Há uns seis ou sete anos, estive lá no morro da Pedreira, em Acari, para entrevistar o Zé Calixto, um sanfoneiro que dividiria a programação de uma série de shows no CCBB dedicado ao instrumento com Hermeto Pascoal, Sivuca e outros. Lembro com carinho da visita e da conversa. Fui recebida com um sorriso e um almoço caseiro delicioso feito pela dona Ritinha, mulher dele.
Bom, essa introdução foi só para mostrar que Zé Calixto foi um personagem que me marcou, menos pelo almoço do que pela prosa, é claro, apesar de ambos os aspectos da recepção demonstrarem uma simplicidade estimulante. Simplicidade que não tem nada a ver com modéstia exacerbada, como pude constatar nesta nova conversa, motivada pelo lançamento de seu disco "Zé Calixto, poeta da sanfona" (ouça uma das faixas aà do lado). Nascido em Campina Grande e morando há quase 50 anos no Rio (dos 72 de vida), o paraibano adota o estilo-Pelé ao falar de si sempre na terceira pessoa e tem o nome gravado em letras garrafais na sanfona que mais usa em shows.
São formas legÃtimas de reforçar a identidade e a importância de seu trabalho, em tempos de variações que, na opinião dele, são perigosas para o forró. "Tem uns anos que a coisa está complicada, a cena foi invadida por bandas do Ceará que não fazem forró autêntico. Já tinha antes, era bronca de vários companheiros que já se foram, como o Gonzagão e mais recentemente a Marinês e o Sivuca. Enquanto isso Zé Calixto está cada vez mais velho, toca cada vez menos, mas tá aqui dando entrevistas e tocando o que acredita", diz ele.
De fato, no tempo que separa nossas duas conversas aconteceu bastante coisa. Dois AVCs, há cerca de cinco anos, fizeram a memória passar a pregar umas peças e, conseqüentemente, o sanfoneiro diminuir o ritmo de shows. Felizmente, pôde voltar à ativa pouco depois, lançando até um disco faz uns dois anos (o variado "Misturando os ritmos", em que toca até bolero). Mas era um trabalho independente, sem distribuição, que chegou mais ao público que freqüenta seus shows e à Feira de São Cristóvão – lugar que, apesar de ser o "quartel-general dos nordestinos", em sua definição, ele freqüenta pouco como músico. "Só toquei lá umas duas vezes, eles não querem pagar o justo, só triozinho", lamenta.
Ainda assim, a vida vai bem, mesmo depois do susto da doença. O disco novo, que sai dentro do Programa Petrobras Cultural, tem participação de grandes músicos e amigos, como Dominguinhos, o flautista Marcelo Bernardes e o violinista francês figurinha-fácil-da-Lapa Nicolas Krassik. Gente de todas as gerações e origens, bem de acordo com o nome escolhido para produzir o disco: o jovem sanfoneiro Guilherme Maravilhas, o Mará do Forróçacana. Perguntado sobre a opção por este produtor, ele dá uma resposta sincera. "Temos que unir o útil ao agradável. Papai do céu quer que a gente seja humilde. Zé Calixto gosta de uma grande amizade. Se dá bem com o pessoal dos novos grupos e mesmo com o pessoal dos grupos do Ceará", diz, para deixar claro que as diferenças estéticas não interferem nas relações pessoais.
Ontem (terça, dia 27), no show de lançamento aqui no Rio, fez miséria e teve toda a estrutura que preza. A idade e a experiência fazem com que não abra mão do que considera padrão de qualidade. "Não trabalho com trio, é muito pouco, até porque não canto. Gosto de manter um violonista sete cordas, um cavaquinista, zabumbeiro, pandeirista." Sem que ouça dona Ritinha, sua esposa, ele até assume que um dia gostaria de voltar de vez para o Nordeste. Mas sabe que não tem condições, pela ligação sentimental com quatro filhos e nove netos nascidos e criados em solo carioca.
Dá a entrevista ao mesmo tempo em que acaba os preparativos da viagem para a temporada nordestina que inclui as cidades de Caruaru, João Pessoa, Recife e sua Campina Grande natal. E ela não é motivada só pelo novo álbum. "Com disco ou sem disco, vou todo ano tocar nas festas juninas de lá".
Festas juninas que, como sabemos, não tem igual por aqui "embaixo", na opinião dele por falta de bons músicos. "Teve uma época em que muitos músicos nordestinos bons vieram morar aqui, mas hoje os melhores estão lá. Hoje conto nos dedos os artistas que fariam uma festa junina arretada morando no Rio de Janeiro". Com todo o respeito que nutre pelos músicos daqui, ele observa que uma certa febre de "trios pé-de-serra" criou uma falsa imagem do que seria o forró autêntico. "Vejo muitos trios que não inovam, mas também não tocam o forró original".
Zé é de uma geração de sanfoneiros que toca de tudo. Turma que começou no rádio e encontrou um espaço na noite e outro nas gravadoras. Foi assim que consolidou seu lugar no Rio, gravando pela primeira vez na Phillips no ano em que chegou, 1959, e mantendo uma respeitosa estrada de 26 álbuns. Tocou muito pelo Brasil, inclusive com o compadre Luiz Gonzaga, que batizou sua filha Neide. Quando a situação apertava, dispunha-se a realizar outras tarefas. "Trabalhei um pouco com outras coisas, aprendi a emboçar uma parece, botar fechadura embutida, cortar um cabelo, afinar sanfonas", enumera. Esta última função, aliás, está cada vez mais rara, a não ser nos dois ou três instrumentos que mantém em casa. "Ainda afino algumas, mas lamentavelmente o oito baixos é um instrumento em extinção. Vejo pouca gente aprendendo, há poucos professores, mesmo no Nordeste. Preferem o acordeon, porque é mais fácil." E resume: "O instrumentista da sanfona de oito baixos em geral não é escolarizado, não aprendeu a ler partitura. É o meu caso. Mas se tiver um rádio ligado consigo identificar na hora qual é o tom!"
Assim como Luiz deve respeitar Januário, como diz a letra do forró, por aqui o recado está dado: vamos respeitar - e ouvir - os oito baixos do Zé Calixto!
Helena, helena, helena - Me lembrei até mesmo da musica de Luis, para a mulher Helena.
- Estava postando, uma materia - para desanuviar fui dar uma olhada no blog. E, parei entre o encantamento da tua forma de escrever e o objeto da escrita - Zé Calixto: Uma dos capÃtulos da História da Cultura popular no Brasil
beijos
andre.
Que bom conhecer esse "poeta da sanfona" como você bem falou no seu texto muito bem escrito! Assim como ele, também estou indignada com essas "bandas de sei lá o quê" que são geradas, principalmente aqui no meu Estado. Se dizem "bandas de forró" mas dá vergonha até ouvir o que sai delas na mÃdia, que, infelizmente, dá muito espaço para elas, e pouca oportunidade para artistas de verdade como Zé Calixto e vários outros que eu já conheço. Parabéns pela matéria.
JACK CORREIA · Crato, CE 30/5/2008 15:44
Parabéns...
plac...plac...plac...
Respeito é bom e quem merece gosta !
Aproveitei para ouvir a faixa que não tinha ouvido e quebrar o lacre do secreto
andre
maravilha, helenÃssima!
e que honra ilustrar este belo texto :))
beijos ao som da sanfona do zé
Eu que te agradeço por tão belas fotos! :)
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 2/6/2008 12:01Maravilha de texto que me fez lembrar os bailes na regiao. Aqui tinha "baile " iluminado a luz do candieiro, la na casa do Joao da Herminia. A sala lotava de gente, o sanfoneiro tocava sem parar, as vezes cochilava, ia parando, alguem dava uma cutucada nele pra acordar e continuar tocando...As vezes dava um vento, a luz do candieiero apagava, e o "baile" continuava quente...Alguem falava pro Joao parar o baile e ele dizia: Nois tudo e` uma fami'lia so', ta tudo em casa... Parabens pela homenagem e lembrancas...abracos
victorvapf · Belo Horizonte, MG 2/6/2008 21:53Nossa, que delicia! Festa de interior.Me faz reviver minha Santa Cruz.
Fatima Paraguassu/Santa Cruz de Goiás · Santa Cruz de Goiás, GO 2/6/2008 22:56
Helena que belo! Será que o Ze Calixto nao quer vir apresentar no Memorial Serra da Mesa?
Belo texto menina!
bjs
sinvaline
Helena,
quase sem querer aportei no seu texto e, não me surpreendeu, está perfeito como os anteriores a que tive acesso. Objetivo, claro e informativo - na medida exata exigida pelo bom jornalismo -, com estilo próprio e delicioso de se ler. O talentoso Zé Calixto - de cima dos seus oito baixos - deve estar orgulhoso com esse justo reconhecimento feito igualmente por uma virtuose das letras como você. Belo texto. Parabéns mais uma vez.
Beijos
Helena,
aportei neste seu texto quase por acaso, pois ando afastado do Over, mas não me surpreendi com a beleza e a qualidade. A exemplo dos anteriores a que tive o prazer de ler, este também é objetivo, claro e informativo - na medida exata exigida pelo bom jornalismo. O talentoso Zé Calixto - de cima dos seus oito baixos e 72 anos - deve estar orgulhoso com essa homenagem feita, igualmente, por uma virtuose do texto como você e que, como ninguém, sempre empresta talento e beleza a cada linha que escreve. Um talento que me fez repetir - como o maior prazer - o comentário que acabei de perder, para não deixar de lhe expressar o quanto me alegra ler matérias tão bem escritas como as suas. Mais uma vez, parabéns.
Bjs.
Helena, desculpe-me.
Não sei o que aconteceu, o comentário que fiz inicialmente e que havia sumido quando enviei agora apareceu! Bem, ficam os dois.
Bjs.
Gente, muito obrigada pelos comentários tão carinhosos e animadores. Nivaldo, obrigada por sua leitura sempre atenta. Espero em breve escrever outro texto sobre sanfona, tomara que ainda neste mês das festas de São João. Aliás, vocês privilegiados que moram em cidades onde as festas juninas bombam, por favor, contem por aqui pra gente morrer de inveja! :)
Grande abraço a todos.
eu passei hoje pela pedreira e pela lagartija e fiquei pensando na ocupação do subúrbio e na formação das favelas, dois fenômenos intimamente ligados a migração (forçada ou não) de africanos e nordestinos.
por um instante me senti muito privilegiado em caminhar por um terreno culturalmente tão rico.
tive a sorte de crescer pulando fogueira e ouvindo os batuques de atabaque, tudo junto e misturado. temperado pela diversidade e preparado pelo que há de bom na falta do planejamento urbano. viva o acidente!
ps: e eu que sempre achei que sanfone e acordeon eram nomes diferentes pra mesma coisa...
Helena.. parabéns.. vc captou bem no seu texto a simplicicdade e a genialidade do grande Zé Calixto.. ele já tocou aqui na casa dos meus pais, mas infelizmente eu ainda estava em Recife.. dizem atpe que as mangueiras se balançaram ao som de seus 8 baixos..
O cara é muito bom mesmo e respeitado no meio.. parabéns pelo texto.. aprovado e votado..
Abraço
PS> Sabes onde conseguir o CD ?
Valeu, João e Thiago!
Thiago, imagino que seja vendido em lojas, mas de qualquer modo aqui vai o site da Agência Baluarte, que produziu a coisa toda. Abraços!
Putz... excelente artigo!
O grande barato é o jeito quase apoteótico com que você descreve o artista, imaginei seus olhos iluminados conversando com o 'hômi'. =)
Mantenha o ritmo, moçoila. Beijo!
*Até coloquei aqui pra tocar "Numa Sala de Reboco". Danço nada, mas adoro forró...hehe
Só agora vi esse texto e me enchi da emoção de poder trabalhar com essa pessoa magnÃfica que é seu Zé! Helena, parabéns pelo texto, está um "luxo"!
Paula Brandão | Baluarte Agência · Rio de Janeiro, RJ 11/2/2009 08:38Só agora pude ler. O texto é uma beleza, tal qual quem o produziu: linda, fofa, maravilhosa!
Zé Preá · Recife, PE 7/6/2009 22:08Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!