- E o senhor tá feliz, seu Zé?
- Como é que não tô? Tô satisfeito. Não careço de nada mais do que isso, não!
Depois de assistir ao Balandê Baião cercado pela gente da sua terra, na praça principal da cidade, com flashes pipocando por todos os lados, o personagem principal do filme, Luís Pereira de Andrade, o mestre Zé Coelho, 86 anos (perdão, errei a idade dele aqui), era a imagem da alegria.
Conversou, tirou fotos, cantou, dançou e falou um pouco de sua vida pro Overmundo.
Contou sobre as viagens que fez para divulgar o filme, junto com o amigo Antônio Noronha (o diretor). “Doutor Antóin Filho não deixa faltar nada. Até ‘caché’ ele arruma pra mim quando eu tô doente, cuida de mim. Só me zanguei porque não botaram meu fumo na mala, fiquei doidin querendo e não tinha. Mas mesmo assim foi bom. Dancei até pro Gilberto Gil, imagine eu dançando prum homem daquele”, comentou.
Para quem nasceu e se criou em Monsenhor Gil, pequena cidade no interior do Piauí, estar em um filme, se ver na tela contando sua própria história e revelar ao mundo uma dança que tinha como destino ser esquecida dentro de pouco tempo é uma experiência única. O mestre Zé Coelho acha tudo uma grande vantagem. “E não é vantagem, moça? Eu tô no mundo inteiro agora. E eu sou um ‘véi’ que não tem nem leitura. Minha leitura é só cantar, dançar, tocar meu ‘cafanhoto’. Esse filme aí é a melhor coisa que o doutor Antóin Filho fez pra mim, foi melhor do que me dar uma fazenda de gado”.
O ‘cafanhoto’ é uma espécie de castanhola mais comprida, parecida com um gafanhoto, que ganha vida nas mãos do mestre do balandê. É preciso agilidade e muita coordenação motora para tocar o tal instrumento, além de disposição, porque a dança é longa e o ritmo é ditado por ele. Lá em Monsenhor Gil muitos meninos já se arriscam a tocar, sob os olhares do Mestre Zé Coelho, que proclama orgulhoso: “Tem que ter jeito, menino. Me dá aqui que eu mostro”. E toca. Logo um monte de meninos ficam arrodeando e começa a cantoria. Bonito demais de ver.
Ele conta a história do ‘cafanhoto’: “Esse ‘cafanhoto’ quem me mostrou foi um tio meu, o tio Chico Cosmo, que já morreu. Ele comprou não sei de quem por ‘três tões’. Me vendeu por um cruzado aí eu não quis mais largar. Pro som ficar bonito, o ‘cafanhoto’ tem que ser feito de pau d’arco, aroeira ou pau roxo. Se for de outra madeira não presta”, sentencia.
“Eu inventei essa dança”
A história do balandê, segundo Zé Coelho, foi iniciada por ele, quando era bem moço ainda. “Quando chegava o mês de maio, a gente rezava o mês todinho pra Maria. Todo dia na boca da noite a gente rezava e depois ficava todo mundo reunido no terreiro, aí eu inventei a dança e tomei de conta. Fui inventando e aprendendo. Depois os outros começaram a dançar também e era uma brincadeira bonita”.
Muitas das senhoras que dançaram o balandê depois da exibição do filme pelo projeto Revelando os Brasis em Monsenhor Gil assistiram, ainda crianças, aos primeiros passos do mestre, hoje a figura mais famosa da cidade.
“Deus num vende salvação”
Mestre Zé Coelho se separou da mulher com quem teve seis filhos porque ela resolveu ser evangélica. A esposa começou a implicar com as danças, com as festas, com o jeito de bon vivant da roça que o povo de Monsenhor Gil diz que ele sempre teve. Aí não teve jeito.
Ele revela que nenhum dos filhos quis seguir o caminho do balandê-baião, para impedir que a dança fosse esquecida depois de sua morte. “São tudo crente igual a mãe deles. Eu não gosto não. Não gosto dessa história de pastor querer que a gente tire comida da boca dos filhos pra dar pra eles. Falam como se Deus vendesse a salvação, e isso não tá certo, não. Deus num vende salvação, inda mais em porta de igreja. Eu já acho errado o crente dizer que tem que ‘entrar pra crença’ pra se salvar...quer dizer que só vai pra lá ficar com eles quem tava perdido?”, questiona, acrescentando que conhece muito “crente que se perde por falar da vida alheia o dia todinho”.
Morando com uma filha e um genro (“não é casado com ela não, é só amigado. Mas é um homem bom, melhor do que se fosse casado”, comenta, rindo), Zé Coelho diz que não sabe quantos netos e bisnetos já tem. Sabe que são muitos. Queria que algum deles se interessasse pelo balandê. “Mas não querem não. Eu nem chamo mais”, lamenta.
“Tem nada, não, seu Zé. Tem muita gente que quer. Esses meninos que estão aprendendo com o senhor a tocar gafanhoto vão eternizar o balandê-baião. Eles têm muita energia”, eu disse.
“Rum, tem nada. Pra me acompanhar o caba tem que ter junta no mêi da canela”, finalizou. E foi dançar.
Este texto também faz parte da parceria do Overmundo com o projeto Revelando os Brasis, do Instituto Marlin Azul (ES), que tem o apoio da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura e passou dois meses viajando pelo país, exibindo filmes produzidos por moradores de pequenas cidades do interior do Brasil.
Em Monsenhor Gil e Teresina foram exibidos “Balandê/Baião”, de Antônio Noronha; Tropeiros (PE), de Artur Gomes dos Santos; Pipa, Praia em Poesia (RN), de Mary Land de Brito Silva; Esperança (CE), de José Welliton Moraes e Uma Pescadora Rara no Litoral do Ceará (CE), de Sidnéia Luzia.
O Overmundo acompanhou as exibições em vários Estados, leia mais nos textos com a tag revelando-os-brasis.
Porra, Natacha, fiquei vidrado na figura e principalmente na dança do mestre Zé Coelho. Em Fortaleza, o vídeo dele foi um dos mais aplaudidos. A meu lado, durante a exibição do circuito, tinha um senhor já "entrado em anos" que arreganhava a boca toda vez que via Zé Coelho sassaricar no terreiro. Dizia que o "véi" era danado mesmo.
Maravilha saber que a meninada daí vem ensaiando os primeiros passos do balandê.
Abraços!
Henrique, que bom saber desses aplausos pra ele aí!
Virei tiete do seu Zé, hahahaha, falei pra ele e ele ficou foi rindo da minha cara..é uma figura!!
E os meninos lá são empolgados com o balandê mesmo! Coisa boa de se ver!
beijo pra vc
Oi Natacha, que figuraça maravilhosa! Pena que não consegui assistir ao vídeo. Vou tentar novamente depois!
Só um toque: no final, você escreveu "tocar gafanhoto", mas é cafanhoto, né? Ou valem os dois nomes?
Beijo.
Oi Tetê...o nome certo é gafanhoto, porque o instrumento parece o insetinho mesmo. Ele que fala cafanhoto, hehe
Natacha Maranhão · Teresina, PI 1/8/2007 08:16
Ah, mas ´cafanhoto` é tão mais simpático... :-)
Valeu, Natacha!
Bjk.
Nat, eu queria que o mundo visse e ouvisse pessoas como o Seu Zé. Já pensou? Alguém que mudou a "cara" da cultura no estado. E ainda hoje está aí, firme e forte com seu "cafanhoto"? É pra se apaixonar e virar tiete mesmo!! Ah, e pra variar, o texto está ótimo, né???
Biá Boakari · Teresina, PI 1/8/2007 21:55ooops, Miau, em caixa alta, porque você é uma pessoa, não um miado, Biá!!
Natacha Maranhão · Teresina, PI 2/8/2007 22:51A arte do Mestre é o meio mais digno que os indivíduos e a sociedade tem hj em dia para incrementar sua autonomia. E através daqui, podemos ver essa expressão maravilhosa. Mérito do Mestre, da Internet, do Overmundo e da minha amiga Nat. Parabéns. Te espero no meu humilde brogue
Cláudia CB · Teresina, PI 2/8/2007 23:26
Natacha, legal as revelações, linda a linguagem - o entremear-se
com a propria expressão do Mestre, quase um retrato (na minha terra se chamava fotografia de retrato), a cada intervenção. E sem diminuir a tua capacidade, só a expressão no retrato do Mestre já valeu.
um abraço, andre.
Esse mestre é uma figura mesmo. Que vivacidade hein!? Muito bonito. Obrigado pelo convite Natacha. Um abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 3/8/2007 07:49
Natacha.
Rezando e dançando, dançando e rezando, Mestre Zé Coelho, teve seu balandê-baião abençoado pelos céus.
Belo Texto, amiga.
Abraços
Noélio Mello
Muito legal, Natacha. Belo projeto e belo personagem para o artigo. Abs!
Dauphin de Itaguaí · Itaguaí, RJ 3/8/2007 10:38
Bonito como o brasileiro inventa e cria as belas coisas que existem por aqui.
Bem lembrado, Natacha.
abcs
nao me canso de dizer que esse projeto eh foda! esses filmes tem que sair em algum lugar....
diginois.com.br · Rio de Janeiro, RJ 3/8/2007 15:21Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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