Quando me mudei para São Paulo, já faz um bom tempo, uma das coisas que mais me impressionaram foi que não tinha ninguém para jogar peteca por lá.
Parece até a história que uma vez me contaram sobre o Mário Henrique Simonsen, que nem sei se é verdadeira. Quando ainda Ministro da Fazenda, em visita a uma comunidade na selva Amazônica, precisou fazer uma grande travessia de barco. Para dormir, a praxe era pendurar uma rede no barco, enquanto o barco descia o rio noite afora. Obviamente, ninguém da comitiva do ministro Simonsen tinha nenhuma rede, o que provocou espanto. Um dos locais que viajava no barco comentou: - Esse pessoal é todo estudado, vem da capital e não tem sequer a própria rede. Vixe!
Foi assim que me senti ao descobrir que a peteca não era um esporte universalmente conhecido e praticado no Brasil. Tal como o viajante, minha primeira reação foi indagar como pode uma cidade grande como São Paulo não ter à mão uma quadra para jogar peteca! A inquietação só passou quando finalmente percebi que a peteca é um esporte regional no Brasil. Um esporte que está se espalhando por vários estados, mas que ainda assim não conquistou nem o Rio de Janeiro (há boatos de que conquistou Niterói!) nem São Paulo.
Cuidado. A peteca mencionada aqui não é uma trouxinha de pele de animal, cheia de terra sagrada (ou da cinza de algum antepassado) com penas de galinha da angola espetadas no orifÃcio central. Essa peteca também pode ser divertida e útil, mas a que me refiro é a peteca “profissionalâ€: um pequeno e achatado segmento cilÃndrico, feito de borracha, com quatro penas de plástico cuidadosamente encaixadas, formando ângulos retos entre si. Em outras palavras, trata-se de uma peteca “racionalizadaâ€, que evoluiu para aperfeiçoar suas qualidades aerodinâmicas.
É claro que a peteca é uma atividade que pode ser desenvolvida tanto no quintal da casa da avó como na praça da cidade. No entanto, a peteca esportiva, enquanto tal, é um esporte com regulamentação própria, que possui federações estaduais e regulamentos extensos e serÃssimos, aliás. Assim, para jogar peteca como esporte é preciso de uma quadra, com marcações oficiais.
De cada lado, um ou dois jogadores se enfrentam, dependendo da modalidade. Do mesmo jeito que o tênis, quando há somente um jogador de cada lado, utiliza-se a marcação central da quadra. Quando em duplas, vale a quadra inteira. Tudo sem raquete, a peteca é essencialmente um jogo em que só se usa a mão.
Para provar o que estou dizendo, seguem as dimensões da quadra de peteca, bem como principais regulamentos, para quem quiser exprimentar:
- 15m x 5,5m para os jogos de simples e de 15m x 7,5m para os de duplas
- A altura máxima da rede é de 2,43m para o masculino e 2,24m para o feminino.
- Cada jogo é composto por três “setsâ€, cada um terminando no que ocorrer primeiro, 12 pontos ou 20 minutos de peteca em jogo.
- Quem saca, tem 30 segundos para converter o ponto, sob pena de ter o saque revertido.
Outro fato é que qualquer clube esportivo ou de lazer que se preze em Minas Gerais tem uma quadra de peteca. Se o clube é bom mesmo, vai ter várias, inclusive dentro de ginásios cobertos. Qualquer pessoa acostumada com essa realidade esportiva naturalmente ficaria desconsolada em descobrir que esse tipo de infraestrutura só existe em algumas poucas partes do Brasil.
Nesse sentido, a razão pela qual escrevi esse texto, além de matar um pouco a saudade do esporte, é que ando intrigado sobre práticas esportivas “alternativas†no Brasil, ou mesmo esportes praticados apenas regionalmente por aqui, sendo genuinamente brasileiros ou não. Há, por exemplo, relatos da prática de badminton no PiauÃ. Será que além da peteca, existem outros esportes regionais com suas federações próprias, regras e inúmeros praticantes ou será que a peteca é um dos poucos exemplos de prática esportiva que se profissionalizou?
Outra questão, mais especÃfica, é mesmo sobre a origem da peteca. Fazendo uma pesquisa rápida pela internet, há gente que atribui a origem da peteca esportiva a Minas Gerais, identificando o esporte como legitimamente mineiro (e tendo a Federação Mineira de Peteca sido criada em 1985). Há também os registros da prática pelos povos indÃgenas no Brasil, muito antes da chegada dos portugueses. E por fim, relatos sobre a OlimpÃada na Antuérpia, em 1920, quando os atletas brasileiros teriam supostamente assombrado os Europeus ao brincar com o curioso objeto entre as provas, provocando interesse pela estranha prática.
No mais, há pelo menos um site indicando que o esporte já chegou também à França. E quem se interessar, pode até assistir à final do campeonato brasileiro de peteca no YouTube.
Fica assim lançado o convite. Quem souber de mais esportes regionais pelo Brasil, espero que não se acanhe e conte um pouquinho aqui no Overmundo. E se alguém aqui no Rio de Janeiro souber onde é que se joga peteca por esses lados, por favor me mande uma mensagem. Retribuo com dicas sobre pão-de-queijo.
Ronaldo, compartilho do mesmo interesse. Por exemplo, queimado é um esporte oficial ou vc só joga no colégio? Em breve pesquisa, não achei nada que me respondesse a questão. Outra coisa: o seu texto me remeteu a um texto que escrevi aqui no Overmundo. Um texto meio bobo, falando mal da prática agressiva do frescobol na praia. Descobri que, embora espalhado por várias cidades litorâneas, o frescobol foi inventado aqui no Rio. É um esporte tipicamente nacional. Inclusive, mais de um amigo estrangeiro disse nunca ter visto alguém jogando frescobol, foi até difÃcil explicar o que era. "Tênis de praia, sem rede, com bola de borracha, quê???" Abração!!
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 26/10/2006 14:47
Fiquei tão curioso com a hipótese de Niterói ter sido contagiada pela peteca que mandei vários e-mails para amigos meus em busca de alguma resposta.
Fuçando na internet, li que o Combinado Cinco de Julho, no bairro Barreto, tem umas quadras. O lugar é perto da Viradouro. Não sei se dá para confiar, mas se alguém puder confirmar a notÃcia...
Ótima reflexão. E isso me fez descobrir o motivo de o parques das águas, em São Lourenço, ter aberto há muito tempo atrás uma quadra de peteca na sua extensão. Eu achava realmente esquisito, por que não colocar uma quadra de futebol ou de basquete. Agora, tá explicado.
Também sempre gostei de peteca, e tenho em casa uma profissional arrebentadinha. Mas nunca joguei profissionalmente e desconhecia esse caráter regional do esporte. Fiquei me lembrando de um esporte de infância, que nunca mais vi por aÃ, o paredão. Tem uma explicação meio mal-feita dele aqui e um jogo online aqui.
O paredão consiste basicamente em jogar uma bolinha de frescobol contra uma parede, quicando no chão antes e depois, para dificultar o adversário. Um antepassado do squash... Alguém aà já jogou?
Claro que já joguei paredão. Aliás, há várias adaptações do paredão, com bola de volêi e até jogado com os pés, como se fosse futebol. Olha, eu gosto tanto de esporte que eu começo a viajar pensando nos esportes inventados há pouco tempo e - às vezes - desconhecido para muitos. Na praia, temos o futevôlei, já bem popular, mas outro dia vi, à noite na praia, uma turma jogando uma mistura de altinha com basquete. Tinha uma espécie de cesta de basquete fincada no meio da areia e a turma tinha que controlar a bola sem deixar cair até fazer o ponto. Só vi isso uma vez e fiquei na dúvida se foi um grupo de amigos que inventou ou se isso é mais conhecido. Enfim, curto a idéia da criatividade que gira em torno dos jogos inventados.
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 26/10/2006 15:30É, eu sempre achei estranho ir a clube em outros estados e não ver uma quadra de peteca. Para mim foi sempre uma coisa muito comum. Desde criança via meu pai jogando campeonatos no clube, como a rede é muito alta (acho que mais do que a de volei) só pude começar a prática mais tarde. Video da final de peteca no youtube, genial!
Sergio Rosa · Belo Horizonte, MG 27/10/2006 18:45Sem deixar de lembrar que a peteca e' um esporte otimo para provocar derrames nos capilares da palma da mao e dedos.
Vivian Caccuri · São Paulo, SP 29/10/2006 15:34olha que divertido! \o/
Farion · Curitiba, PR 31/10/2006 02:02
Finalmente descobri outro point, que, pelo que me disseram, é bem mais tradicional em Niterói. O Praia clube São Francisco tem três quadras de peteca, além de sediar jogos da Confederação Brasileira.
Tem uma história de um cara da cidade que foi campeão carioca ou brasileiro, mas isso ainda tá nebuloso nas minhas pesquisas hehehe
Bom, quanto a vocês não sei, mas na minha infância (anos 70, rapaziada, anos 70), a gente jogava queimado direto nas ruas da Zona Norte do Rio. O engraçado é que aqui em SP o pessoal chama o mesmo jogo de queimada, no feminino. E realmente não vejo ninguém jogar peteca - que na Zona Norte do Rio foi uma febre nos anos 1980, junto com a seleção feminina de vôlei de Isabel e Vera Mossa.
Putz, quantas emoções! :-)
Só um adendo: em Belo Horizonte e no interior mineiro o pessoal na época da minha infância e adolescência era muito mais doido por peteca que os cariocas. Mas não tinha tanta regra assim pra jogar não, a coisa era meio "freestyle".
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 2/11/2006 15:45Oi Fabio, em Minas tambem "queimado" chama-se queimada... achei ate' que o Thiago tinha escrito errado na primeira vez em que eu vi.
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 2/11/2006 16:26
Ronaldo, achei você nos comentários do Paulo do Macapá.Como vi que vc se interessou pelo que rola a cena Acreana, cá estou eu.
Acabo de postar matéria sobre a banda Camundogs. Rock, independente, autoral e...vc não quer ouvir ?
Eis o link:
http://www.overmundo.com.br/banco/banda-acreana-camundogs-e-destaque-no-independente
E sobre o Varadouro, eu também fiz a minha básica cronica da situação, vou lá buscar o link e já te trago aqui.
É o Overmundo encurtando os Varadouros por ai.
Beijão da Overmina em Construção,
WalquÃria Raizer
Eis o texto que também esta no site Senhorf.
É uma cronica sobre a pós-festival...dá uma olhada.
http://www.overmundo.com.br/banco/depois-do-varadouro-e-antes-de-qualquer-coisa
beijão,
Overmina em Construção,
WalquÃria Raizer
Opa! Em Jacarepaguá, bairro em que cresci no Rio, certamente é "queimado". Se bem que meus amigos da zona sul chamam "altinha" de "altinho", então fico achando que já de bairro pra bairro a coisa muda.
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 4/11/2006 02:05Pra mim foi o oposto, quando me mudei para Belo Horizonte e estava olhando apartamentos para morar achava curiosÃssimo o fato dos prédios terem quadra DE PETECA
Fernando Mafra · São Paulo, SP 3/12/2006 13:35
Ops, enviei sem terminar, continuando:
Ao invés de quadras poli-esportivas, que é o padrão aqui em SP.
No meu clube aqui em SP há um esporte curiosÃssimo que nunca vi em nenhum outro lugar: Tamboréu. É como o tênis, mas a quadra é de terra e ao invés de raquetes usa-se uma espécie de pandeiro e a bola só pode ser rebatida com os dois pês no chão.
Algo que nunca vi em BH também, mas que é bastante presente em SP é botcha, embora eu ache que todos ao menos já ouviram falar do esporte em si.
O curioso é que já vi diferentes regras para se jogar Bets (não sei se escreve assim) em diferentes lugares, mesmo dentro de São Paulo.
E' verdade Fernando, ja' tinha ouvido falar do Tamboreu (mas nunca vi ninguem jogar). Quanto ao "bets" (ou "taco" como e' chamado em outros lugares), alguem bem que poderia escrever uma materia para o Overmundo. Nao faco ideia de qual seria a origem do esporte aqui no Brasil (sera' que teria alguma conexao com o baseball americano?).
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 4/12/2006 11:21
O Bets é muito parecido com o Cricket, esporte popular na Inglaterra e em alguns lugares da Europa.
Cricket inclusive NÃO é aquele que se joga com um martelo parecido com o do Polo fazendo as bolas passarem por pequenos arcos no chão. E eu nunca lembro o nome desse outro esporte. Sei que ele é praticado por velhinhos japoneses em um centro esportivo da prefeitura perto do Parque Ibirapuera.
Em SP "queimado" também se chama Queimada, e tem uma variação mais egoÃsta, o Carimbo. Que é uma queimada cada um por si, o objetivo é ser o único a não levar uma bolada e ficar em pé no final.
Na escola já joguei base-volei, um baseball com bola e movimentos de volei.
Bocha é popular em Belo Horizonte, também. Inclusive, o Cruzeiro Esporte Clube tem uma esquipe campeã brasileira e sul-americana de Bocha (vi sem 't'). O esporte é de tradição italiana, eu acho. Não é fácil jogar nas ruas.
Outro esporte popular das escolas em BH é a "ranca", que consiste em atirar com os pés a bola em um adversário, depois sair desembestado para bater nele, até que o coitado acerte um "pique" (viva a selvageria infantil!!!)
hehehehe
Abraços,
Algumas correções: bocha não é popular, mas é praticada, e isso é muito diferente.
Acho que o nome é "arranca", de "arranca-toco".
Oi Felipe, adorei saber da "ranca". Parece ser muito curioso (realmente cada vez fico mais impressionado como crianças são malvadas). Vou tentar saber se tem lá nos meus lados de minas também.
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 20/12/2006 15:24O "ranca" eu sempre pratiquei com o nome de "tourada". É muito simples: pegue uma bola, jogue-a para cima e assim que ela cair no chão o jogo começa. A idéia é que quem encostar na bola pode ser agredido fisicamente. O objetivo é chutar a bola nos outros, antes que chutem ela em você. Esse esporte é de extrema importância para o desenvolvimento da personalidade e do caráter nas crianças: é um preparo para a vida adulta em sociedade. Há teses pedagógicas sobre o tema.
Sergio Rosa · Belo Horizonte, MG 20/12/2006 16:03
Além de teses ortopédicas para o assunto....
Quem nunca perdeu um dente ou quebrou um braço brincando na escola???
No Rio, eu conheço o "ranca" como porradobol. Nome incrÃvel!
Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 21/12/2006 11:01
huahuahuahua!!! Só o Rio mesmo....
Será que vai ter "porradobol" no Pan 2007?
Abraço para a cidade mais que maravilhosa.
PS> Parente do Marcelo Camelo?
Informação do Guiness que acabo de descobrir -
Mais longa disputa de peteca
Na mais longa disputa, a peteca foi golpeada 4.800 vezes por José VinÃcius Marques Alves e William Ribeiro Mourão, em BrasÃlia, a 21 de abril de 2000.
Tendo em vista que bater palmas gera o equivalente a 0.35 watts de energia, essa disputa gerou o suficiente para fazer uma cafeteira elétrica funcionar por algumas horas. A qual foi utilizada para manter os espectadores da partida acordados.
Sergio Rosa · Belo Horizonte, MG 28/2/2007 18:05PESSOAL, O TAMBORÉU É MELHOR QUE TÊNIS POIS JOGA-SE TROCANDO DE BRAÇO, DESENVOLVE OS DOIS HEMISFÉRIOS E OS DOIS LADOS DO CORPO. Hà TAMBÉM O TAMBOPETECA, QUE NÃO Dà PROBLEMAS NAS MÃOS POIS TEM RAQUETE TIPO PANDEIRO COM FIOS CRUZADOS E ESTICADOS. TEM TAMBÉM O TAMBOURIN, INTERNACIONAL EM 6 PAISES DA EUROPA. EM BRASÃLIA FORAM INVENTADOS TB O TAMBOGOL (QUADRA DE FUTEBOL DE SALAO) E O TAMBOTÊNIS (REGRAS DO TÊNIS COM RAQUETE SEM CABO, PANDEIRO COM FIOS CRUZADOS E QUADRA COM 11 X 29 M). nO TAMBORÉU A QUADRA TEM 10 X 34 M. HAJA BRAÇO. DE TODOS ESTES ESPORTES O QUE MAIS GOSTO É O TAMBOPETECA !!!
tambo · Guarujá, SP 9/4/2007 12:18Oi Tambo, valiosÃssima a sua contribuição. Vou ficar de olho no Tamboréu e suas variações nacionais!
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 10/4/2007 00:32Ola, Li os comentários sobre peteca e me interessei muito. Sou professora de educação fÃsica e faço parte do quadro de arbittragem da Federação Paulista de Peteca. Em São Paulo existem diversos clubes onde se pode jogar, mas o principal é o Corinthians, onde jogo nos finais de semana. Se quiser mais informações é só entrar no site: www.fepape.com.br, também tem a comunidade da Fepape no orkut. Beijos!!!
Kikaedf · São Paulo, SP 30/1/2008 14:02Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!