Às vezes não encontramos tema para analisar e discutir. Tudo parece distante e as tarefas do dia a dia atrapalham mais do que se possa imaginar.
As semanas foram passando e com elas a paciência foi se esvaindo, mas no último suspiro foi fácil conseguir inspiração. Foi só abrir a revista Em Tempo, que se designa como “a revista do Tocantinsâ€, que a gama de temas se abriu para quem quisesse ler. Na capa da edição IV - Junho 2008, um dos tÃtulos secundários chamou a atenção: “Taquaruçu: o berço de Palmasâ€.
Qualquer um que conheça esse recanto de paz localizado a 30 quilômetros da capital, sabe que qualquer jornal ou revista que fale desse assunto desperta muito interesse, afinal lá existem muitas cachoeiras, serras e caminhos ecoturÃsticos para se desfrutar.
TÃtulo da matéria em questão: “A paisagem mais simples do mundoâ€. Até aÃ, nenhum problema. Das três fotos da capa da matéria, duas mostram uma mata e uma cachoeira e a terceira é de Fenelon Barbosa, primeiro prefeito de Taquaruçu e de Palmas (seu nome só foi descoberto após a procura no Google, pois nenhuma foto contém legenda).
Das quatro páginas do texto, praticamente três delas são fotos. Todas são do distrito e suas cachoeiras, praças e faixa de entrada e somente uma é do senhor Fenelon. Tantas fotos e nenhum parágrafo destinado a falar de seu potencial turÃstico. Mas falemos do texto.
Inicia-se a reportagem com uma citação que já indica a mudança de foco: “(...) eles vieram lhe comunicar que ele fora escolhido presidente da associação de moradoresâ€. Como assim? A matéria não deveria falar de Taquaruçu? Tudo bem. Fenelon é um homem polÃtico muito importante para aquele distrito e é isso que o texto vai mostrando no decorrer das frases, sem problemas.
Foi apresentado, de forma até que bem escrita, como fundaram o povoado e como funcionou o acordo polÃtico que fez com que Siqueira Campos solicitasse à Fenelon Barbosa a mudança do municÃpio de Taquaruçu para Palmas.
O que o leitor espera é que logo adiante se fale das cachoeiras, das festas, dos bares alternativos, mas isso não se lê em nenhuma parte da matéria. O que se observa nos últimos parágrafos é uma referenciação à Palmas: “(...) De repente a capital-menina largou a sua mão e esparramou-se no mundo e hoje é esse espetáculo de beleza e grandeza arquitetônicaâ€. E Taquaruçu, como fica? Nem se toca nos nomes de suas potencialidades.
E para justificar esse artigo, uma atenção especial é dada aos três últimos parágrafos do texto: “Mas, quando se contar a história de Palmas, certamente se contará também a história de Fenelon Barbosa, de Maria Rosa e de Wanderlei Barbosaâ€.
Quem é Wanderlei Barbosa? Filho do casal que ajudou fundar o povoado e que já havia sido citado na matéria, mas e o que tem a ver falar do filho desse casal? Ah, foi fácil descobrir que ele é polÃtico também. É só seguir a leitura dos dois últimos parágrafos, que por força de comprovação estão descritos a seguir:
“Politicamente, o distrito de Taquaruçu está sempre presente em Palmas conduzindo seu povoâ€.
“O seu filho mais ilustre, o vereador Wanderlei Barbosa, que veio de Fenelon e Maria Rosa e que foi o mais votado nas últimas eleições é o testemunho de que Taquaruçu ainda continua vigiando os passos de Palmas. Wanderlei foi quatro vezes vereador e ainda muito se ouvirá falar do seu nome em Palmas e no Tocantinsâ€.
Pronto, fim da matéria. Tudo que a revista não deveria ter feito, ela fez e fez mal feito, mal escrito, mal dito e ainda por cima, não está assinado. Quem escreveu tudo isso? Precisamos averiguar e para confirmar enviaremos um e-mail à revista, mas antes, vamos à análise de alguns fatos.
Segundo o Código de Ética dos Jornalistas, em seu artigo 12, parágrafo IV, o jornalista deve: “informar claramente à sociedade quando suas matérias tiverem caráter publicitário ou decorrerem de patrocÃnios ou promoçõesâ€. Então podemos dizer que a matéria “A paisagem mais simples do mundoâ€, do repórter não se sabe quem é, foi anti-ética. Mas por quê?
A matéria tinha a intenção de contar a história do distrito de Taquaruçu e fazer um “perfil†(segundo a classificação da revista, a reportagem está na seção “Perfilâ€). Porém, ao chegar ao fim de seus parágrafos, acaba fazendo propaganda polÃtica do atual vereador do PSB, Wanderlei Barbosa.
O que tem a ver o vereador com Taquaruçu e as fotos que são mostradas nas quatro páginas da revista? O que tem a ver falar que ele foi vereador tantas vezes e que “muito se ouvirá falar do seu nome�
Nada. Essa deveria ser a resposta de todas as pessoas que entendem pelo menos um pouco da Lei Eleitoral e do Código de Ética dos Jornalistas. Nada, porque não interessa ao leitor saber se o vereador Wanderlei Barbosa já se candidatou xis vezes e que muito se ouvirá falar dele. Isso é enaltecer o polÃtico e isso se enquadra em crime eleitoral.
Tal análise remete ao fato que multou Marta Suplicy, a revista Veja e o Jornal Folha de São Paulo por terem publicado uma entrevista que foi considerada “propaganda antecipada†pelo Ministério Público Eleitoral.
Naquela situação, Marta Suplicy fez declarações que incitavam sua candidatura ao cargo de prefeita da cidade de São Paulo e além de enaltecer suas qualidades como polÃtica, denegriu a atuação da atual gestão. Francisco Carlos I. Shintate, juiz de direito que julgou o caso, explicou claramente na representação que traz a sentença, que houve propaganda. Ele questionou dois princÃpios importantes.
Um diz respeito à liberdade de imprensa, garantida pelo artigo 220 da Constituição, e o outro ao artigo 5, que garante o direito de todos serem iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza. Shintate se viu diante de dois conceitos vindos da lei maior, que é a Constituição da República, e acabou optando pelo direito de igualdade entre os homens, o que feriria o direito de todos os candidatos ao cargo de prefeito de São Paulo a serem entrevistados pelo jornal e pela revista.
O Juiz afirma “a imprensa, cumprindo seu poder-dever constitucional de bem informar, deve atuar na divulgação dos fatos que interessam, de alguma maneira, à sociedade, e noticiar fatos relevantes à vida de todos os cidadãos, em especial quando há interesse público. (...) Entretanto, a matéria exorbitou do mero interesse jornalÃstico, exercida a liberdade de informação de modo inadequado, a ponto de caracterizar propaganda eleitoral extemporâneaâ€.
Quando Shintate chega a essa conclusão, é fácil fazer uma analogia ao assunto de Taquaruçu. A revista Em Tempo tinha o interesse de informar sobre o distrito e fazer dele um “perfilâ€, no entanto terminou a matéria falando bem, enaltecendo a importância de um vereador que em entrevista ao Jornal Tribuna do Planalto, no último dia 14 de junho, afirmou “eu vou buscar (...) como projeto pessoal momentâneo a reeleição de vereadorâ€.
Ele deixou claro que vai tentar reeleição e nesse caso foi em uma entrevista. Contudo, Barbosa não ficou enaltecendo suas virtudes e falou mais sobre coligações de partido, mas garantiu sua intenção de se candidatar e comprova que a matéria da revista Em Tempo queria fazer propaganda sobre as virtudes polÃticas de Wandelei.
Todavia, mesmo não sabendo quem escreveu a matéria da revista, e se foi paga ou não para ser escrita e publicada, o que se pode analisar é que houve propaganda de um polÃtico, o que se enquadra em propaganda antecipada e infringe o artigo 36, parágrafo 3° da Lei 9.054/97, que estabelece normas para as eleições no Brasil e diz que a propaganda eleitoral somente é permitida a partir de 6 de julho do ano da eleição.
Portanto, mesmo que seja complicado achar assunto para debater, fica a dica para quem não quer perder a chance de conseguir ler nas entrelinhas. Uma simples matéria que quer contar a história de uma cidadezinha turÃstica pode conter propaganda polÃtica antecipada. Só precisamos descobrir quem escreveu tal matéria, afinal será que foi um jornalista?
Porque jornalista que é jornalista e segue o Código de Ética, não cometeria um crime desse tipo, pois seria de muito mais interesse público saber das potencialidades turÃsticas de Taquaruçu, do que ter uma matéria sem fim lógico que ainda fala de um polÃtico, que mesmo tendo sua importância, não devia concordar em ferir uma lei que busca a igualdade entre os candidatos.
Então, por mais que a liberdade de imprensa deva ser garantida, a decisão do juiz Shintate, com caso Marta Suplicy, comprova a importância de se dar atenção ao que realmente é interesse público: "embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princÃpio constitucional, não se pode esquecer que, além desta garantia, por igual vigora outro princÃpio, da mesma hierarquia, que garante a igualdade dos candidatos no pleito, apresentando-se como limite da liberdade de imprensa quando a mesma usa espaço de entrevista para a realização de propaganda no perÃodo pré-eleitoralâ€.
Oi Bruna,
esta sua Taquaruçu explica o mundo...
deixar de falar da "paisagem mais simples do mundo" para falar de um polÃtico é muito complexo, difÃcil mesmo de entender toda esta personalização.
por isso, foi muito interessante a ponte entre Taquaruçu e Marta Suplicy, a Lei Eleitoral e o Código de Ética dos Jornalistas.
abraços,
Esse artigo fala de propaganda polÃtica e em certo momento cito o caso da Marta Suplicy. Venho só informar que o TSE liberou essas "entrevistas" com os candidatos... meu artigo acaba ficando sem valia... me senti sem função... mas vamos à discussão!
quem quiser ler a notÃcia: http://www.comunique-se.com.br/index.asp?p=Conteudo/NewsShow.asp&p2=idnot%3D45064%26Editoria%3D8%26Op2%3D1%26Op3%3D0%26pid%3D31576934601%26fnt%3Dfntnl
Bruna,
sinceramente, discordo que seu artigo ficou sem valia. pelo contrário: ele chama a atenção de modo muito especial a esta decisão do TSE de liberar a participação de candidatos a cargos eletios em entrevistas.
os perigos de personalizar as paisagens simples do mundo. interessante é a coincidência desta decisão do Tribunal e a veiculação de seu texto. para mim, isto demostra a fragilidade da resolução 22.718/2008 em plena efervescência eleitoral.
vamos à discussão!
abraços,
Você mesmo, Bruna, com sua consciência, continua tendo muita valia!
abraço
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