Tarde do domingão, por volta de três e meia da tarde, chegávamos em Sapé, cidade localizada na região do Brejo paraibano com população em torno de 50 mil habitantes, distante 55Km de João Pessoa, capital do estado. Cidade onde nasceu um dos maiores poetas paraibanos, Augusto dos Anjos.
Clima quente, sol, mas caía uma chuva repentina e forte. Alguns pedidos de informação depois, estacionamos na frente do CLUBE ATLÉTICO SAPEENSE, fundado em 1950, era o que informava o logo pintado no muro da entrada. Compramos as entradas, R$ 5,00, cada, e entramos.
Um clube antigo e no salão construído para festas, por onde circulavam cerca de trezentas pessoas, um pequeno palco com estrutura de sim e iluminação. Duas bandas, das nove previstas pra tocar, já tinham se apresentado no ROCK PARA TODAS AS TRIBOS - RATICIDA, banda de punk rock, e KOAN, pop rock, ambas de Sapé. No palco OS REIS DA COCADA PRETA mandava um roquenrou competente, cheio de guitarras e com fortes influências de bandas como QUEENS OF THE STONE AGE. Recentemente eles disponibilizaram todo o material da banda para download. Da cena atual de João Pessoa é a banda que tem conseguido abrir espaço nas casas de shows pra mostrar seu repertório autoral e tem conseguido movimentar um público em torno de seu trabalho, utilizando a internet como uma das principais ferramentas de divulgação.
Logo depois subiu ao palco a BLUE SHEEP, power trio de hard rock formado por três garotas muito jovens. Elas tem sido a grande sensação da cena. Garotinhas, novas, tocando um roquenrou pesado e eficiente. A banda tem um ano de criada, mas só se apresentaram pela primeira vez em março deste ano. Claro, ainda precisam do molho e da ginga que só a estrada e os palcos irão dar, mas já chamam muita atenção pela seriedade com que encaram o palco. A guitarrista Eveline se comporta como uma verdadeira Guitar Hero, fazendo pose e tocando com muita vontade e competência o repertório que inclui músicas autorais e covers de Jimi Hendrix e ZZ Top, entre outros. Obviamente, a marmanjada toda foi pra frente do palco e delirava com a performance do trio. Comentava com Ilson Barros, vocalista, guitarrista/violeiro da banda ZEFERINA BOMBA, com quem fomos pra o show, que em um ano, se aquelas garotas continuarem com essa pegada, estarão tomando conta de muitos palcos por aí afora.
Chega a vez do CERVA GRÁTIS. Roquenrou pesado, barulhento, divertido e com muita energia no palco. A banda tinha o curioso hábito de liberar um isopor com cervejas na frente do palco pra o público, expectativa essa frustrada no show de Sapé. Não rolou a cerveja grátis. No palco foi apenas som alto, energia sobrando e um convidado, nosso amigo Ilson Barros do ZEFIRINA BOMBA, cantando uma música do ROCK ROCKETS e uma do ZEFIRINA BOMBA – ‘Dia Inteiro’. Bom show.
Chegada a hora do metal porradão – SODOMA. Metal, definitivamente não é o meu forte e, apesar dos caras terem seis anos de estrada e um som extremamente competente, eu não conhecia. Fiquei impressionado com a competência e profissionalismo dos caras. Death/black metal, detalhe, cantado em português e executado com maestria. Apesar disso o vocalista HATE(sic) reclamava, após o show, do som no palco. Para o público tava bem legal, há tempos não ouvia um som assim.
Durante o show conversei com algumas pessoas sobre shows alternativos na região. Um grupo de Pirpirituba, 30km de Sapé, se divertia e disse que ficaram sabendo do evento pela internet. João Alves, 31, coveiro oficial do cemitério da cidade, de máscara e bota, estava lá para ver duas bandas da cidade –LETAL e LISOSSOMOS. Erivan, guitarrista do LETAL e organizador do show, perguntado sobre as dificuldades de produzir shows alternativos no interior do estado, respondia conformado, “tem que produzir, né !!! ? Lucro !!! ? Cara, empata, nem prejuízo, nem lucro. Mas vale a pena pra gente que tem banda”, justifica.
Uma das bandas preferidas do coveiro João Alves, subia ao palco, LISOSSOMOS. Um hardcore melódico e enérgico. Eles realmente tem público na cidade. O metal voltava a cena com o ABORTION CHAMBER subindo ao palco. Aí um detalhe, que na minha opinião prejudicou o andamento do show, afinal já era quase dez horas da noite. A montagem de equipamentos e preparação de palco para o show dos caras demorou muito. Muita gente se sentou, outras tantas saíram. Como já passava das dez horas da noite do domingo e, apesar de gostar do som do LETAL, hardcore competente, um dos melhores da nova cena, os 60km de volta pra casa numa estrada estreita me fizeram optar pela saída antes do final.
Na volta lembrei de um show alternativo em Sapé que tinha participado há alguns anos e me ocorreu uma frase antiga – ‘Onde houver uma tomada com energia elétrica, vai haver alguém plugando um amplificador, fazendo um som e colocando suas idéias pra fora’. Apesar das dificuldades pra se realizar um evento como esse, Sapé tem conseguido fecundar raízes alternativas pra região. Bom pra todo mundo.
Entrevista com as garotas do Blue Sheep.
# Interesse por música e influência na família
Béa: Tenho 18 anos. Desde pequena fui ligada à música: comecei a tocar flauta doce com cinco anos e brincava no teclado desde os 6 (não gostava de professores). Com 13 anos comecei a ‘arranhar’ violão, e com 16 comecei a tocar baixo pra poder me apresentar no colégio junto com Gabi e mais um colega. Influencia da família? Muita! Tenho um tio que toca baixo em banda há mais de 10 anos (Orlando Freitas - Néctar do Groove, Chico Correa & Eletronic Band, Caronas do Opala) e outro tio que toca bateria por hobby. Os dois me deram ótimas influências e me apóiam bastante. O resto da família também apóia, não tem essa de "Saia do mau caminho! Música do capeta!".
Eveline: Tenho 20 anos. No meu caso só vim me ligar à música aos 16 anos, já que na minha família ninguém é ligado à música. Meu vizinho que hoje tem uma banda de thrash metal (o Perciless), sempre me mostrava o que ele pegava emprestado com os amigos, coisas de rock em geral e um dia me chamou pra tocar um pouco de violão em frente a casa dele. Ele me ensinou umas notas, comprei umas revistinhas de MPB que tem nas bancas(risos) e daí pra frente virou rotina. A principio escutava muito rock e metal, que era o que meu vizinho mostrava. A primeira banda que me interessei foi o Red Hot Chili Peppers. Adorava aquele groove com funk e jeito diferente de tocar do guitarrista, mas ainda não tinha me interessado por guitarra. Quem fez me interessar foi o Kirk Hammet (Metallica) e Kiko loureiro (Angra), é tanto que minha primeira guitarra, apesar de não ser uma Tagima, era uma memphis do mesmo modelo que ele usava.
Gabi: Tenho 18 anos. Em casa todo mundo "arranha" um violão, cresci ouvindo música clássica e gospel, então é até engraçado imaginar que com essa criação eu toco "rock" hoje.
# Principais influências
Béa: Minhas principais influências no baixo: Led Zeppelin, Black Sabbath, Titio Carlinhos (Orlando F.) e Grand Funk Railroad. No vocal, eu nem sei dizer, acho que é uma misturada de tudo que já ouvi. A idéia de tocar Hard/Rock/Blues foi principalmente de Eveline. Ela nos mostrou SRV, Girlschool, ZZ Top,... Ela é cheia dos DVDS, sempre nos empresta algo novo.
Eveline: Sempre vou em sebos comprar, discos, CDS e vinis. Procuro bandas novas e o que elas têm a oferecer, musicalmente falando. Pesquisava guitarristas e as novidades. Um dia conheci Thiago (guitarrista que tocou no Sodoma) Ele tinha aulas com Leto(meu atual prof.) e pedi sua ajuda, já que não tinha grana pra pagar aulas e meus pais nunca me incentivaram. Ele me mostrou Jazz e o Blues e seus links na guitarra com Stevie Ray Vaughan, BB King e por aí vai. Me interessei em tocar “o blues”, depois que fui a um show de Nuno Mindellis, aqui em João Pessoa(um guitarrista angolano radicado no Brasil). Pirei com o feeling e a maneira como cativa as pessoas. Falando das influências, as principais são o Girlschool, Jimi Hendrix, Grand Funk e o Cream. Acho que deixei de citar muita coisa, mas essas são as principais.
Gabi: ZZ Top e Led Zeppelin! Acho que são bandas em comum que nós três gostamos muito. Meu primeiro passo pro Hard/Blues foi conhecer algumas bandas de Heavy Metal, a partir daí fui buscar mais bandas e suas influências... Chegando ao Whitesnake, Van Halen, Motorhead, Deep Purple, Led Zeppelin e outras bandas fenomenais que tem influência de blues.
# Letras
Béa: Nossas letras têm temas variados, sem uma idéia fixa. Há "Where is the bus ?", que fala comicamente sobre a espera demorada num ponto de ônibus; "Rolling the rock", que fala de um cara que está cansado de tudo é quer se distrair; "Joker's Game", uma mulher fatal que engana os homens por interesse; ‘Reviens’, música francesa mais melosa e pessoal, que pede para que o amado volte; ‘Doute’, revolta de uma menina que não agüenta mais dar foras num cara... Enfim. Cantamos em inglês porque é a língua do rock, embora se possa também fazer um bom rock em outra língua. Lembrando que temos uma música em francês.
Eveline: Particularmente, acho que além da métrica ser mais fácil, o inglês é uma língua universal e é como ouvimos nossas principais influências.Esse estilo foi criado e se propagou em países de língua inglesa .No caso do francês, Béa faz as letras, já que ela fala fluente e se conseguimos a métrica musical, a música ta feita. Já tentamos fazer músicas em português, mas não saiu nada interessante, por isso não temos nada. Não tenho muito o que opinar, sou péssima letrista(risos).
Gabi: Nossas letras falam de um pouquinho de tudo que a gente vive: o dia-a-dia, "romance" e é claro, rock! Na verdade, temos músicas em inglês, francês e, em breve, português. Muitas vezes o Inglês encaixa melhor com nosso estilo.
# Trabalho/universidade
Béa: Terminei o Ensino Médio ano passado e ‘tô aqui de bobeira’, esperando pra começar meu curso de Arte e Mídia na UFCG em agosto. Também tenho outra banda, a Onigiri, que faz cover de rock japonês. Tô fazendo aula de técnica vocal, que tem ajudado muito na Blue Sheep. E de atividade física, faço Kung Fu há 2 anos.
Eveline: Eu tranquei o curso de engenharia recentemente na UFPB para me dedicar a música, mas, sei que é um rumo difícil e a cultura brasileira não dá valor a esse tipo de profissão ”músico”, por isso continuo estudando inglês. Terminei curso de informática e pretendendo fazer curso pra concurso e cursinho pré- vestibular.
Gabi: Estudo Artes Visuais na UFPB e vou prestar vestibular para Psicologia - Unipê.
# Planos
Béa: Diversão e música. Nosso objetivo principal não é ganhar toneladas de dinheiro. Vejo como um Hobby. Não pretendo parar de estudar pra me jogar no mundo da música por inteiro, sem ter garantias. Mas se as coisas começarem a dar muito certo pra banda, quem sabe?
Eveline: É claro que o maior objetivo é diversão e divertir as pessoas que nos vêem tocar. No meu caso quero me dedicar à música, mas, preciso de uma estabilidade financeira. Penso em fazer um concurso público e ter uma certa tranquilidade pra me dedicar a música.
Gabi: Crescer. Desde que começamos tudo vem crescendo... Nossa amizade, a qualidade das músicas, nosso aprendizado. Então a idéia é continuar nesse ritmo até chegar às turnês mundiais! .....brincadeira (risos)
muito bom conhecer este lado hardcore de Sapé - aliás, há muito metal pelo interior/sertão do Nordeste - acho que combina com o clima! Não vale um outro texto com entrevistas com o pessoal das bandas locais? O coveiro João Alves não se anima a escrever?
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 8/6/2009 17:25Estou tentando uma entrevista com o Blue Sheep por e-mail. Publicarei na sequência. Qto ao João Alves, não tenho o contato. Abs
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 8/6/2009 18:05tomara que o João Alves ou alguém de Sapé leia o seu texto por aqui e se anime para escrever mais - aliás, nosso Guia de Sapé está vazio ainda
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 9/6/2009 09:34È andei inclusive conversando com o Erivan, o organizador. Ele me flw do Museu Augusto dos Anjos. Inclusive, o LETAL, banda de hardcore, está fazendo um trabalho em cima dos versos dele, q estará gravando brevemente. Vou ver o q posso fazer qto a isso.. abs
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 9/6/2009 15:39Adorei a entrevista, é um ótimo retrato de como gente muito jovem vai se interessando e adentrando no mundo da música... Já falam com paixão e cheias de personalidade.
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 10/6/2009 21:08Vlw Helena e Graça ! Importante visualizar essas informações fora do grande eixo. Tem novas visões e caminhos detectados, msm q implícito, no discurso dessa galera. Abs
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 12/6/2009 11:52Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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