Por Que Sou Contra o Acordo Ortográfico

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Bárbara "Akyra" Rocha · Belo Horizonte, MG
18/2/2009 · 34 · 3
 

Sim, sou contra o acordo ortográfico que tenta unificar a Língua Portuguesa. Muitos vão me olhar com uma cara estranha. Talvez pensar que é porque tenho 18, quase 19 anos, e ainda acho estranho escrever "joia" e "ideia" sem acento, ou "linguiça" e "tranquilo" sem trema. Alguns até chegam a dizer que eu só defendo o trema porque o acho bonitinho (e ousam afirmar que meu interesse no estudo do idioma alemão se refere a esse gosto estilístico pelos "pinguinhos" em cima das vogais).

Mas essa não é a verdade.

A verdade é que eu acho que, em primeiro lugar, língua é cultura. Língua é cultura. E cultura, a meu ver, não se unifica. Não se homogeneiza. Cultura é algo único. O português falado no Brasil é diferente do falado em Portugal, que é diferente do idioma que se fala em Goa, que é distinto do falado no Timor Leste e por aí vai. O Português é falado no Brasil, em Portugal, no Timor-Leste, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e antigos territórios da Ãndia portuguesa: Goa, Damão, Diu e Dadrá e Nagar-Aveli. É um idioma presente em praticamente todos os continentes. O contexto histórico, sociológico, econômico e cultural difere completamente entre esses muitos povos falantes de português. Na minha humilde opinião, unificar a língua é tentar tornar igual coisas diferentes. Ignorar anos de isolação geográfica e cultural. Tornar a língua - um ser vivo que passa por experiências de evolução, desenvolvimento e até mesmo de morte - uma coisa inanimada e desprovida de contexto. Apenas por se tratar de uma língua - desenvolvida em seus inúmeros dialetos - com uma origem comum.

Mas até aí eu apenas menciono minhas idéias quanto à questão cultural da língua. Agora eu exponho minhas críticas quanto ao aspecto funcional do idioma. É claro que nós, que nascemos num país cuja língua oficial é o português, que o ouvimos desde bebês, estudamos desde criancinhas, é claro que nós sabemos que o "u" de linguiça é pronunciado, que o "e" de ideia é aberto, que pelo de cachorro é diferente de pelo preposição. Mas, e quanto a alguém que está agora a enveredar-se pelos caminhos do idioma latino? Eu falo por experiência própria - em meus estudos de alemão eu tenho dificuldade de pronunciar certas palavras porque a grafia delas não é clara. O trema é extremamente importante para mim. Não existe nenhuma outra indicação de que o "u" é pronunciado naquela palavra a não ser os dois "pinguinhos". Sem os acentos, como saber se aquela vogal é aberta ou fechada? Quem está vindo de fora, e chegando agora, terá uma grande dificuldade para aprender as palvras que foram modificadas com o acordo.

Enfim. Os acentos diferenciais, os acentos indicativos de pronúncia, o trema, nenhum desses é inútil. Ao contrário, auxiliam e muito o falante, especialmente o novato. É uma grande injustiça com esses indivíduos retirar isso deles em nome de uma unificação também inútil, ameaçadora da cultura contextualizada.

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Ademir Furtado
 

Bàrbara,
se é verdade que você só tem 18 anos, você vai muito longe com a escrita. Continue assim, pois seu texto é bem estruturado, e bem escrito.
Mas infelizmente a opinião das grandes editoras contam mais que a sua, e elas precisam vender livros em Portugal também.
Ah, eu também estudei alemão quando tinha a sua idade e entendi bem o que você quer dizer.
Continue sempre escrevendo

Ademir Furtado · Porto Alegre, RS 18/2/2009 20:52
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Krista K
 

Bárbara,

o teu argumento sobre língua=cultura é a primeira que me parece convencente no caso contra a reforma. Admito que tenho também um carinho especial pelas peculiaridades das línguas e linguagens de lugares e culturas diferentes.

No entanto, o desaparecimento da trema especificamente não me deixa muito triste não. Ela quase já não aparece mais (talvez porque apesar de fazer parte da gramática oficial, ela já não faz mais parte da cultura). E também não vejo nesse sumiço tanta injustiça contra aqueles que aprendem português como língua estrangeira. Eu aprendi português como minha terceira língua e continuo vendo certas irregularidades e mistérios dela como um desafio prazeroso de conhecer uma língua (viva) que existe e tem caráter além do óbvio. Falta de trema é pouca confusão ao lado das várias pronunciações da letra x, por exemplo.

Agora, eu já tenho raiva mesmo pelo sumiço do ô na palavra vôo. Pelo que eu saiba, esse acento não estava desaparecendo até nem na língua coloquial...e o "voo" parece simplesmente estranho pra mim (eu sei, "estranho" não é um argumento convencente para quem decide; é apenas a minha emoção mesmo). Mas tudo bem - eu me acostumo, todo mundo se acostuma...e 20 anos daqui ninguém vai lembrar mais disso. E a língua portuguesa-brasileira vai continuar refletindo a cultura brasileira (o "povo" tem uma imensa habilidade de inventar/inovar e dar caráter às coisas mesmo no contexto de regras e regulações externas).

Gostei do teu texto. :)

Krista K · Salvador, BA 19/2/2009 01:59
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