Redenção e X-saladas de ocasião

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O culpado. Em foto magistral
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SILVASSA · Salvador, BA
28/1/2007 · 135 · 11
 

Os office-boys são uma espécie de irmandade. Sujeitos espertos, sempre têm alguma carta na manga. Ou cigarros Derby, no caso de algum porteiro de banco se negar a dar uma “força” para deixá-lo entrar depois do expediente. Donos de um jogo de cintura invejável, arrisco até afirmar que, no caso do holocausto nuclear, talvez sejam uns dos poucos que irão sobreviver.


Além das baratas e do presidente dos EUA – ou você acha que Bush vai estar esperando a tal bomba em casa assistindo TV por assinatura ?


Eu já fui um. Dos bons. Tinha minhas manhas e alguma influência com baianas de acarajé, secretárias, operadores de fotocopiadoras e os já citados porteiros fumantes. Havia um submundo com suas habituais regras de conduta.


Não posso dizer que não havia dignidade no ramo. Ganhava uma mixaria, é bem verdade. Mas isso garantia meus pequenos e eventuais vícios - gibis, cigarros, garrafões de vinho Dom Bosco e vinis dos Doors comprados no saudoso sebo Dom Ratão.


Muito além de simples pagamentos, eu e minha S.W.A.T. de contínuos durangos e esperançosos, também éramos responsáveis por trazer a comida dos diretores daquele banco. Todos os dias era a mesma coisa: lá pelas onze e meia da manhã pegávamos a grana com a secretária e partíamos, cada um para um lado do hoje precário bairro do Comércio. Pouco tempo depois, todos retornavam ao Q.G. com marmitas, sacolas e trocos. Deixávamos tudo na copa.


Num desses dias, em meio à correria habitual de pagamentos e subornos enfumaçados, fui designado a ir a um dos restaurantes preferidos do diretor geral. Ele queria impressionar algum cliente endinheirado. De posse da grana, e de um papel contendo o nome de todos os pratos, parti para o que chamamos de Mercado D’Ouro.

Havia um aroma no ar. Denso. Algo realmente marcante. Nada até então tinha me deixado uma impressão tão boa. O local era bagunçado e bastante barulhento. As paredes eram escuras. Não davam uma impressão limpinha e “clean”. Havia muita gente sentada. Comendo, naquele típico silêncio carregado de cumplicidade.


Não somente pela fome que sentia – eu não era bem o topo da cadeia alimentar, por assim dizer; não passava de um mero devorador de mistos, abarás e similares. Era algo maior e mais significativo. O tal aroma – usar a palavra inebriante é o cúmulo do óbvio, portanto esqueçam - vinha forte de dentro do pequeno cubículo entulhado de gente visivelmente atarefada. Era a tal cozinha.


Fui entrando e tentando me situar. Tinha uma missão e iria cumprir. Afinal de contas eu era um dos melhores na tresloucada e confusa pirâmide social dos office-boys.


Mas tinha o tal aroma...aquele...


Um senhor de imensa barba e cara de poucos amigos – uma mistura meio sem nexo de Chuck Norris e Paulo César Pereio na década de setenta -, certamente vendo que havia um garoto estático bem no meio do salão, acabou por me conduzir a um canto. Que estava eu fazendo parado bem no olho do furacão, onde alguns garçons tentavam dar conta do recado? Entreguei-lhe o papel com os nomes dos pratos junto com a grana e me sentei.


Sim. A porra do aroma permanecia no ar. Minha barriga roncava e eu me perguntava porque não era um dos escolhidos. Comecei a questionar se a vida era somente refrescos de maracujá, coxinhas, abarás e hot dogs.


Perguntei se era feliz de fato...


A bondade pode vir de várias formas. Caridades, ajuda a orfanatos, pessoas que auxiliam cegos ao atravessar uma faixa, doações para o Criança Esperança. Mas eu nunca tinha visto alguém descolar um prato de filet para um office-boy totalmente perdido e com cara de otário. Não um filet simples. Mas um filet delicioso, macio, grosso, marcante – e outro bocado de elogios e superlativos.


Inigualável - e nem era uma porção completa, era desnecessário.


Então depois daquele dia, em que experimentei o filet do Juarez (restaurante Juarez, Mercado d'Ouro), acho que fiquei mais ligado à comida e menos viciado em X-Saladas de ocasião.


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Egeu Laus
 

Beleza de texto, Gustavo. Faço um pequenino reparo: em lugar de cheiro a palavra mais correta acho que seria "aroma".
Um abraço!

Egeu Laus · Rio de Janeiro, RJ 25/1/2007 14:01
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SILVASSA
 

ok, feito!

SILVASSA · Salvador, BA 25/1/2007 14:19
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Felipe Obrer
 

Gustavo,
Adorei. Mesmo não sendo carnívoro, numa ocasião assim me renderia.

Um abraço e parabéns,
Felipe

P.S.: a foto está muito boa também. Mas é de uma sobremesa, né? (observação boba)

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 25/1/2007 14:22
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SILVASSA
 

falô

a foto...bem, aproveito p dizer: vão no site que tà como crédito. cada foto melhor que outra

abç

SILVASSA · Salvador, BA 25/1/2007 14:31
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Marcelo Perez
 

Maravilha, Gustavo! Também já fui boy e uma vez minha marmita caiu da minha bolsa na rua e o pior é que eu tava dentro de um ônibus lotado. Todo mundo olhou pra trás. Que mico!
Ótimo texto. Tenho um comentário: o segundo parágrafo(o das baratas) ficou solto, mas na verdade ele faz parte do parágrafo introdutório. O que acha?
Abraços e parabéns!

Marcelo Perez · Boa Vista, RR 25/1/2007 15:54
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Roberto Maxwell
 

Gustavo, o segundo paragrafo nao seria parte do primeiro?

Roberto Maxwell · Japão , WW 25/1/2007 17:45
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Roberto Maxwell
 

Outra sugestao, talvez o texto fosse melhor aproveitado na sessao literatura ja que eh uma belissima cronica. Pense nisso tambem. Qualquer duvida, visite o link

http://www.overmundo.com.br/estaticas/participe.php

Roberto Maxwell · Japão , WW 25/1/2007 17:46
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Felipe Obrer
 

Gustavo,
Na verdade nem acho que o segundo parágrafo deva ficar colado no primeiro. Separar pode ser um meio de destaque. Mas entendi as sugestões, o parâmetro de quem sugeriu foi a afinidade temática entre o que se diz em ambos.

No outro dia vi alguém mais experiente por aqui dando a sugestão de um espaço entre a imagem e o texto, pra facilitar a leitura. Basta um enter.

Já fiz elogios ao texto no comentário anterior, então não vou me repetir.

Um abraço,
Felipe

Felipe Obrer · Florianópolis, SC 25/1/2007 17:50
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SILVASSA
 

vamos lá.

antes de mais nada, obrigado a todos!

em relação ao paragrafo, como disse o Felipe. na verdade a idéia é a mesma. mas queria realmente destacar nem tanto as baratas (ela não merecem ) mas o fato do Bush se safar dessa (na verdade baratas são mais humanas que o Bush, mas para efeito de crônicas...)

o texto, Roberto, realmente poderia ficar na seção literatura. contudo, e esta foi minha real intenção, quis faalr de algo que aconteceu, e camuflar, ou seja, mudar a forma de dar uma dica. depois do texto pronto, fui checar e me lembrei que já havia uma dica do Juarez no guia (eu já tinha até lido, mas havia esquecido)

então se este texto fosse para um ...sei lá, jornal, seria uma forma de guia escrito de forma bacana e sincera.


acho meio chato quando a getne escreve no guia daqui como se nunca tivéssemos ido no local e sentido ou experimentado algo...


de qualqeur forma valeu a todos. o fato de não mudar não quer dizer que seja orgulho ou birra idiota. não tenho essas frescuras.


SILVASSA · Salvador, BA 25/1/2007 17:58
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Mariana Reis
 

Delícia de texto!

Mariana Reis · Olinda, PE 26/1/2007 11:45
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Barba
 

Descrição perfeita dos office-boys! Um grande amigo meu era um, quase um malandrão de BH, cheio dos contatos. Sempre conseguia umas mamatas e usava o que sobrava de troco do táxi (ele falsificava notas) e de tempo (ecomizado furando filas) pra jogar fliperama. : )

Texto excelente, mesmo.

Barba · Belo Horizonte, MG 28/1/2007 19:48
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