Felizes os que transitam livres pela baÃa. E salve a rapaziada do hip-hop que manda muito bem!
Niterói é Rio. Crise de indentidade? Que identidade? Niteroi têm uma tradição cultural? Niterói é oq irmão? Niteroiense que se acha carioca? Como assim? Niteroiense só não é carioca se não quiser. Carioca é quem adota a cidade do Rio de janeiro. Eu adoto com o maior prazer e orgulho, poque sou de Niterói. Com essa mentalidade Niterói fica mais perto de Itaboraà do que do Rio. Nada contra Itaboraà que deve ter seus encantos também. Mas são apenas 14 quilometros irmão. Niterói é Rio. É um bairro.
Tudo bem, cada um com a sua visão. Pra mim é muito claro. Valeu...vai dar pano pra manga...rsrsrs...
Obrigado pelo comentário. Silvio Santos é o fim da picada, né? Parabéns pelo seu texto. Gostei e votei. Abraço!
Rynaldo Papoy · Guarulhos, SP 3/5/2007 14:05
grande mattoso!
agora estamos conectados!!
Já te falei isso mas repito: parabéns pela matéria!!!
Na cabeça das pessoas o underground sempre soa como algo tosco. As bandas tem que buscar mais profissionalização e integração. O Araribóia Rock é importantÃssimo pra nossa cidade mas não pode ser só isso, as bandas tem que estar mais conectadas umas com as outras! As vezes, como músico, me sinto frustado, tanto pela péssima qualidade dos equipamentos de som que rolam no circuito niteroiense quanto pela falta de valorização das bandas! Viver de música em niterói, e até no Rio tb, é praticamente inviável!
independente sim, tosco jamais!
abraço, Px.
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