Enquanto o Brasil ainda descobria a geração de Chico Buarque, Caetano e Gil, festejando-os nos programas de TV, nas rádios FM e nos festivais, existia um Lado B da música popular brasileira que disputava com eles em popularidade, mas não competia pelos mesmos espaços, onde não lhes cabia. Eram os “cafonasâ€, ouvidos nos radinhos de pilha sintonizados nas emissoras de AM, na cozinha e no quarto de empregada das nossas casas. Os primeiros ocupavam a sala de estar, enquanto os cafonas falavam aos desvalidos, muitas vezes cumprindo o papel de cronistas do sentimento (e do comportamento) popular.
Entre uma canção meramente de dor-de-cotovelo e outra, os cafonas, rotulados atualmente de bregas, falavam das mudanças de comportamento que efervesciam: drogas, divórcio, feminismo e homossexualidade, sem omitir-se também quanto a temas tabus. Lembra de Fernando Mendes falando de uma paixão platônica por uma cadeirante? Sim, era uma época em que os bregas tinham muito que dizer e o faziam de forma clara, sem verniz, sem rebuscamentos, nas mesmas cores fortes do cotidiano, como faz um Almodóvar no cinema.
A geração internet que conheceu Vanusa pelo episódio constrangedor do Hino Nacional não imagina que foi ela quem cantou mais ardorosamente os temas feministas no paÃs na década de 70. Guardadas as proporções e o tom panfletário de suas composições, Vanusa foi a Simone de Beauvoir da nossa música aos transformar seus dramas amorosos em bandeira de luta. “A mão que te acaricia é a mesma que te esbofeteia / A boca que te beija é a mesma que te injuria / O braço que te ampara é o mesmo que te bate na cara / ... / O teu silêncio é cúmplice da violência / Acorda pra vida e pede socorro / Nada vale esse jogoâ€, disse Vanusa em “S.O.S Mulherâ€, um de seus vários temas feministas. “Hoje pode parecer um grande clichê, um exagero, mas na década de 70 isso era realmente uma novidadeâ€, situa o jornalista e pesquisador Rodrigo Faour no livro “História Sexual da MPBâ€.
Quem vê hoje Agnaldo Timóteo como polÃtico reacionário não supõe seu momento criativo e libertário quando compôs, em tom autobiográfico, em 1975, “Galeria do Amorâ€, em referência à Galeria Alasca, antigo reduto gay carioca. “Na galeria do amor é assim / Muita gente a procura de gente / A galeria do amor é assim / Um lugar de emoções diferentes / Onde gente que é gente se entende / Onde pode se amar livrementeâ€. E não foi só Timóteo. Wando, Nelson Ned, Paulo Adriano e Odair José (este em duas composições) também dedicaram canções ao tema homossexual, livre de preconceitos, segundo enumera o pesquisador Paulo César Araújo no livro “Eu Não Sou Cachorro Nãoâ€.
O goiano Odair José, conhecido como “o terror das empregadas†dado a frequência com que falava do tema, foi um prodÃgio na abordagem de tabus. Falou sobre o uso de drogas em “Viagem†(quero colocar na sua mente uma luz/ acabar de uma vez com os tabus/ que um dia inventaram pra gente), comemorou o advento do divórcio em “Agora sou livreâ€, abordou a prostituição em “Eu vou tirar você desse lugar†e foi excomungado pela Igreja Católica por defender a ideia que José e Maria não eram casados quando Jesus foi concebido e, portanto, ele seria fruto do amor livre. (No disco ópera/rock “O filho de José e Mariaâ€, uma pérola de 1979). Antes, Odair José já tinha questionado "Cristo, quem é você?". Além disso, justo por, na época, ser tabu falar sobre métodos anticonceptivos, ele compôs o sucesso “Uma vida só†(Pare de tomar a pÃlula) quando o regime ditatorial implantava a polÃtica de controle de natalidade no paÃs.
Como a censura não se restringia aos temas polÃticos, mas também à preservação da moral conservadora, Odair José, dizem, foi mais perseguido pelo regime militar que Chico Buarque. "A cada 12 canções que eu fazia, sete eram censuradasâ€, contabilizou José em entrevista ao site Censura Musical.
E assim o gênero popular seguiu em frente, de quando em vez dando seu recado e mexendo nas nossas feridas morais, em meio a um turbilhão de músicas voltadas à s dores de amores (aliás, é uma caracterÃstica universal da música privilegiar os dramas amorosos. É assim até na ópera). Pena a geração atual do brega não ter seguido essa receita, se restringindo ao chororô dos fins de caso.
Brega ou não antigamente esses cantores mandavam aquele recadö" Hoje em dia o que se vê são muitas canções chulas e sem nexo que ultrapassam qualquer letra de categoria. U>m bsurdo!bjs
Doroni Hilgenberg · Manaus, AM 22/4/2011 16:42Sempre curti muito mais Odair José do que Chico Buarque. Era difÃcil pra mim assumir isso. Como cantou o Raul: "Por muito tempo eu sentia vergonha das coisas que eu sinto(...)/Eu gosto de "Besame Mucho", e eu gosto e eu vou tirar você desse lugar (...)". Abraços.
Edu Borges · Santo Amaro, BA 23/4/2011 14:05Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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