Rodrigo Campos vai lançar "São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe" esta quarta-feira no Teatro Rival Petrobras, no Rio de Janeiro. Então estará perto daqui? Mas onde, exatamente, é o aqui, que não é tão longe de São Mateus?
Aqui poderia ser o centro da cidade, ou qualquer bairro rico da cidade, situado a uma distância enorme, simbólica e/ou geográfica, daquilo que hoje se chama de periferia. Além de São Mateus (terra com já longa história de samba - fui parar nesse e em outros links depois de sugestão de edição de Higor Assis), outros bairros da periferia de São Paulo aparecem no disco de Rodrigo Campos. A protagonista da canção "Lúcia" vai lecionar na Vila Prudente. Vila Sônia aparece no tÃtulo de "Amor na Vila Sônia".
Os personagens de várias faixas vivem em constante deslocamento. O metrô carrão de "Fim Da Cidade". O trem de "Os Olhos Dela". O dialeto terror/vapor de "Califórnia Azul"... Do Santander para a Universal em "Isac"... Tudo parece longe de todos os outros lugares, um lugar longe do outro. Não há um aqui que sirva de ponto de referência, ou de ponto central para determinar o que fica longe ou perto.
Até porque as referências estão mudando de lugar. Até bem pouco tempo, esses bairros e quebradas da periferia paulistana não existiam no imaginário cultural brasileiro, ou mesmo da própria cidade de São Paulo. Não eram nem favelas cheias de histórias e músicas como os morros cariocas Mangueira, Salgueiro, São Carlos... Não eram longe: eram lugar nenhum, invisÃveis (a não ser em fotos de páginas policiais de jornais populares).
"São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe" é um disco de samba. Mas só existe porque antes houve o punk e o hip hop, que colocou a periferia de São Paulo de verdade no mapa cultural da cidade, criando também novas identidades locais.
Nas letras há o tom de crônica realista, sem enfeites, muitas vezes brutal, que é uma caracterÃstica marcante da linha evolutiva punk/hip hop. O som é criado por um time hÃbrido de músicos, vindos de vários cantos e bagagens estilÃsticas (e reunidos nos estúdios da Ambulante Discos - nome bem sugestivo - em Higienópolis), mas todos direta ou indiretamente herdeiros da invenção de uma nova cidade, descentralizada, golpe de mestre dos Racionais MCs.
Gosto de ver as fotos de Ding Musa (também músico) na capa, no encarte do CD e no site da Ambulante. O transitório, o que está nascendo, o que não se sabe onde vai dar (ou quão tão longe fica) - tudo isso "permanece" nas imagens, traduzindo visualmente a proposta sonora do disco. Puxadinhos e gatos. O inacabado, que ninguém fotografa ("o que há para fotografar ali?"), porque não foi construÃdo ou planejado para ser belo, notável, durável. Isso só pode ser belo por acaso, na contramão das expectativas, no susto, na aproximação súbita e ainda incômoda do longe e do perto. No avanço-surpresa daquilo que "deveria" ficar para sempre escondido, ou dormindo... Cidade dormitório, pois não serve mais para nada além de ser lugar (não-lugar) para se dormir mal. E quando acordar? Toda a cidade vai cantar?
Há uma nova realidade urbana e social no Brasil que este "São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe" deixa evidente. Muita gente, que continua "longe", não tem idéia do que está acontecendo. Nada é homogêneo, tudo é complexo, impossibilitando a criação do estereótipo marketeiro "novo-habitante-da-periferia-consumidor-classe-C-D-E": o futebol e a formatura em Nutrição, o cavaquinho e o crescimento das igrejas evangélicas, o mané e a pistola - e muito mais, tudo misturado nas letras desse disco. Esqueça o paÃs de antes, ou o paÃs do disco voador.
E esqueça, de uma vez por todas, o mito da falta de suingue de São Paulo. A cidade, cada vez mais, se confirma como berçário do samba, dos novos sambas, de muitas outras possibilidades de samba. "São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe" é emblema do melhor de uma nova sonoridade paulistana, claro que resultado do punk e do hip hop (como já falei), fortificado pela invasão do mangue pernambucano, pela trajetória do Instituto e suas ramificações, pela OSESP, pelo pagode pop, pela periferia roqueira da vanguarda paulista. Na ficha técnica do disco: Beto Villares, Curumin, a bateria incrÃvel de Antônio Pinto, André Édipo, Benjamin Taubkin, o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, Edimilson Capelupi, DJ Marco e muita gente bacana mais. Em Rodrigo Campos isso tudo/esses todos se encontram na roda de samba, e São Paulo se descobre mais excelentemente musical do que nunca.
Interessante o lançamento quase simultâneo de "São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe" e "Zii E Zie", de Caetano Veloso, e também "No Chão Sem O Chão", de Romulo Fróes. Transamba no comando? Assunto para outro texto...
Com certeza é muita história e curiosidade para um único texto. A descoberta de Rodrigo Campos pela mÃdia não é atoa, antes dele veio muitos outros para engrossar o coro que todos nós já estamos cansado de saber - que a periferia é um celeiro de artistas.
Higor Assis · São Paulo, SP 16/6/2009 10:49Salve Hermano, demorei pra atuar por aqui, mas agora que comecei, pretendo continuar. Grande abraço, Romulo
romulo fróes · São Paulo, SP 16/6/2009 11:19Engraçado Hermano, o samba que mais me interessa hoje é feito em São Paulo por esses caras aqui de cima. Será que no Rio o Rodrigo e o Rômulo fariam o que fazem? Será que eles tocariam na Lapa?
Makely Ka · Belo Horizonte, MG 17/6/2009 04:45
Tenho a impressão, muitas vezes, que aquilo que o Caetano decidiu chamar de Transamba, ou ainda além, percebeu ser o Transamba, musicalmente é fruto da experiência primeira do Bloco do Eu Sozinho dos Hermanos. Uma homogeneização, um congelamento de loop's caracterÃsticos tocados com guitarra que teve seu inÃcio ali.
Acho que Zii & Zie é perto de No Chão sem Chão num certo sentido. Mas São Mateus não é tão Longe Daqui é bem longe dos dois. O túmulo do samba se pronuncia.
Makely, se Rodrigo fosse daqui tocaria no Cinemathequé. Talvez no MOLA no Cirvo Voador. Mas eu adoraria ver estes desdobramentos de cultura popular ocuparem espaços sagrados como o Democráticos.
Enquanto não vejo lá, verei com muito prazer no Rival.
Mom texto, Hermano. Sobre a antinomia túmulo/berçário é impossÃvel não lembrar do novo espaço cultural em Recife: Nascedouro de Peixinhos (feito dentro do que era um Matadouro de Bois). Grande abraço de Sampa
Kuja · São Paulo, SP 17/6/2009 17:35o show foi ontem - pena: não consegui ir - alguém pode escrever aqui dizendo como foi?
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 18/6/2009 16:22
O que tá rolando por aqui, nem é longe, nem perto : é em todo lugar, mil cidades em uma só grande orquestra-zorra, que um naipe naõ sobrevive nem toca, sem o outro naipe e sem mais outro...Sempre teimamos nesse nascedouro de um samba "diferente" por essas bandas de cá : a escola vem de longe, por Germano Mathias ( será de Matheus ?...), Adoniram e outros, tlavez não muitos, mas muito bons !
Tudo bem, que está vindo atrelado ao corrocel da "musganova", por osmose, ou sei lá...Mas, sempre esteve por aqui, acho que até mais nos bairros boêmios da zona sul, vice Bexiga, que nunca "abandonou" o samba paulista ou brasileiro ou carioca, nem com o apelo de funk, punk, skank, manja ?...Por seu inverso, agora vai pra lá, e retorna antropofágico, da periferia...
A "South Zone", chiq e perfumada cede e sai das "diskous" e vai pra ex-periferia, que agora se faz centro, pq tá na moda, pq é bom e autêntico, pq é gostoso ouvir boa música brazuca, tomando "um chopps e dois pastel", num bote à antiga...A moçada tá reaprendendo o que nós um pouco mais velhinhos ja sabiamos...
Ah !....Edmilsom Capelupi é um gênio das cordas, e arrasa como nunca vÃ, num baixo de 7 cordas...Conheço-o desde meninote, quando vinha gravar por aqui na produtora, com seu pai ( Orlando Capelupi, dono de uma g´rafica da zona leste...se não me falha essas cansada memória...) e o "seu regional". Menino tÃmido na época, quieto de poucos sorrisos, olhar meio baixo ( baixo é sua praia...), virava um "godzzilla" e arrasava quando lhe punham um viloão nas mãos...Arrepio´era pouco, isso me lembor como se fosse hoje...E continua assim cada vez melhor, mas ainda melhor pq agora veio a malÃcia da experiência...
Legal Hermano...bem legal !...Parabens !
abs
Joe
Hermano, outro ponto forte do CD de Rodrigo (cujo nome é "São Mateus não é um lugar assim tão longe") é a densidade poética. Impressionante, a capacidade de narrar um universo tão complexo com tamanha simplicidade e beleza. Abs, Gabriela
Gabi Almeida · Rio de Janeiro, RJ 24/7/2009 15:29grande coincidência esse texto ter reaparecido. encontrei o dj marco na última sexta, no show da céu, e conversamos sobre o preconceito que os dj´s ainda sofrem quando tocam com músicos de mpb. e a eterna batalha pra conseguir mais espaço e respeito nesse meio. ele citou, inclusive, o som que fez com rodrigo campos, "um maninho lá de são matheus".
joao xavi · São João de Meriti, RJ 12/10/2009 11:08
Hermano,
é bom saber que ainda existe pessoas igual a você que gosta de uma boa música.
ouça Marintambocanoa
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