Ao assistir os meus primeiros debates sobre cultura em Porto Alegre, sempre percebi que os discursos seguiam, em sua maior parte, ideologias político-partidárias. Achava que isto estava errado e que os assuntos do campo cultural não deveriam estar associados a assuntos do campo político.
Com o tempo, percebi que estava cometendo um equívoco. Se o mundo é um sistema e a maior parte dos problemas ambientais que assistimos ocorrem justamente pela excessiva visão fragmentada dos fenômenos, não teria cabimento eu querer separar cultura de política.
Apareceu então o seguinte problema: como vou me posicionar? Como vou agir? Pensei então que precisava conhecer as diretrizes e programas dos diferentes partidos e saber como agiam seus membros, para somente então assumir publicamente uma posição e ser coerente com minha opção.
Percebi que em geral, pelo menos aqui no RS, os partidos assumem três posições: 1) achar que no mercado está a solução de tudo; 2) achar que todos os problemas do mundo (inclusive os da cultura) têm sua origem no mercado; e 3) defender qualquer uma destas posições, no período que antecede as eleições e depois nada fazer. Aliás, “não fazer nada” depois que acabam as eleições é um fato comum nos candidatos que assumem as posições 1 e/ou 2.
Entendida esta questão, pensei em assumir uma das três posições. Depois vi que não concordo com nenhuma delas, pois o entendimento da dinâmica do campo cultural vai além de incluí-lo ou excluí-lo do contexto do mercado. Por fim, desanimei. Como em Porto Alegre (será só aqui?) a maioria das pessoas que trabalham com cultura se conhece, pensei que não valia a pena me expor publicamente apoiando iniciativas político-partidárias em prol da cultura, prevenindo assim desgastes posteriores, prováveis boicotes dos futuros partidos que viessem a assumir a administração municipal ou estadual.
O que ganhei com isso? A sensação de que algo precisava ser feito e que a minha posição “confortável”, à prova de conflitos, havia me engessado.
Pensando sobre isso lembrei da vídeo conferência de Debra Rowe, professora do Oakland Community College (EUA), durante o Simpósio A Universidade frente aos Desafios da Sustentabilidade em 2004, sobre mobilização estudantil para cobrar a implantação de uma política de desenvolvimento sustentável nas universidades americanas. Cheguei a conclusão que podia fazer algo.
Em 2006 constitui com músicos da banda com quem trabalhava o Coletivo Tarrafa, que desenvolveu atividades até julho de 2007.
Também comecei a produzir conteúdo para reflexão e organização do setor cultural. Primeiramente publiquei o artigo "Vamos Educar as Pessoas para a Produção Cultural?" para mostrar a lacuna imensa que temos em termos de formação para produção cultural. Na sequência, disponibilizei publicamente minha pesquisa sobre financiamento da música. Depois escrevi artigos falando da relação entre educação e a canção, do exercício da atividade de produção cultural e compartilhei informações sobre cultura colaborativa e software livre.
Minha última ação no sentido de contribuir para o desenvolvimento da cadeia produtiva da cultura foi a publicação do livro Aprenda a Organizar um Show.
A partir disso, comecei a receber e-mails de várias pessoas me dando um retorno de que estão lendo estes conteúdos, que situações parecidas ocorrem em suas cidades.
Acredito na importância de se educar as pessoas para a produção cultural. Quando falo em “educar para produção cultural”, não estou restringindo a aprender a encaminhar projetos para leis de incentivo. Me refiro a necessidade de se estruturar métodos de ensino que permitam aos jovens se interessar pelo trabalho com a cultura desde o ensino fundamental, se profissionalizarem no ensino médio e desenvolverem conhecimento de ponta em âmbito universitário.
Mobilize pessoas influentes em seu bairro, cidade ou região para pressionar candidatos a incluir educação para produção cultural em seus programas políticos e projetos de governo.
Feito isso, redija um documento e peça para que o candidato leia e assine.
Veja um exemplo:
COMPROMISSO PÚBLICO DE CANDIDATO
Eu, _______________________________, brasileiro, residente a
________________, portador de RG nº_________,
candidato a _____________________no município de
_______________________________,
pelo partido ____________________, me
comprometo publicamente a cumprir rigorosamente os compromissos a seguir:
• Apoiar, propor e votar em projetos de lei que destinem valores do orçamento público para criação e manutenção de projetos, programas, cursos, centros comunitários, escolas, centros de ensino técnico e universidades, voltados para formação de profissionais que trabalhem com produção cultural, em toda sua diversidade;
• Apoiar, propor e votar em projetos de lei que destinem valores do orçamento público para formação de professores da rede pública para atuarem como sensibilizadores para o trabalho com produção cultural no ensino fundamental;
• Apoiar, propor e votar em projetos de lei que destinem valores do orçamento público para capacitação de profissionais de produção cultural para atuarem como professores na formação técnica em produção cultural no ensino médio;
• Apoiar, propor e votar em projetos de lei que destinem valores do orçamento público para criação e manutenção de cursos de graduação e pós-graduação em áreas que abranjam a produção cultural e que atendam as demandas do Sistema Nacional de Cultura;
• Apoiar, propor e votar em projetos de lei que destinem valores do orçamento público para criação de editais para financiamento de publicações didáticas voltadas para o ensino de produção cultural;
• Apoiar, propor e votar em projetos de lei que destinem valores do orçamento público para criação de cursos de capacitação empresarial para profissionais de produção cultural atuarem como empreendedores, utilizando os conceitos da economia solidária.
Isso é somente um modelo. Você pode adaptá-lo ao contexto de sua cidade.
Mas o que realmente importa é fazer. Eu tenho certeza que não tomará tanto tempo do seu presente, mas pode mudar muito o nosso futuro.
Mesmo sendo a produção cultural "também" uma questão do Estado, cada indivíduo pode ser um agente de transformação para auxiliar a criar condições que ampliem nosso desenvolvimento através da cultura.
Alê,
vou voltar pra reler e falar alguma coisa. Se não voltar
vai pensando ai como dar abrangência, eficiência, alcance real nas leis de incentivo à cultura. Como ela deixar de ser fonte de enriquecimento ilícito.
um abraço, andre.
Oi André, importante tua questão. Penso que ela acontece pela falta de educação e formação dos enormes contingentes de pessoas que ingressam ano a ano no mercado cultural.
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 7/3/2008 22:02
Alê.
Faço das palavras do amigo andre, as minhas.
É um escandalo o que estão fazendo com os recursos público.
Abraços
Alê,
Iniciativas como a tua, fruto do solidário despreendimento teu e do interesse profundo na cultura nossa e no aprendizado do povo para a importância dela, são as que mais vão permitir uma ação social de importância real para as mudanças necessárias desde a base ao tope da sociedade.
E, veja, por curioso, que é de mercado que se trata, embora não se reduzindo a ele a expectativa e as proposições para que mudem radicalmente as circunstâncias.
É de produtores e produção para o benefício das artes, dos artistas e dos fruidores que se estará falando ao destinar orçamentos, formação de trabalhadores conscientes do lugar em que pisam e de onde se projetem para o lume os sonhos - os nossos e de todos que sonhem liberdade, amor e arte.
Conte comigo por onde eu ande, embora não seja candidato, sempre será possível fazer amigos e influenciar pessoas para conhecer essa tua rica contribuição de real interesse público.
Grande e forte abraço, tchê
Pedro, com certeza temos muito que avançar com relação ao bom uso dos recursos públicos. Por isso mesmo que acho que temos que avançar começando a criar mecanismos jurídicos para podermos cobrar.
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 8/3/2008 14:10Adroaldo, agradeço teu apoio e tenho certeza que as mudanças necessárias começam hoje e sempre com o primeiro.
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 8/3/2008 14:11
Uma matéria excelente este teu texto.
Parabéns!
Que a tua busca (que também é nossa) seja concretizada em dias melhores para a cultura, a educação e o saber do nosso país.
abrs,
Porcaria na cultura tanto bate até que fura, cantava Itamar Assumpção... Concordo contigo que educação pra produção cultural não é mero roteiro pra buscar incentivo, há que se ir além, identificar o sentimento de pertença, entender que independe do partido que ocupa o poder e difundir, espalhar aos quatro ventos, registrar, documentar e comunicar à exaustão...
Bia Marques · Campo Grande, MS 9/3/2008 13:35
Oi Bia, que bom trazer o Itamar para um diálogo tão importante!
Só para esclarecer: eu não sou contra a existência das leis de incentivo. Eu sou a favor de que o sistema cultural do país deve criar mecanismos de longo praz que permitam o seu desenvolvimento, baseado na educação, na pedagogia da autonomia, na economia solidária, na diversidade cultural, no consumo ético, na ecologia e tantos outros importantes princípios.
Mas temos que nos mobilizar. Aprender a lutar pelos nossos direitos.
Alê,
Um texto que assino embaixo e que irei recomendar.Depois volto para ler outra vez e comentá-lo.
P A R A B É N S !!!
Muito bom, Alê.
já copiei o modelo da cartinha para os nossos "representantes públicos" assinarem e tambem divulgar macisamente pela internet este documento de pressão para o respeito a diversidade cultural e não apenas "global" (se é que vocês me entendem).
Eu tenho notícias que umas 3 universidades públicas estão inaugurando neste e no próximo ano cursos de graduação e pós em Produção cultural, mas o que vc coloca eu assino em baixo: que é a Produção Cultural desde o ensino fundamental, e acho que no ensino médio ela alem de entrar nas escolas técnicas (CEFET's) poderia ser uma materia no regular como é a filosofia e sociologia, pois aí poderia entrar conteúdos de cultura como antropologia.
Obrigado Zezito, mas comente mesmo, tua opinião é importante.
Gledson, que bacana esta notícia boa das 3 universidades. Concordo contigo, acho que produção cultural pode começar a ser ensinada e discutida nas aulas de sociologia, com um link para antropologia. Mas também é bom ter a parte técnica. Obrigado pela contribuição!
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