Reposta a Estelionato Musical de José Cycero

James Brown
James Brown - Funky President
1
Nelson Maca · Salvador, BA
14/4/2009 · 90 · 8
 

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Complexo de Cururu ou Desafinando o Coro dos Contentes

De tanto receber, no meu e-mail, comentários sobre o texto “Estelionato musical, nossa cultura em pleno caos†de José Cycero, resolvi postar as considerações abaixo.

Primeiro, porque discordo de quase tudo o que o texto diz, ou, para ser mais político, vejo as coisas por outros ângulos. Digamos que eu pense que o caos nos define melhor e com mais flexibilidade que a ordem. Ou que, mesmo diante da exatidão de Apolo-cristalizado, eu opto por Exu-movimento.

Segundo, porque o canto geral dos comentários está tão forte e operístico que resolvi ecoar um coaxar tímido de sapo cururu que deixei lá, nos comentários, transido de frio e invisível como aquele sapinho que fecha despretensioso o poema "Os Sapos" de Manuel Bandeira.

Enfim, desvairado que sou, vou tentar, também, desafinar o coro dos contentes!

Diz o texto:
Entre muitos atributos, o Brasil é conhecido lá fora pela riqueza da sua historiografia musical.

Digo eu:
Quem faz mais sucesso lá fora ontem e hoje? Nunca me esqueço do sucesso na América daquela baiana mutante chamada Carmem Miranda. Da fama estrondosa na França do grupo Carrapicho. Hoje: Ivete Sangalo é a tal. Também serve como paradigma do gosto dos estrangeiros pela nossa música a “Bossa-Jazz-Nova†no passado recente, e de Carlinhos Brown hoje. Mas quem é, realmente, popular, faz grandes shows e vende seus trabalhos para públicos autóctones? Parece que Carlinhos Brown e João Gilberto conseguem isso, bem como Tom Jobim no passado, mas a maioria canta e vende para pequenas platéias de brasileiros, quase sempre movidos mais pela reunão de brasucas no exílio do que pela apreciação musical.

Diz o texto:
Há, por assim dizer, um claro e vergonhoso estado de calamidade a se abater por sobre a nossa música popular, notadamente a de raiz.

Digo eu:
De Raiz? Que Raiz: indígena, negra, luzitana, italiana...? Lembro-me do romance "Triste fim de Policarpo Quaresma" de Lima Bareto quando o herói xenófobo, aprendiz de violão e modinha, descobre que o “Tangolomangoâ€, tido como manifestação “de Raiz†folclórica brasileira, era, na verdade, uma herança estrangeira. Gostaria, inclusive, de lembrar que a expressão “de raizâ€, que tanto agrada aqueles que cultuam a “originalidade nativaâ€, desde muito antes, é usada “lá fora†para a própria cultura deles: the roots!

Diz o texto:
Aquela que, por sinal, mais nos identificava com a nossa cultura cotidiana, a história e outras manifestações significativas do imaginário poético, folclórico e do nosso cancioneiro popular.

Digo eu:
O Cordel veio da Península Ibérica. O Samba é a fusão em síntese de uma centena de ritmos e estilos que vem da modinha e passa pelo lundu, pela polca, maxixe e chega, inclsusive, ao Jazz, ao Rock e ao Funk-Soul. Lembro-me de outro esritor brasileiro que problematizou isso: Machado de Assis - no conto "Um homem célebre". E no mesmo Policarpo Quaresma é tratado o incômodo que era o nascimento do samba para os puristas. Vide a vida, a obra e os conflitos etno-musicais do personagem Ricardo Coração dos Outros, representação melhorada na simpatia de Catulo da Paixão Cearense.

Diz o texto:
A crise de talento e de idéias também "infecciona" diversos outros estratos do fazer cultural brasileiro, sobretudo pela inexistência de uma política de governo mais agressiva, menos excludente e que também priorize o ambienta da escola, as periferias e o interior do país.

Digo eu:
Olha, pois justamente as periferias vêm dando respostas políticas, estéticas e culturais. "Ademais" pergunto: quando houve na história do Brasil uma política cultural como a que está sendo cobrada nas linhas acima, para se afirmar que a cultura está em decadência em função da decadência das políticas culturais públicas? Quando foi este saudoso pico musical? O passado não pode virar mito num discurso que se quer histórico.

Diz o texto:
É preciso conter todo este processo de substituição sistemática das nossas expressividades culturais. Como está sendo, por uma cultura alienígena, que não é nossa. Descomprometida com o belo e padronizada ante um modismo imbecil que só idiotiza nossa gente, especialmente a nossa bela juventude.

Digo eu:
Substituição? Cultura alienígena? Belo? Padronizada? Modismo imbecil? Juventude idiotizada? Nossa, quantos juízos de valor!! Parece existir um Supremo Tribunal da Boa Cultura Nacional. O que é isso, companheiro? A cultura é dinâmica e, essencialmente, movimentada pela juventude e impulsionada pelas expressividades divergentes. Cem anos atrás, Oswald de Andrade matou a cobra com a Antropofagia e mostrou o Pau-Brasil. Chegava ao país o apelo à observância das potencialidades estéticas e políticas das manfestações dos "Feios" - africanos e indígenas inclusive e iclluídos. Não dá para conceber esses cem anos de solidão e atraso com relação à compreensão crítica das trocas simbólicas que se dão na cultura, e que tomou conta das vanguardas todas do início do século passado. Isso... para ficar somente na matriz eruopéia com qual dialoga o texto que comento. Não dá para aceitar a cultura encarcerada no curral enganoso da nacionalidade pura e da beleza cartesiana. A cultura não tem fronteiras, mas escolhas, ambientações, posicionamentos. O que a cultura artística, especificamente, tem de mais sedutor, principalmente aos jovens, é sua liberdade de escolha: transgressividade ou conservadorismo, cabe ao artista escolher o caminho. E cabe também ao pensador e ao crítico da cultura elegerem a matéria de sua plataforma de lançamentos. Seus paradigamas. Como a liberdade habita estradas e caminhos diversos, nem toda divergência é alienação como faz crer o texto "Estelionato Musical". Assim como nem tudo é Vaguarda. Linguagem é também percursos: retas, curvas, bifurcações e cruzamentos. Às vezes, rótulas e retornos!

Diz o texto:
Vivemos, assim, uma realidade digna de envergonhar qualquer nação do globo que preze de verdade a sua identidade... Cuidar bem da cultura é cuidar com carinho do presente e do futuro. Uma nação que não valoriza e nem preserva a sua cultura não tem nenhuma perspectiva de futuro grandioso.

Digo eu:
Eu nunca me senti envergonhado pela cultura brasileira. Mesmo porque não penso que ela exista assim: inteira e única! Assim como não acredito que alguém se sinta envergonhado por sua cultura - seja qual for. Isso é simplesmente "modo de falar", de tentar persuadir, pois se existem as culturas de massa, com seus valores e procedimentos, há necessariamente uma “população†atenta que a constrói, pratica, preserva, tansforma e se orgulha dela e de suas variações. Podemos até nos auto-excluir de contextos culturais, mas não temos o poder de excluí-los do mundo e de suas verdades íntimas. Por que estaria a verdade da boa cultura, entre aspas, nas percepções “intelectualizadas"? Por que sempre 10 se acham mais que 10 vezes 10 milhões? Que preservação há na cultura “tradicional†norte-americana? Será que existe cultura tradicional, de raiz, norte-americana? E eles não tiveram e não tem perspectivas de futuro? O que a França emana de influência musical para o mundo? E a China? E o Irã?

Diz o texto:
Qualquer estrangeiro que vier ao Brasil logo pensará que a nossa música é essa que toca no rádio, nos domicílios, nos clubes, nas praças e na TV. Quase tudo o que se ouve, se curte e dança pelo país afora, no momento atual constitui-se num lixo, para não dizer outro nome. Qualquer coisa, menos música... Coisa do tipo: pagode rasteiro, sertanejo choradeira e algo ainda pior – uma praga a se espalhar pelo Nordeste inteiro e por quase todos os quadrantes do Brasil: o forró descartável, descaracterizado, que de forró mesmo não tem nada. Uma poluição mental que só no futuro poderemos aquilatar todo o seu poder deletério e destrutível.

Digo eu:
Precisa comentar? Vou falar apenas do “estrangeiroâ€, pois acho estranho um texto tão ancorado na pretensão da verdade real brasileira se preocupar com o que o estrangeiro vai achar? "Tudo lixo"! Para não dizer merda, não é? Reggae, Rock, Rap e R&B - por serem estrangeiro. Pagode, Sertanejo, e Forró Descartável - por serem excessivamente “popularesâ€. Sobra o quê, Tom Zé? E viva a MPB clássica, a Música Instrumental clássica, o Forró clássico, a Música Regional clássica... Help, Genival! Diz GOG: Beatles, algo fenomenal; mas, nas quebradas do Brasil, o Mestre é James Brown.

Diz o texto:
A pobreza é tanta que os próprios nomes destas "bandas" pecam mortalmente até na formulação dos seus títulos. Mais um atentado à gramática, à língua portuguesa, às idéias, à poesia, enfim, ao bom trato dos vocábulos poéticos.

Digo eu:
Pecam? Atentado? Qual o problema nos títulos das bandas se eles querem procurar por algo jocoso ou não, ou mesmo afirmar a língua de sua aldeia? Muito Pasquale, pouco Bagno! Falar em atentado à língua é nos fazer voltar ao Parnasianismo, um atraso de mais de cem anos, quando só se poetava bem se se usasse bem o português padrão luso e os tratados de metrificação. Gostaria de lembrar que José de Alencar causava polêmicas com suas inovações lingüísticas; que, historicamente, Lima Barreto foi menosprezado por utilzar o código popular em sua literatura. Poxa, vamos ser justos: e Luis Gonzaga, Gordurinha, Jackson do Pandeiro, Adoniran Barbosa? Não são também desta tradição fantástica, "deslinguada" em sua divergência verbal?

Diz o texto:
O povo não tem culpa da educação que não recebe. O povo só pode gostar daquilo que conhece e lhe é oferecido. E o que estão fazendo com nossa gente é uma verdadeira lavagem cerebral. Por que será que os europeus, os alemães, por exemplo, adoram tanto a música erudita? Ora, simples. Lá, a música começa como uma disciplina escolar. As emissoras (de rádio e TV) primam pela qualidade, do contrário perdem a audiência e até a concessão pública para operar.

Digo eu:
Então tá, chegamos às mesmas três velhas conclusões “novasâ€: o povo não tem vontade própria e poder de discernimento entre o “bom†e o “ruimâ€; os europeus, os alemães por exemplo, gostam da boa música: que é a erudita; o bom gosto da boa cultura se aprende nas escolas e nas estações de rádio que segue os padrão cultural A. Resumindo: a responsabilidade é do governo. Sem a escola jamais teremos um Cartola ou um Pixinuinha por exemplo - estes gênios alemães.

Diz o texto:
Convenhamos: aqui no Brasil, se querem continuar nos oferecendo o que não presta, pelo menos permitam que as pessoas possam também ter o direito de experimentar o outro lado da moeda (ou do disco?) – ou seja, a música de qualidade e de raiz. Não deixem que a nossa fantástica MPB morra pela nossa passividade e indiferença.

Digo eu:
O lado B, oculto no momento, mas sinônimo de Bom, está aí: â€a música de qualidade e de raizâ€. O lado A, inversão danosa, está generalizado: “o que não prestaâ€. Reflito, então, com uma máxima do Roberto Carlos: tudo que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda!

Diz o texto:
Presumo que até Deus seja também uma energia que habita igualmente a musicalidade...
Viva a MPB! Abaixo o estelionato musical.

Amém!
Com Deus não se discute!
Só não vamos fazer igual aquele personagem de "O Cortiço" de Aluisio Azevedo que morreu no incêndio, o parasita Libório. Estavam no Século XIX! Apesar de comer restos e habitar dejetos, o avarento deixou uma garrafa cheia de dinheiro: metade uma verdadeira fortuna em papel atual que caiu nas mãos do crápula João Romão; a outra, dinheiro velho, papel vencido, já sem validade.

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Cintia Thome
 

BOA ANÃLISE. PERFEITA.AB

Cintia Thome · São Paulo, SP 13/4/2009 10:29
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Krista K
 

Ue? Parece que o Theodor Adorno voltou do além, hehe. E o Sr. Cycero se acha mais confortável no mundo fofo da MPB - a expressão "raiz" da classe média. Mas o mesmo Sr. esquece que a MPB pega muitos elementos das tradições anteriormente desprezadas do mesmo jeito q o Cycero está fazendo agora. Então é o toque da classe média que legitimiza a MPB?

Valeu pela crítica Nelson. As massas "burras" são mais espertas e criativas que esses elitistas culturais acham. Já falaram mal do samba, já falaram mal de jovem guarda, já falaram mal de soul brasileiro, já falaram (e ainda estão falando) mal de hip hop, funk, tecnobrega e tantas outras expressões culturais. Mas a multitude das expressões musicais no Brasil continua vibrando e dando voz àqueles que querem falar....do jeito que poderem e quiserem. E não vai ser nenhum poder elitista calando a opção dos artistas falarem (e cantarem) do jeito que acharem certo.

Concordo que seria bom ter educação musical nas escolas. Mas não acho que essa educação deveria ser apenas uma forma de indoctrinar a juventude nos jeitos Europeus e da classe média. As noções do que é música boa, o que é talento, como é que a música comove e comunica são diversas. A MPB não é o único jeito de fazer música; e não deve ser a norma restritiva para aqueles que tiverem uma criatividade diferente.

Salve a livre expressão artística e o respeito pelos artistas que fazem de música uma forma de expressar o próprio mundo, a própria cultura, e a própria identidade única, qualquer que seja!

Krista K · Salvador, BA 14/4/2009 04:13
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Makely Ka
 

Salve Nelson Maca! Achei que eu era o único a discordar do Secretário de Cultura de Aurora. Agora é que fui conferir o seu comentário desafinando o coro dos contentes perdido entre tantos elogios desbragados. Fico um pouco mais aliviado!
Forte abraço

Makely Ka · Belo Horizonte, MG 14/4/2009 15:11
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eduardo ferreira
 

nelson, leva o secretário de cultura na maca, que ele se contundiu.
macacas me mordam!
lúcido, nélson.

eduardo ferreira · Cuiabá, MT 14/4/2009 18:42
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Daniel Sinis
 

é .. preconceito contra preconceito ..
humano, normal, às vezes saudável ..
pra MIM, nem tú nem o tatú estão certos ..
mas que a música brasileira é diversa e deve ser respeitada e apreciada em todos os seus aspectos, isso é uma verdade ..
não defendo nem tú nem o tatú ..
aprecio o que me agrada .. rejeito o que me doi o ouvido, seja do sertão do ariró ou da academia holandesa .. tanto faz, desde que mexa com meus sentimentos musicais ..
sacou? ..
abraços ..
. . .

Daniel Sinis · Angra dos Reis, RJ 14/4/2009 19:22
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Daniel Sinis
 

um adendo ..
fico triste quando jovenzinhos rockeirinhos preconceituam o funk, o forró, o pagode, a música dita "eletrônica" e etc ..
frequento muitos meios musicais e os ditos acima não são meus favoritos, mas os respeito como formas culturais e dou o devido valor, Às vezes até apreciando suas sutilezas rítmicas e suas riquezas subentendidas ..
manifesto válido de sua parte .. votado ..
mas não nos entreguemos a picuinhas ..
afinal, são só palavras que não mudarão o mundo em nada ..
amém ..
. . .

Daniel Sinis · Angra dos Reis, RJ 14/4/2009 19:29
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Rica P
 

Credo, que texto péssimo. Inda bem que já vim a conhecê-lo com tuas respostas!

Rica P · São Paulo, SP 16/4/2009 15:22
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luiza pires
 

concordo com o parceiro Daniel, num país cheio de misturas - o que nos faz multicoloridos, multicriativos, entre tantas coisas - vamos ser realistas, o que na verdade é LIXO é o PRECONCEITO! e devemos nos desprender ao máximo de todo e qualquer preconceito,Viva a Cultura Multiforme Popular Brasileira!

luiza pires · Volta Redonda, RJ 17/4/2009 02:24
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