"{...} Eu sempre desconfiei dessa profissão, que começa com cu e termina com dor"
Adão Iturrusgarai
Entrevistar a Xiclet é realmente um desafio. Ela é tão intensa, tão falante, tão engraçada e espirituosa, que fica muito fácil perder totalmente o foco da conversa, sem esperança de encontrá-lo. Às vésperas da inauguração da 27ª Bienal de São Paulo, a fundadora, administradora, assessora de imprensa (e muitas vezes da limpeza) da Casa da Xiclet, passeia orgulhosa pela galeria me apontando e contando detalhes dos trabalhos dos artistas pouco conhecidos. Para vários deles, aquela é a primeira exposição de suas vidas.
"Eu não entendo por que esses meninos artistas ficam se juntando em 4 ou 5, para rachar um espaço na Barra Funda, onde montam um ateliê. Mais outro ateliê? Pra quê? Pra correr atrás de curador como sempre? Eles deviam sim, é montar sua própria galeria!"
E foi exatamente isso que ela fez. Adriana Matos Alves Duarte, mais conhecida como Xiclet, se cansou do hermético mercado paulistano de arte e resolveu criar um espaço totalmente diferenciado na Vila Madalena, onde qualquer um pode expor. Sim, qualquer um. "Sem-curadoria, sem-seleção, sem-juros, sem-jabá, sem-entrada e sem-patrocinador", é só se inscrever nas chamadas das exposições (as que ainda têm vaga), pagar uma taxa em torno de R$100,00 e dar uma ajudinha na montagem e na faxina, que está tudo certo.
A Casa da Xiclet, que completou 5 anos de vida na semana passada, promove diversas mostras bem-humoradas o ano todo. A quantidade de artistas jovens que passa por ali é assombrosa. Eles vêm de todos os estados do paÃs em um número inalcançável para qualquer galeria tradicional no Brasil. "As galerias não dão mais conta da quantidade de artistas talentosos que existem por aÃ. Não tem espaço para todo mundo. Agora os artistas precisam se virar em outros lugares".
E como que a Casa da Xiclet ficou tão conhecida e prestigiada pelos jovens artistas? Adriana acertou na mosca: "Eu faço tudo pela internet." Um site html, um perfil no Orkut (bem movimentado, aliás), uma conta de Multiply e um belo mailing. Diferente das galerias, a Casa estabeleceu uma comunicação muito direta com o público-alvo, com a ajuda dessas ferramentas da cibercultura. Tudo isso unido à popularidade que Xiclet já havia construÃdo no mundo presencial, mais matérias na Folha de São Paulo, Caros Amigos e Ãndices no guia Mapa das Artes, gerou uma grande divulgação boca-a-boca, o marketing mais eficaz que pode existir.
E dá dinheiro, Xiclet? "NÃO! De jeito nenhum. É gostar. É acreditar."
Com tanta irreverência, não é de se admirar que os temas das exposições façam paródias com nomes e personalidades da arte em São Paulo. A investida mais ousada aconteceu no ano passado com a exposição "Quero ser amiga da Lisette". Vamos lembrar que a tal "Lisette" se trata de Lisette Lasagno, a curadora geral da 27ª Bienal de São Paulo, que foi pessoalmente conferir o que Xiclet estava aprontando. Para a alegria de todos os participantes, Lisette "adorou a coletiva! Até ficou com um trabalho de um artista.", sorri Xiclet. Para a Bienal deste ano que tem o tema "Como viver junto", a anti-galerista está organizando a exposição paralela "Como viver longe", que já está com edições lotadas de artistas inscritos.
Xiclet com Jabá
Adriana não tem medo de fazer uma curadoriazinha de vez em quando. O novo espaço da rede Xiclet será a "Letxic", uma galeria "Com-cu-radoria, com-seleção, com-jabá, com juros e com tudo." Neste espaço criado por Flávia Vivacqua, a Galeria Favo, serão expostos os melhores trabalhos participantes das mostras da Casa. Esta escolha mais cuidadosa, segundo Xiclet, vai facilitar a venda das obras:
"Não existem galerias de médio porte aqui. É caro demais comprar arte de qualidade no Brasil. Como eu exponho artistas jovens ou recém-formados, o preço que cobro é justo e acessÃvel."
O espaço das duas galerias é bem diferente. Enquanto a Casa da Xiclet mantém um ambiente informal, cheio de traços da personalidade de Adriana e sem muita exclusividade de espaços individuais para as obras, a Letxic se aproxima mais da arquitetura das galerias paulistanas de peso. Finalmente se criou um segmento alternativo no mercado de artes visuais da metrópole, sem abrir mão dos meios democráticos de seleção.
Veneza e a Periferia
O modelo democrático da Casa da Xiclet não é nenhuma novidade. Não pelo menos em Veneza, a cidade das gôndolas, do festival de cinema, e da maior e mais importante bienal do mundo. Em 1993, o Aperto, o salão paralelo à Biennale di Venezia para jovens artistas, foi criado em moldes similares de seleção, privilegiando as categorias que normalmente ficam de fora em um evento deste porte, a saber: artistas jovens, paÃses em desenvolvimento e artistas jovens de paÃses em desenvolvimento.
Mas um mÃnimo de filtragem acontecia no Aperto. Existia de fato uma seleção para preservar um "padrão Veneza de qualidade". E além do mais, os organizadores não recebiam os artistas em suas próprias casas como recebe Xiclet. E o melhor: os organizadores do Aperto não tiveram a brilhante idéia de criar unidades da galeria nas periferias carentes da cidade.
A originalidade de Xiclet alcança um nÃvel inédito nesta idéia, que envolve duas casas nas periferias da Grande São Paulo. Uma delas fica em São Mateus, e a outra no Parque Continental em Guarulhos, respectivamente administradas por "Jailtão" e "Giulliano". Parte das obras inscritas nas coletivas, serão expostas nestas Casas das periferias. Xiclet vai propor para os artistas que doem suas obras para realizar a exposição também nas ruas. Terão direito a legenda e tudo. Mas se alguém quiser levar a obra, ninguém irá impedir.
Hans Ulrich Obrist, um dos curadores mais importantes e criativos dos últimos dez anos, já havia desconstruÃdo a antiga idéia de exibição com exposições nômades como essa. Mas Obrist é gente muito grande, e só expõe gente muito grande. Seus artistas não são novatos e livres o bastante para se desapegar de suas obras nas ruas de uma periferia qualquer. A não ser que isso seja uma proposta. Mas só se for uma proposta de curador de Bienal.
O que a Xiclet faz de conectar vários tipos de periferias com os códigos do mercado de arte é precioso. O Hans-Ulrich Obrist é "curador" demais, no sentido iturrusgarainiano, para descobrir alguém como ela.
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 29/9/2006 23:00Atitude porrada desta mina... Temos que descobrir mais pessoas nesta linha.
Moysés Lopes · Porto Alegre, RS 2/10/2006 06:55além de genial ela te chama de 'amore'.
alechamdre · São Paulo, SP 2/10/2006 18:49Ô se a "moda"... queria uma Xiclet dessa em BrasÃlia!!!
Thiago Perpétuo · BrasÃlia, DF 2/10/2006 19:16
Inclusive algum artista de BrasÃlia já deve ter passado por lá!
Muito boa a matéria, ela esteve por aqui no Rio, fazendo uma Xiclet in Rio.
dudavalle · Rio de Janeiro, RJ 2/10/2006 22:30Alias alguém aih em Sampa sabe me dizer o que aconteceu com o Salão Aberto, vai rolar este ano ?
dudavalle · Rio de Janeiro, RJ 2/10/2006 22:43Eu fiquei sabendo da Xiclet através de uma intervenção dela na forma de stickers, inseridos na última Bienal. Achei ducacete, mas acabei não indo lá conferir. Agora me voy!
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 3/10/2006 09:12A Xiclet é o máximo. Tenho muito orgulho de poder ser uma das artistas que expôe na Casa/Galeria dela. :)
DaniCast · São Paulo, SP 3/10/2006 20:01a xiclet é gostosa
petit gatinha · São Paulo, SP 3/10/2006 20:11
este mês faz um ano que eu expus na Casa pela primeira vez, foi muto legal. nesse um ano várias coisas aconteceram, impulsionadas pela visibilidade que a galeria proporciona ao artista.
sem contar que toda vez que você vai visitar a Xiclé ela te dá um cigarro e dois dedos de prosa encorajadora. muito fofa.
A Xiclet é uma pessoa fantástica.
Já a vi em divrsas situações, em várias épocas, e não importa onde estivesse ou o que estivesse fazendo, ela nunca deixou a arte de lado. Essa vontade toda de levar em frente seu ideal, não importando as circunstâncias, não é inerente a todo ser humano, e é isso o que faz dela e de seu trabalho algo único, longe de tudo já visto, digno de receber qualquer grande elogio.
A Xiclet é incrÃvel, incansável, e o texto está muito bom! A foto conseguiu captar exatamente o espÃrito...quem fez?
Rica P · São Paulo, SP 4/10/2006 16:20Abrir espaço à todos. Xiclet mostra que isso não é só possÃvel com internet (Overmundo), mas também com o relacionamento pessoal e direto entre as pessoas. Tudo é culutra, e na minha visão, toda cultura é arte. Só é preciso aprender a ver isso. Xiclet consegue.
Gostabo · Curitiba, PR 5/10/2006 13:05
Proposta criativa.
Agitadora cultural inteligente.
Localizaçao muito boa.
Frequentada por gente que acredita na arte.
Parabens!
nossa, é seu esse texto.
achei por acaso agora.
foi com ele que conheci o overmundo.
Putz, eu andei pensando em expor umas experimentações fotográficas minhas, mas não estava levando fé nos métodos ditos tradicionais. Será que na casa da Xiclet rola? Monto e faço faxina com prazer!
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 29/10/2006 17:02A arte deveria levar uma bela surra, Richard Huelsenbeck, dadaÃsta (via revista RAIZ.)
Kuja · São Paulo, SP 19/11/2006 16:54
Sou Xicletero!
Ela é demais, grande figura é o que Brasil precisa
para socializar a arte, gente como a Adriana.
Parabéns o texto tá bem legal.
Num universo de artistas que se expande num mundo de galerias que se restringe, Xiclet é mecenas contemporânea, dá aos artistas o mais importante!!!, abre espaço para mostrar e para ver arte!!!
Adoro tu Xiclet!!
Vivian, parabéns pela excelente matéria. Já tinha lido faz um bom tempo, mas foi muito rapidamente. Agora, vendo outra vez, com um pouco mais de tempo, parei para lhe prestigiar. Como artista plástico pintor, penso que mais notas e inciativas como estas deveriam surgir. Pra que isso aconteça é importante valorizarmos posições como a sua, no papel de divulgar e também o trabalho da Xiclet de fomentar a arte por um modo tão cultural e democrático, importado ou não, mas principalmente nosso, feito aqui mesmo, para nossa gente. Obrigado por isso tudo.
Aproveite então para ver uma exposição minha, online, com "curadoria" de Jakeline Maros:
www.overmundo.com.br/banco/exposicao-andruchak-no-overmundo
www.andruchak.com.br
Maravilha!! Mais xicletssss poderiam surgir em cada cantinho deste mundo!! Um artista novo e até um com mais tempo de estrada às vezes fica meio perdidão... rsrs Muitos investimentos para divulgar o trabalho, e retorno... cadê??
Parabéns pela atitude!!
XICLET!
Esta idéia cola, gruda, faz uma meleca legal no mercado de arte!!
Parabéns pela matéria e parabéns à moça pela coragem!
Mariana - Xiclet- parabéns! Precisamos de mais iniciativas assim. Centenas de artistas sem espaço. E os curadores, com exceções como é o caso da Lisette que sempre se destacou, dificultam muito o acesso dos artista aos espaços de exposição.
Beleza pura.
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