Carioca Funk Clube - Esse é o projeto que eu quero continuar fazendo, trabalhando sério novas misturas de sons e pessoas, comandando os bailes cariocas onde eles estiverem, na favela ou na Lua, poder tocar o que eu quiser aqui no Rio, na Lapa, não só em Stockholm, tocar funk de todos os jeitos que já existiram, e ainda vão existir, no estúdio e ali no meio das multidões, essa é a minha vida, não sou de muita conversa, minha história é a história do funk carioca.
Cresci feliz, pobre, suburbano, carioca, filho de uma baiana morena com um catarinense descendente de alemão que se conheceram no Rio. Minha mãe era empregada doméstica e meu pai trabalhava em construção civil. Encarregado de máquinas, por incrÃvel que pareça, ele não sabia ler e mal escrevia seu nome, mas liderava uma equipe grande e ajudou a construir a ponte Rio-Niterói. Em 83 viemos pra São Cristóvão, onde moro até hoje.
Em 87, comandei meu primeiro baile funk sozinho. O lugar era na praia de Ramos, um caixote de concreto, não tinha janela nem nada, só uma portinha, o povo chamava de Forninho. Toquei lá um ano, e comecei a receber elogios, e fui virando profissional. Enquanto isso também estudava à noite, trabalhava como ofice-boy e servi o exército, nunca desisti até conseguir viver só de funk, lá pra 92.
Ser carioca é o que faz o funk dos bailes ser sintonizado com o mundo, não por causa desse ou daquele bairro, artista ou estilo. De algum jeito o nosso povo faz das festas uma arte. Com pouco ensino tradicional mesmo pra quem teve escola, é nas festas que a gente inventa um jeito de estudar a vida, uns com os outros. Acho que é esse jeito carioca (ou brasileiro) que atrai os gringos. Na música, esse jeito sempre teve muita percussão, com harmonias rÃtmicas complicadas, mesmo quando o resto todo é bem simples, tosco até. Pra quem é funkeiro ou sambista parece fácil, mas pra um músico mais erudito é cheio de detalhes nos tempos e nos timbres.
No funk ainda tem os efeitos eletrônicos e as letras, que vêm diretamente do comportamento das multidões nos bailes, tem um monte de informação ali. E pra complicar tem aquele lance de ser brasileiro e adorar novidade, estar sempre evoluindo e não ter dificuldade de misturar tudo que cai na mão – cada mês surge um pequeno detalhe, e como todo mundo absorve, passa a fazer parte do gênero todo. Como sou funkeiro, já nasci com essa antena carioca na alma. Não sei qual o beat ou estilo que vai dominar o futuro, mas esse jeito antenado irreverente com certeza está espalhado por todo lado que eu escuto, na música do mundo hoje, então a gente faz a música que os artistas jovens do mundo tão fazendo também.
Adoro música árabe, japonesa, samba, hip hop, eletrônico, heavy metal, gosto do pop que todo mundo conhece e coisas escondidas, muito boas, muito ruins, enfim, sou viciado em música. É coisa de uma vida inteira. Tirando alguns outros ritmos populares no Brasil, ainda não consigo dividir muito essa paixão com os músicos do funk não, tem um circuito de bailes e discos efêmeros exclusivos do funk carioca que seduz a garotada principalmente, e poucos são ecléticos, curiosos com o resto do mundo. Mas já não me acham excêntrico como antes, têm vindo perguntar o que existe por aÃ, como achar.
O funk nos bailes tem uma linguagem própria, o circuito é como um canal de assinantes, os funkeiros, que ninguém mais entende direito, mas quando consegue captar o sinal não desgruda mais da Tv. E a audiência vai aumentando, diversificando, a pessoa do outro lado da tela pode estar na Ãsia, ou em Ipanema. E no mundo todo o povo vai traduzindo e incorporando pedaços dessa lÃngua diferente, pra usar no seu universo também. Cada um com sua cultura, sua história, do seu jeito. É assim que o baile de hoje se transforma no funk carioca espalhado pelo mundo. O funk das favelas é das favelas, cada baile tem um publico, todo DJ sabe que a audiência muda tudo.
A grande evolução do funk aqui nos últimos 20 anos foi se tornar brasileiro, enquanto mudava a tecnologia, e a sociedade carioca. Em 89 surgiram as letras em português, logo depois o sucesso romântico, em 94 os bailes de corredor, sempre nos subúrbios, e em 98 os bailes de favela. Enquanto isso, o funk americano foi se transformando no voltmix, e no tamborzão, cada vez mais misturado e batucado, de vinil, md e mpc. A mensagem sempre foi a vida das pessoas simples do Rio de Janeiro, mas a audiência mudou muitas vezes, e com ela a forma, a gente falava que queria ser feliz na favela quando cantava pro asfalto, fazia quase punk rock quando buscava o publico do subúrbio, e proibidão quando foi banido de vez. E putaria quando funkeiro virou artista exótico pra animar festa ...
ps:
Esse texto só saiu mesmo com a ajuda das cariocas SABRINA FIDALGO, que fez as perguntas certas, e ADRIANA PITTIGLIANI, que faz tempo procura junto comigo respostas simples - o texto completo você encontra no link http://blog.myspace.com/cariocafunkclube
Agenda da semana:
Carioca Funk Clube na Fosfobox de Copacabana com Sany Pitbull
Valeu, a conjugação de perguntas certas com respostas simples rendeu um texto bem interessante! Parabéns!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 1/6/2007 16:32
Parabéns. A maior virtude do brasileiro é saber tirar coisas maravilhosas mesmo na adversidade em que vive. Um projeto que sei renderá sempre bons frutos.
Abcs
É na lata!!!
Fala que nóis escuta.
Microfone para o Sany por favor...
É isto. Pitbull na veia! Funk que não é de fancaria.
Abs
Figura de responsa. Com você eu faço coro!
Cicero de Bethân · Vitória, ES 4/6/2007 08:59
Gostei e já está devidamente votado. Tem um amigo meu, que está aqui no overmundo tb, o nome dele é Arthur, ou Absurdosturos, como está cadastrado. Esse é um tema de pesquisa dele e rola um textinho bacana no blog do cara. Dá uma olhada...
Abração,
DIogo Lyra.
http://absurdosturos.blogspot.com/
Muito bom o post. Ajuda a por no lugar o 'lugar' do funk carioca além de ser pessoal sem ser partidário. A partir de agora fonte predileta para se referir ao assunto. Parabéns.
Valério Fiel da Costa · São Paulo, SP 4/6/2007 12:08Texto muito bom, conteúdo e humanidade que tenho interesse em conhecer mais. Gostei muito desta fala "(...) De algum jeito o nosso povo faz das festas uma arte. Com pouco ensino tradicional mesmo pra quem teve escola, é nas festas que a gente inventa um jeito de estudar a vida, uns com os outros". Não parem. Ampliem. Um abraço do RS, Alê Barreto da Independência www.produtorindependente.blogspot.com ou alebarretodaindependencia.blogspot.com
Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 4/6/2007 14:43
Ôpa! Cheguei depois de já concluÃda a votação, mas queria deixar registrado que gostei da dica!!
Valeu!
Legal saber que todos aqui perderam alguns valiosos minutos da vida de cada um lendo esse texto e melhor ainda é saber que agradei. Meu respeito à todos.Vem muito mais por aÃ. Obrigado.
sanypitbull · Rio de Janeiro, RJ 4/6/2007 20:50ótimo texto sany! valeu pelo toque.
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 5/6/2007 09:23bacana o texto, e faz a gente pensar em repensar o conceito "global" do funk. abraço.
André Gonçalves · Teresina, PI 5/6/2007 10:30
sanypittbull,
parabéns não só pela excelente crônica, mas também pela garra e força com que seguras tão firmemente a bandeira do funk.
Abçs!!!
Bacana!
Curti a matéria.
Abraços do Verde.
Parabéns Sany!O mundo está precisando conhecer a verdadeira face não só do funk, mas de todo o universo musical!
João Rafael · Sabará, MG 5/6/2007 16:40Bacana!
zepereiranoticias.blogspot.com · Belo Horizonte, MG 5/6/2007 17:08Cara que massaaaa!! parabéns!!
Isabela ramos · Teresina, PI 5/6/2007 18:15...Batuta...dilacera o verbo e solta o tamborzão!!!...
Helder Dutra · Rio de Janeiro, RJ 5/6/2007 21:13
Muito bom! Aproveitando o tema, convido quem tiver interesse a ler e opinar sobre monografia a respeito do funk - que aborda principalmente, entre tantas outras coisas, sua relação com o Direito. Está em:
http://www.overmundo.com.br/banco/direito-e-cultura-popular-o-batidao-do-funk-carioca-no-ordenamento-juridico
Abraços!
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