Renato Teixeira é o autor de muitos dos versos e populares da música popular brasileira como: “amanheceu, peguei a viola/ botei na sacola e fui viajarâ€. Ou mesmo: “sou caipira, pirapora/ Nossa Senhora de Aparecida/ ilumina a mina escura e funda/ o trem da minha vidaâ€. Mas, acima de tudo, Renato Teixeira é um artista comprometido com a cultura brasileira e que sabe muito bem o que quer. Compositor cuidadoso, em sua obra o descartável não tem vez. Nesta entrevista, ele fala um pouco sobre suas convicções em relação ao mercado fonográfico e de sua própria identidade cultural.
Elefante Bu - O que é o espÃrito do caipirismo Valeparaibano que você divulga e defende?
Renato Teixeira - As pessoas pensam que quando falo de cultura caipira, que isso é uma coisa matuta. Não é! Quando falo de Taubaté, estou me referindo a uma cultura que vem de Mazzaropi, (Monteiro) Lobato e Guimarães Rosa. Mas, na verdade, a minha música é folk inspirada em todo esse universo. O meu jeito de encarar a cultura caipira é diferente. Às vezes você a encara de um jeito mais banal, mais descartável como a dos sertanejos. A música folk é mais comprometida com valores, no meu caso, com a cultura caipira.
Elebu - Falando de sertanejos, este veÃculo tem um grande grupo de leitores que aprecia muito a sua música e a música chamada caipira ou de raiz, mas rejeita abertamente a sertaneja defendida pelas duplas, que na verdade fazem mais é música romântica do que outra coisa. Qual a sua posição em relação a esse sertanejo moderno e o que pensa dessa postura dos leitores do zine, no caso?
Renato - Acho até que é uma coisa meio óbvia no sentido que as duplas sertanejas fazem um tipo de jogada comercial/industrial das gravadoras. É nÃtida nessas obras a interferência de uma mentalidade gravadorÃstica, vamos dizer assim. Elas talvez tenham sido a última grande jogada da indústria do disco. Eu não sei como eles fazem ao certo, mas é um tal de "emenda daqui", "puxa dali", mistura com o country americano e une tudo isso com a explosão dos rodeios no Brasil. E elas assumiram isso aliadas com uma qualidade de produção dentro de uma roda de espetáculos. Você vê que os shows mudaram a partir delas. Pode até ver que o axé de hoje, com Ivete Sangalo e esse pessoal todo, está embargado numa coisa que começou com o Chitãozinho e Xororó. Tudo é "mega" agora. Isso interessa muito ao anunciante. Essa história de colocar 100 mil pessoas na frente do palco interessa à cerveja e ao telefone celular. Todo esse pessoal passou a ter apoio dos patrocinadores que, por sua vez, não tem compromisso com nada a não ser com o dinheiro. Isso faz parte do mercado e o trabalho delas está nessa base. Mas eu continuo dizendo: as minhas músicas são perenes. As delas, algumas. Posso não encher um estádio de futebol, mas Romaria toca há 30 anos e consegue transpassar gerações. Assim como outras canções, como Tocando em Frente, minha e do Almir (Sater). Tenho um público muito grande. Acho que o equÃvoco dos anunciantes está exatamente em achar que o público só quer pão e circo, só que dançar e pular. Hoje, toco em espaços abertos onde o pessoal vai lá para ouvir as músicas. Não existe mais aquela de só ir para dançar. E a música tem desses mistérios. O que acho mesmo é que cada um tem que fazer a sua parte e é da soma disso tudo que surge uma música brasileira poderosa que forma um dos melhores mercados de discos e de shows do mundo. É um mercado muito interessante e por isso existe a ploriferação de gênios, sempre aparecem coisas novas. Isso é sinal que a música está viva, que está fazendo o papel dela que é unir um idioma em torno de canções que todos conhecem. Claro que existem detalhes vis no percurso, mas eles não são importantes. Fundamental é que a música se movimenta. Ela está aà com toda força.
Elebu - Quando fiz a pesquisa para me preparar para este nosso papo, fiquei surpresa ao saber que, na verdade, a sua carreira começou ainda na década de 60 ou seja, bem antes do que imaginava. E que você testemunhou de muito perto, todos aqueles movimentos da época, dos festivais, Tropicália. Como foi essa época para você?
Renato - Eu cheguei em São Paulo no final de 1967. Já era um momento que a ditadura militar estava forte e havia muita coisa acontecendo. Mas eu era só um iniciante. Costumo dizer que fui um espectador privilegiado porque era amigo do pessoal e estava sempre junto. O que acontece em relação a mim, é que moro em São Paulo, não tenho nenhuma relação com o Rio de Janeiro, não participo do esquema de lá, mas também não participo do esquema dos sertanejos daqui, embora sejamos amigos. Na realidade, estou criando a minha própria tribo. Bom, já naquela época fui para um lado muito peculiar porque me inspirei na cultura caipira que, na cabeça de muita gente, é vista como uma arte menor. Eles nunca tiveram uma leitura generosa desta arte. Quando pensam em dupla caipira, vem logo a cabeça dois jecas cantando. Não pensam em Guimarães Rosa, em Tarsila do Amaral, em Lobato. Então, aquela época era uma coisa meio Rio de Janeiro, Zona Sul, bossa nova, turminha, "eu sou mais bonito que o outro". Eu fico é meio longe da fogueira e vou embora. Mas também não fico para trás. Na verdade, eu também dou alguma contribuição na música brasileira quando invisto nesses meus sonhos. Romaria, por exemplo, se você procurar vai encontrar coisas que podem até ter alguma coisa parecida. Mas ela tem um entendimento na concepção que inova. Não adianta você ser só compositor e fazer música. Você tem que pensar na música do seu paÃs, pensar nela como um todo. Eu nunca quis ser só mais um. Faço um trabalho que tem personalidade, e como conheço o assunto, talvez, de todos, eu era o único que o entendia já no final dos anos 60. No inÃcio dos anos 70 eu já tinha começado a trabalhar em cima do que é uma canção nova, contemporânea a partir da música da cultura caipira. A coisa chegou num ponto que a gente foi se inserindo meio que intuitivamente nesse universo folk onde habita o Bob Dylan, que canta coisas de seu paÃs com ataque, com uma memória cultural. É uma música que emociona que toca o coração, que faz você pensar e se divertir também. O folk é um gênero que tem um conceito universal, se você pensar bem. Teve uma hora que as pessoas perguntaram: você não é caipira, não é sertanejo, então o que você é? Eu sou folk.
*Entrevista foi publicada originalmente no zine Elefante Bu. Confira ela completa por lá.
Parabens pela entrevista que se transforma em homenagem a esse grande trovador-poeta-violeiro-cantador, um ser dez, que é Renato Teixeira.
graça grauna · Recife, PE 5/8/2008 06:26
Discordo! Discordo qdo dizem q as músicas de Renato é caipira. Se ser caipira é retratar matutos, violeiros banguelas, gente esfarrapada, com cigarro de palha na boca.... então.... Mas vejam a poesia, a estrutura a genialidade das notas musicais e retratando um povo todo indo até Aparecida, pagar promessas.... Isso é música Popular... q vem e vai p o povo, é do povo. É das gentes do lugar.... Renato canta o Vale do Paraiba, q conheço tao bem, pois trabalhei no Hotel Mazzaropi por mais de 5 anos! Conheço suas histórias, seu folclore e seus costumes. Existe neste pedaço de terra, o vale, uma atençao às artes, temos ali os bonequeiros, os titiriteiros, os artesãos q fazem bonecos de argila. Temos ali grandes violeiros, gente q trabalhou nos filmes de Mazzaropi.... Naquele Vale pulsa a vida e Renato posicionou-se muito bem, ele é Folc de Folk (c) lore q descreve, q narra a saga, a epopeia de um povo.
Obrigado a vcs por trazerem esta entrevista em tao boa hora! e Pra frente, q o lugar do Elefante Bu. Aplausos! Bravo!
Pois então Nic. O próprio Renato na entrevista defende o chamado "caipismo", o que ele ressalta é justamente a falta de visão e até mesmo a própria ignorância das pessoas em relação a isso. Que o caipira é muito mais que uma dupla Jeca. Na entrevista, eu fiquei bem impressionada com a firmeza e a paixão com que o Renato Teixeira defende o seu ponto de vista, suas convicções. Essas que se refletem numa música primorosa, de muita pesquisa. Eu fiquei muito feliz em ter feito essa entrevista com ele e, de certa forma, acho que o Renato também, que - pelo menos foi o que ele me disse após o nosso papo - foi uma oportunidade para esclarecer algumas coisas.
Elefante Bu · BrasÃlia, DF 7/8/2008 13:30
Parabens pela matéria a este Cantador Ãmpar Renato Teixeira
Pois afinal, “sou caipira, pirapora/ Nossa Senhora de Aparecida/ ilumina a mina escura e funda/ o trem da minha vida..."
Faz tempo que gosto de ouvir o Renato Teixeira, um grande poeta e músico. Gostei muito da entrevista. Acho que o Renato é um imortal da nossa música, acho também que ele ainda não foi reconhecido pela importância que tem em nosso contexto.Ele se declara um artista folk, ele é folk, pop, super, o que ele quizer!
Grande Renato!
excelente entrevista com renato teixeira, grande poeta, deixou marcas na nossa cultura que jamais serão esquecidas . grande influência em mim como músico, e como pessoa !
gosto dele e do almir sater por terem construÃdo a nossa própria cultura folk, que muito bem ressaltado no comentário acima, é apenas mais um nome para música folclórica . as crendices, os costumes, o que é passado de geração à geração, a música folk tem como papel ressaltar tudo aquilo que um povo traz de marcante, a memória coletiva .
gostei da parte da entrevista que ele se diz 'inspirado na cultura caipira que, na cabeça de muita gente, é vista como uma arte menor' . o sertanejo de duplas comprado pelas marcas e pelos festivais não traça nem um quinto da profundidade da verdadeira cultura sertaneja que deveria conter nas suas letras, e na minha vista é uma puta vergonha pro paÃs, que não sabe beber dessa fonte . trabalho cada vez mais em pesquisas pessoais pra poder trazer o melhor dessa cultura e poder apresentá-la de uma forma atraente à qualquer brasileiro . devemos ter orgulho de nossas culturas, de todas as milhares que carregamos .
enfim, seja caipira, folk, sertanejo . chame do que quiser, ele faz muito bem ! abraços .
O renato é tão fundamental quanto caetano, gil, djavan, fagner... só que não tem o reconhecimento da elite 'selvagem' e dos crÃticos mÃopes... só que o povo não é besta e sabe o que é 'bão'! A questão passa muito pelas máfias musicais. É bom lembrar que antes havia uma Elis Regina, que realmente tinha ouvido para os novos compositores... e que renato tem sotaque de caipira, aquele charmoso erre arrrdido... renato já me disse em uma entrevista que a cultura brasileira só atingirá seu ápice quando o litoral encontrar o interior. Um sonho?
Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS 9/8/2008 03:17Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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