Eu não entendi muito bem como um texto conseguiu receber e perder tantas palavras como este. Acho até que se levantar da cadeira agora para pegar um copo d’água, voltarei para apagar a primeira frase. Por isso, a sede que agüente. Ãgua agora contribuiria para mais uma interrupção no raciocÃnio que tento ligar por dias. Não é difÃcil falar sobre cinema. DifÃcil é montar em poucas palavras (porque trata-se de um texto para Web) o inÃcio desbravador e espetacular da produção audiovisual do Acre.
Observo há tempos os movimentos relacionados a cinema que acontecem periodicamente em Rio Branco: oficinas, exibição de filmes, festivais de vÃdeo, debates, palestras, sempre muito bem organizados por centros e fundação cultural, usina de arte e outros. A quantidade de produção de documentários e curtas é fantástica, isso porque cursos periódicos de vÃdeo promovem a qualificação técnica e a formação gratuita de realizadores acreanos em audiovisual. Conversava com uma amiga sobre a vontade de escrever a matéria e foi ela, Nattércia, quem abriu o caminho: “Se vai falar sobre o cinema daqui, precisa assistir a Rosinha!â€
Na Biblioteca Pública de Rio Branco existe uma sala escondida, improvisada numa espécie de porão, onde dois “eremitas†passam a maior parte do dia guardando bens preciosos, inclusive Rosinha, em suas prateleiras fÃsicas e mentais. Adalberto Queiroz e Toni Van são dois rapazes de 54 e 52 anos, respectivamente, donos de semblantes compenetrados e memória fabulosa, dada a quantidade de datas e nomes que relacionaram ao contar a história da formação do Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos (Ecaja), a primeira equipe de produção audiovisual do estado do Acre.
O primeiro filme – 1972
Um grupo de pessoas comuns e insistentes decidiu realizar radionovelas baseadas nas que eram transmitidas na época. Logo descobriram que o custo era bastante alto e, com poucos recursos, não conseguiram emplacar. Pouco tempo depois, João Batista, o Teixeirinha, encontrou na biblioteca da Universidade Federal do Acre um livro para jovens cineastas com informações sobre o filme Super-8 mm, próprio para produções baratas. Assim, o grupo recebia a notÃcia de que era possÃvel fazer um filme com poucos recursos. A bitola 8 mm já havia sido lançada nos EUA e estava chegando ao Brasil. Começa a luta para realização do primeiro filme.
O roteiro de “Fracassou meu casamento†foi compartilhado por João Batista e Adalberto Queiroz. Era gravado com uma única câmera Yashica Super-8 (1972) que não captava som, doada por um comerciante local. Foi rodado nas duas margens do Rio Acre, e como a ponte ainda não existia, atravessavam o rio de catraia com atores e equipamentos. Entusiasmado com as filmagens, o jornalista José Leite publicou num jornal local que acreanos haviam feito o primeiro filme do estado. O povo ficou curioso, mas nessa época, a equipe ainda procurava meios para colocar som nas cenas.
Para conseguir mais recursos, os atores procuraram o deputado Wildy Viana, que fez um acordo interessante: compraria um projetor com gravador, se o filme fosse estreado em Brasiléia, sua cidade natal. Brasiléia fica a 240 km de Rio Branco ou dois dias a pé para o povo da época. Com o acordo selado, encaminharam o filme para o estúdio da Kodak, em São Paulo, onde recebeu uma pista magnética, recurso que permitiu inserir a dublagem e efeitos sonoros assim que voltou para Rio Branco. A estréia foi em 3 de junho de 1972 e muita gente caminhou os dois dias para assistir à primeira exibição que foi um grande sucesso. Mas assim que os créditos passaram, o filme foi apreendido pela PolÃcia Federal. “Estávamos no regime militar, disseram que o filme não tinha certificado de censura e nós nem sabÃamos o que era isso, esse aqui era o último dos últimos galhos do paÃs. Fomos considerados subversivos e o filme ficou quase dez anos retido em BrasÃlia", conta Adalberto.
Frustrados por causa da falta de parâmetro, sem poder analisar o filme para saber no que erraram e por que ou o que poderia melhorar, atores e diretores fundaram o Ecaja em 16 de março de 1973, no Centro Comunitário da Igreja de São Sebastião e decidiram "mostrar do que eram feitos."
Rosinha, a rainha do sertão
Não vou contar como é Rosinha. Em alguns dias o filme estará disponÃvel no Overmundo para comentarmos. O roteiro foi escrito por João Batista e Toni Van estreou como ator. Rosinha foi mais feliz na sua estréia, em 1974. Ao invés de ser apreendido, foi exibido em vários festivais pelo paÃs, ganhou alguns prêmios e proporcionou mais visibilidade aos jovens cineastas. Mais sete longas foram rodados pelo Ecaja entre 1974 e 1982.
Em 1977, Adalberto e João Batista participaram de uma solenidade em BrasÃlia sobre a cultura do Acre. Rosinha foi exibido na Praça dos Três Poderes e no Setor Rodoviário, onde ficou a exposição. Por causa da boa repercussão, João Batista recebeu um convite para trabalhar na Rede Globo. Em 1978, Adalberto foi, como diretor do Ecaja, ao XI Festival do Cinema Brasileiro, em BrasÃlia. Lá projetaram “Rosinha, a rainha do sertão†e “A luta em busca do amorâ€, como mostra informativa. Em 1979, participaram do VII Festival do Filme Super-8, em São Paulo, onde João Batista ganhou o prêmio de melhor ator por “A luta em busca do amorâ€. E as conquistas não pararam por aÃ.
Criaram no Acre o Festival Acreano de Filme Super-8, que teve quatro edições. Em decorrência desses festivais, surgiram dezenas de outros produtores independentes. Assim, veio a Associação Acreana de Cinema, o Cineclube Aquiri, o Centro de Antropologia do Teatro e Antropofagia do Cinema (Catac) e a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas (ABCD) criou uma seccional no Acre. Tudo para somar e compartilhar com o desenvolvimento do trabalho audiovisual no estado.
A Filmoteca, aquela pequena salinha embaixo da Biblioteca Pública, é o resultado de uma iniciativa da Embra Filmes aliada ao empenho dos cuidadosos rapazes fundadores do Ecaja, Adalberto e Toni Van, que hoje abriga em seu acervo 35 tÃtulos de filmes nacionais em 16 mm; mesa de revisão; 4 telas de projeção; 4 projetores; filmes dos festivais acreanos e outros não classificados; filmes do Festival do Cinema Brasileiro; documentários da cultura brasileira, inclusive de algumas etnias indÃgenas do estado e outros filmes clássicos americanos e europeus. Ficam à disposição das escolas e de quem quiser assistir lá mesmo. Ótimo resultado para um trabalho que começou com baixÃssimos recursos e nenhuma orientação!
Toni Van hoje é cineasta, produtor e dirige a Filmoteca desde dezembro de 1988. Adalberto Queiroz formou-se em história com pós-graduação em Ciências Sociais voltada para Amazônia. Está preparando o VIII festival Acreano de VÃdeo para terceira semana de dezembro.
Uau! Gostei muito! - principalmente do seu modo de escrever o texto!
Estou aguardando o filme!
Gostei bastante do post e dá pra perceber que existe uma produção muito interessante no Acre. Vi também que na Usina da Arte, projeto recém inaugurado, existe um espaço muito bom para a galera que quer trabalhar na área.
Aguardo o filme também! :)
Que historia deliciosa. Quero ver a Rosinha. E, afinal, eles tem a copia do primeiro filme? Vai aparecer por aqui tb?
Roberto Maxwell · Japão , WW 7/12/2006 13:37Jujuba e Roberto, já enviei Rosinha para a redação do Overmundo, é que não sei mesmo colocar o filme no site. Assim que estiver disponÃvel, aviso. O primeiro filme "Fracassou meu casamento", voltou danificado, uma pena... Paulo, a Usina de Artes tem um trabalho muito bacana, até 22/12 está tendo curso de cinema e vÃdeo lá promovido pela ABDC, e todas as sextas, o CATAC exibe um bom filme com direito a debate após a sessão. Nesta semana será Stanley Kubrik.
Fabiana Mesquita · Rio Branco, AC 7/12/2006 15:14
Fabiana, adivinha? Consegui, minha filha. Finalmente.
Nem preciso dizer que gostei do texto, né?! eu vi essa criança nascer...rs
Beijos
Oi Fabi, adorei o texto, impecável! E confesso que fiquei ansiosa para assistir Rosinha!. bjs.
Geisy Negreiros · Rio Branco, AC 14/12/2006 18:40
Overmanos, já está disponÃvel no Overmundo o filme: Rosinha, a rainha do sertão .
Aproveitem!
Não consegui fazer o download do torrent. Quem sabe vocês podiam enviar uma cópia em dvd para o MIS-Pa. Em contra-partida podemos enviar um tÃtulo do nosso acervo de raridades 16mm ou 8mm em dvd. Que tal? Muito bom trabalho, também faço esse trabalho de tentar preservar a memória do cinema da minha terra aos trancos e barrancos.
Ramiro Quaresma · Belém, PA 21/2/2007 00:03
Comecei agora a observar os movimentos relacionados a cinema que acontecem aà em Rio Branco: Gostaria de saber mais sobre oficinas, exibição de filmes, festivais de vÃdeo, debates, palestras. Podemos publicar na próxima edição da Revista PZZ- Arte PolÃtica e Cultura uma matéria sobre o Cinema Acreano entre documentários e curtas. Gostaria de assistir aà no Acre a Rosinha, podemos viabilizar daqui o filme Iracema de Jorge Bodanzky!â€
Saudações
CARLOS PARÃ
revistapzz@gmail.com
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