Pois que está acontecendo em Blumenau a Feira do Livro. Sobre este assunto, gostaria de poder escrever mais tarde e especialmente sobre ele. No entanto, é necessário dizer que alguma utilidade cultural teve. E foi na mesa-redonda com romancistas catarinenses que a Feira do Livro de Blumenau, mesmo depois de quatro dias acontecendo, tomou corpo finalmente.
Integraram a conversa os autores Maicon Tenfen, de Blumenau e Carlos Henrique Schroeder, de Jaraguá do Sul, mediados pelo historiador e escritor blumenauense Viegas Fernandes da Costa. O terceiro participante, Rodrigo Schwartz não pôde aparecer. Sob o tema Romance Contemporâneo, os dois escritores debateram não somente o gênero literário, mas também mercado e projeto literário, aquele que permite ao aspirante a escritor sê-lo ou procurar outra coisa para fazer.
Sobre os dois escritores, é preciso apresentá-los.
Maicon Tenfen, de 32 anos, é natural de Ituporanga, no interior catarinense. Doutor em Literatura pela UFSC, leciona Literatura Brasileira na FURB, em Blumenau, e tem oito livros publicados. Contista de fôlego, Tenfen é quem nos tira o fôlego com suas histórias de suspense em que o inusitado beira o previsÃvel. Na região, é bonito comentar sobre o escritor e receber de resposta um “Eu já li!â€, comentário tão caro a autores blumenauenses. Sem dúvida, Tenfen tem grande responsabilidade no enaltecimento da literatura local e do gosto por ler que provocou em centenas de estudantes com suas histórias.
Carlos Henrique Schroeder, 31 anos, é natural de Trombudo Central, no Alto Vale, e agora vive em Jaraguá do Sul. Com Rosa Verde, seu mais famoso romance, Schroeder conta a história do movimento integralista e suas ações, tendo como pano de fundo a Jaraguá dos anos de 1960. Se formos pensar na importância de se ter um romancista e/ou contista de peso numa região em que a literatura mais consumida é a das dicas de Veja, o que se pode dizer de quem ainda ousa fazer, através da literatura, o resgate histórico de uma época sombria e pouco lembrada como a que antecedeu a ditadura militar no Brasil.
SCHROEDER
A fala de Schroeder beira o intimismo. Ao falar sobre o Romance Contemporâneo, apresenta seus livros falando do leu primeiro, quando ainda guri. “Comecei por Camus, Kafka... Não comecei lendo poesia, como a maioria das pessoas. Leio romances desde os 12 anos“.
Teorizando, Schroeder explica que existem dois tipos de romancistas, os de enredo e os de linguagem. Sobre isso, o escritor explica que há romances que tentam conquistar o leitor através de palavras, de como elas chegam ao leitor, de como dizem o que se poderia dizer de outra forma, mas dizem de forma rebuscada. Quanto aos romancistas de enredo, estes estão mais preocupados com os fatos, com o decorrer da história: a surpresa, a curiosidade, o suspense. “O bom escritor tem que ter dos dois; precisa ser tão bom na linguagem como no enredo que ele leva para o leitorâ€, diz o escritor. E em relação aos diversos escritores que surgem de tempos em tempos, Schroeder argumenta: “Só vão ficar os escritores que tiverem um projeto de literaturaâ€. Ou seja: fica por cima o escritor que escreve o que sabe que está escrevendo e consegue passar isso ao seu leitor.
Colocando na prática sua fala sobre os tipos de romance, Schroeder explica os dois livros que tinha em mãos durante a conversa. Enquanto para escrever Rosa Verde precisou do apoio de uma folha A3 (onde desenhou o mapa do enredo), em Ensaio do Vazio mistura a linguagem neo-barroca com linguagem contemporânea. “É um livro para escritor lerâ€, diz ele, contrapondo a densidade literário de Ensaio do Vazio à tensão de Rosa Verde.
TENFEN
Maicon Tenfen, pela natureza acadêmica, tratou de ser mais didático, por assim dizer. Citando romancistas catarinenses, inclui numa lista de importância os nomes de DionÃsio da Silva, Cristóvão Tezza, Godofredo de Oliveira Neto, Urda Kluger...
Apontando para Flaubert e seu Madame Bovary, Tenfen coloca esta obra francesa como de primordial importância para se entender o romance contemporâneo. “Qualquer romance que se leia depois de Madame Bovary tem alguma semelhança, ainda que inconsciente, com este livroâ€. Flaubert mudou o rumo da literatura ao colocar no papel (na época, quem lia romances eram as senhoras burguesas) os podres da burguesia francesa. Dali em diante, o romance nunca mais foi o mesmo.
No entanto, Tenfen atenta para as dificuldades que o romance contemporâneo enfrenta. Tanto ler — mas principalmente escrever — um romance é um grande investimento. Investe-se tempo, investe-se emoção e o retorno... “Não há retorno, senão o aprendizado; quando você lê, você aprende e quando escreve é isso ao quadradoâ€.
Para explicar a diminuição do interesse pelo gênero romance, Tenfen cita Moacyr Scliar, para quem a tendência da literatura é diminuir de tamanho — basta perceber os últimos livros de Scliar, que envolvem da mesma forma, mas não são mais tão grandes: vivemos na modernidade de um mundo que nos exige tempo o tempo todo.
A CRISE OU A HORA DO ROMANCE?
Quando é aberto o espaço para perguntas, essa questão aparece melhor. Afinal, a literatura está em crise e estaria em crise o romance? Para Schroeder, o que está em crise é a “mÃdia romanceâ€, o livro em si, que tem perdido cada vez mais espaço para outros meios midiáticos, como o rádio, o cinema, a televisão.
É mesmo difÃcil para uma forma de comunicação tediosa (no que diz respeito a não falar, não se mexer etc) competir com o fluxo de informações que os eletroeletrônicos são capazes de transmitir.
Tenfen vê de outra forma. Demonstrando a imersão do ser humano contemporâneo na Informação ou na quantidade de informações, o escritor mostra que os grandes romances ou as grandes épocas para esse gênero literário foram momentos de crise. Sendo assim, “se o romance reflete uma sociedade em crise, esse é o grande momento do romance. Surgem grandes romances porque a crise é profundaâ€.
UMA FEIRA DO LIVRO VAZIA
Uma professora de Ensino Médio presente na platéia questiona com os dois escritores a ausência de interesse por leitura e de pessoas na visitação à Feira do Livro de Blumenau.
Schroeder causa alvoroço ao livrar o Estado de responsabilidade. Para o escritor, o que “falta iniciativa da sociedade civilâ€, lembrando que a educação vem de casa, embora não tenha sido criado num ambiente de leitores. Tenfen sugere que tem que se trabalhar por um ambiente propÃcio à leitura e cita o PROLER como um bom exemplo de trabalho junto a professores e alunos.
“No entanto, o PROLER é direcionado para o Ensino Fundamental, mas que tipo de trabalho se faz com o Ensino Médio?â€. O escritor e professor lembra que nas séries iniciais do Ensino Fundamental é realizado um trabalho de incentivo a leitura que perde toda a força com a chegada da puberdade: “Nesse época, o nÃvel de leitores chega a zeroâ€. Para Maicon Tenfen, é necessário que seja feita uma transição entre as leituras da infância para a puberdade, e que esta transição sirva de ponte entre os dois perÃodos, a fim de não se perder leitores.
AFINAL, AS VENDAS AUMENTARAM
Como última pergunta para fechar esta conversa de quase duas horas, um espectador faz a ressalva de que existe boa literatura sendo comercializada, que existe fomento e que há a Internet a fazer o seu papel.
Schroeder, em contraponto, mostra que as vendas aumentam porque a população aumenta — e hoje o número de pessoas alfabetizadas é maior do que, por exemplo, no século XIX. No entanto, a crise se vê não somente relação escritor x mercado, mas também na relação com a própria literatura. “Tem-se escrito muita coisa ruim por aÃâ€. No que diz respeito à Internet, Schroeder questiona o valor da Grande Rede. “A Internet somente serve para o mercado, não para a Arteâ€.
Sua fala é contraposta pela fala de Tenfen, para quem a Internet tem a grande propriedade de permitir que escritores que não conseguem espaço no mercado editorial possam mostrar seus trabalhos e seus nomes.
Com o fim da conversa entre os autores, o que ficou foi uma
enorme sensação de saciedade. São raros, por aqui, os debates abertos entre escritores. Este só conseguiu público porque estiveram presentes alunos de Letras da FURB e um ou outro escritor agremiado de alguma instituição literária blumenauense.
No mais, às 21 e pouco, quando se findava a interessante e rica conversa, já nem todos compunham a platéia.
Se a Feira do Livro de Blumenau tomou forma, foi nesta noite, quando a Literatura passou a ter o devido destaque. Ninguém melhor para falar sobre o livro do que alguém que tem o contato mais direto com esse objeto instigante. Ninguém melhor do que quem os escreve. Maicon Tenfen e Carlos Henrique Schroeder sem dúvida sanaram dúvidas e elucidaram um ponto importantÃssimo: existe uma literatura contemporânea sendo produzida em Santa Catarina que, apesar dos pesares, vai muito bem, obrigado!
Oi Labes,
gostei muito da leitura. Estou longe do Brasil, por isso fico feliz em poder ler textos como o teu (e do Levi) que noticiam os eventos culturais que andam acontecendo por aÃ.
Devo admitir que desconheço os autores contemporâneos de Santa Catarina, o que pretendo remediar, aos poucos. Me parece que falta muita visibilidade, na esfera nacional, para a literatura de qualidade produzida Brasil afora (não apenas nos chamados "centros" do PaÃs). Uma pena. Celebram-se sempre os mesmos autores, restam na penumbra a imensidão dos demais. Por isso concordo com o escritor Tenfen quando diz que o sacrifÃcio e o investimento realizados na criação de uma obra literária dão um retorno sobretudo pessoal, um enriquecimento para o próprio escritor, um aprendizado surpreendente. Mas fica por ai, na maioria das vezes. É bom, como escritor, não esperar muito mais (infelizmente).
Um abraço,
LetÃcia.
Labes,
Hoje termina aqui no Rio a Bienal Internacional do Livro e a conclusão que cheguei é que o brasileiro gosta muito de ler, os livros para o público infanto-juvenil estão cadavez mais atrativos, và sarais de poesia, debates entre escritores e produtores, filas enormes para conseguir um autógrafo do Ziraldo, que está lançando a "Menina da Estrelas"...A "namorada " do menino maluquinho está batendo records de venda...
Tenho umas fotos, se achar interessante , publico!
CRIS
Parabéns pela reportagem e pelo interesse demonstrado reproduzindo a fala dos autores.
Aqui em Passo Fundo temos a jornada de literatura que é um evento bastante interessante porque os autores convidados tem as suas obras estudadas previamente pelos alunos das escolas. De modo que a gurizada chega no evento preparada para conhecer o autor. Pena que o evento venha se deformando ao longo do tempo por uma séries de vÃcios que critiquei durante o último evento fazendo um protesto lá. A integra da matéria você pode obter no blog do jornalista Joao Vicente Kurtz aqui de PF. O endereço é jvkurtz.blogspot.com.
A questão da crise do romance acho que é séria mesma. Hoje os jovens autores sofrem uma beirada para conseguir publicar e o público leitor é direcionado só para nomes consagrados. Até se firmar vai um tempo. Mas há exceções e boas como o Daniel Galera do qual já tinha lido Mãos de Cavalo e que conheci durante a Jornada aqui em PF. O primeiro livro dele é muito bom - Dentes Guardados - e pode ser baixado na internet.
Tenho um livro de poemas publicado e estou em dúvida com relação ao segundo. Não sei se publico romance, contos ou poesia novamente. Gosto de transitar pelos gêneros mas ainda não sei se estou maduro para a prosa. Quanto a poesia sinto-me bem resolvido.
O que falta, contudo, para fomentar novos autores é um contato maior entre eles. A emulação entre os criadores é o maior estÃmulo para produzir. Sabe aquela coisa: legal o que fizeste, mas acho que posso fazer melhor. Isso é um puta estÃmulo. Para isso, contudo tem de haver um clima cultural, um ambiente propÃcio para esses encontros e nesse sentido eventos como a Jornada de PF e as feiras de livros Brasil afora tem de propiciar esse contato entre os autores. Contudo, não é o que está acontecendo. Seus idealizadores ainda não se deram conta. O autor é como um flor - não me entendam mal. Precisa ser cultivado com carinho, amor e estÃmulo. De outra forma, morre antes de nascer.
Um abraço.
Meu caro Labes,
Tenho a impressão que já se leu mais no Brasil, (em termos relativos e absolutos). Pelo menos se leu visÃvel, hoje muita gente ler via internet. Não precisa ir na biblioteca. Não precisa comprar livro.
A pergunta poderia ser? - O tipo, a qualidade, o conteudo da leitura. O resumo, do resumo, do resumo. O referencial.
Mas felizmente muita gente escreve e publica. É um dado animador.
um abraço, andre.
Labes, seu texto ficou realmente muito bem elaborado, porque mesmo eu não conhecendo muito essas questões referente ao mundo dos escritores, aos trabalhos de edição, e as formas de linguagem, me esclareceu bastante ter em mente o foco desses dois escritores. Parabéns pelo trabalho e pelo texto que como sempre é brilhante. Forte abraço!
Patricia Moreira · Vitória da Conquista, BA 24/9/2007 15:38
Olá, LetÃcia. Fico realmente feliz por quereres, algum dia, te aprofundares na literatura catarinense. O que acontece, está dito nas palavras por Tenfen, num programa de tv em companhia de Scliar: falando sobre o sucesso de escritores gaúchos inclusive em âmbito nacional, é apontada a leitura desses autores como fator primeiro do sucesso. Por aqui, não se lê - quase - nem os de fora, o que se dizer então da ausência de leitura de autores catarinenses? E olha que depois que eu comecei a me voltar para SC, lendo seus autores, descobri muita coisa boa e sei, de antemão, que tenho muito ainda a descobrir.
E é verdade, LetÃcia. Há que se experimentar a felicidade de ler - mesmo que um livro triste - para se saber do que se trata esse conhecimento que pode ter de si o leitor - mas mais normalmente o escritor (infelizmente) :)
Abraço.
Crispinga,
infelizmente não se pode calcular o avanço da literatura brasileira (e da venda e da leitura dessa literatura) numa bienal como a do Rio. Como diz no texto, o número de leitores cresce porque a população cresce, mas o que esse povo lê?
Quero sim que fales sobre a Bienal do Rio e que publiques fotos. Nos avise disso, hein!
Julio,
muito obrigado por passar por aqui.
Já conheço a Jornada (de nome) e a Feira do Livro de Porto Alegre por presença mesmo. Acho que são eventos interessantÃssimos para quem lê e para quem vai começar a. No entanto, no tempo em que vivi no Rio Grande tive muito mais contato com autores do que aqui em SC: conheci e li Cheuiche, Scliar e Assis Brasil. Por acaso, foi o Scliar quem esteve na Feira do Livro de Blumenau, e não um autor catarinense. Acho isso muito sério.
Concordo contigo quando dizes que falta contato entre autores. Afinal, é daà que vem o contato primordial para estes artistas da linguagem - mesmo que à distância, lendo .doc e .txt esse contato pode ser muito válido.
Vou acessar o livro do galera (acho que poderias colocá-lo no Banco de Cultura, que tal?) e quero mesmo estreitar contatos contigo; pelo quanto defendeste a aproximação de autores, acho que chega a hora de nos licenciarmos como "colegas", não? Vou analisar isso melhor e te contato em seguida.
Em suma, não dá pra responder ao teu comentário aqui, porque ele mereceria mesmo uma conversa. Mas muito obrigado por ter passado, lido, pensado e comentado.
Grande abraço.
André, concordo e discordo de ti. Um dado interessante é que temos cada vez mais pessoas letradas - mais do que alfabetizadas - que podem ter acesso a uma leitura mais interessante. No mais, essa coisa da internet é complicada, né! Para autores novos, é muito complicado conseguir espaço, e é onde entra internet como "difusora de conteúdo".
Agora, quanto ao monte de lixo que está por aÃ, não tenho dúvida. Então se pode dizer: "SC tem um dos maiores acessos à internet do Brasil", e o que mais? O que o povo catarinense lê na internet? O Orkut?
Pois bem. Se já se leu mais ou menos, não sei te responder. Mas tenho certeza de que existe, longe das livrarias (e inclusive nas periferias das feiras de livro) autores interessantes que precisam de atenção e talvez ainda não tenham encontrado o espaço apropriado para se exporem.
Grande abraço.
Patricia, muito obrigado pela leitura atenta e pelo comentário elogioso. De nada adiantaria eu ficar falando sobre o romance contemporâneo como foi, em alguns momentos, falado nessa mesa redonda, quando talvez grande parte dos leitores não entedesse do que trataria o texto.
Assim, explanando - ou tentando - de forma geral, fica mais fácil, né não?
Abraço.
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