"Sassaricando - E o Rio inventou a Marchinha", espetáculo musical de enorme sucesso de público no Rio de Janeiro, sold-out com várias semanas de antecedência, marca um ponto alto na onda da "retomada do samba de raiz" e o inÃcio de sua adaptação ao Padrão Globo de produção, ao mainstream cultural brasileiro.
Em "Sassaricando", seis cantores, capitaneados por Eduardo Dusek e acompanhados por por uma numerosa e competente banda, cantam marchinhas antigas de compositores como Noel Rosa, Lamartine Babo e Braguinha. A luz é impecável, assim como o figurino, a afinação e os trejeitos dos seis cantores. Eles cantam com vozes imponentes e floreios vocais, quase sempre sorrindo com os braços abertos, perfeitos no estilo do programa Fama de cantar e interpretar ao mesmo tempo. Um fotógrafo que quiser fazer uma imagem de divulgação do musical vai ter centenas de oportunidades de captar o elenco com expressões apoteóticas durante as duas horas de espetáculo.
Dado o esmero da produção e o sucesso de "Sassaricando", o fenômeno deve crescer. Seguindo este caminho, não demoraremos a ver Sandy vestida de colombina ou Rogério Flausino fazer cover de Noel Rosa.
Se "Sassaricando" fosse realmente um episódio de Fama, meu voto iria para Pedro Paulo Malta. Ele tem uma cara redonda e simpática e não aparenta ter mais de trinta anos, mas interpreta muito bem o papel de sambista de priscas eras. O que me cativa em Pedro é a dúvida se ele está sendo irônico ou se ele realmente engraxa seus sapatos e engoma sua gravata todos os dias, antes de tomar uma média com pão com maneiga no botequim.
As marchinhas são legais. Eu gosto da despretensão e das letras coloquiais. Todas tratam de temas populares, atuais para o público da época, e esse era seu charme. Deviam ser mesmo incrÃveis esses bailes de salão. Mas eu, como muita gente da minha idade e do Pedro Paulo, nunca fui frequentador assÃduo desses bailes, nem consumidor de médias em botequins.
Enquanto o público lota todos os dias a sala para ver Pedro Paulo cantar sobre garrafas de parati, Felipe Schuery, vocalista da banda independente carioca Lasciva Lula, por exemplo, canta em casas pequenas e não muito cheias sobre fangangos mole com coca sem gás. É um fenômeno estranho. Os números de público deveriam ser inversos a estes, mais ou menos na mesma proporção da diferença atual do número atual impressões de rótulos de garrafas com as palavras "coca-cola" e "parati".
Se eu já não via muito sentido nos jovens cariocas freqüentarem desesperadamente a Lapa para dançar choros e marchas sobre sinhás formosas, vi ainda menos sentido em pessoas fazendo isso sentadas em um teatro.
Minha incompreensão vai além: se você sair dos salões da zona sul e do caos carnavalesco, vai ver que muitos dos sambas que hoje embalam a diversão de jovens policamente corretos eram vistos pela intelligentsia de sua época como uma produção popularesca, inferior, tipo um funk ou um brega hoje. Hoje que os adolescentes das favelas não sabem quem é Braguinha, a tal intelligentsia admite seu valor.
Falta frescor no que querem oferecer como cultura para um jovem brasileiro da zona sul. Já para o jovem da zona norte, a forma como o mainstream desvaloriza e depois se apropria de sua cultura é perversa.
rodrigo, acho que esse público, bem como os jovens que freqüêntam a lapa para dançar choros e marchas, são um demonstração da qualidade da produção musical brasileira daquela época.
acho mutio bom quando ritmos saem da obscuridade, dos porões da memória para ganhar novamente as ruas, os salões, a vontade das pessoas. é bom que seja assim.
ontem mesmo vi um disco duplo da biscoito fino sobre os 100 anos do frevo e fiquei muito feliz de ver esse resgate de uma produção tão rica.
essa coisa da apropriação pelo mainstream pode ser vista de duas maneiras. tem um lado da pasteurização de formas e conteúdos, mas também a possibilidade de dar conhecimento sobre algo que já não estava mais disponÃvel, ajudando quem realmente busca algo de bom a fazer seu caminho.
nunca dei muita atenção o choro, e esse "revival" me colocou cara a cara com a beleza dessa manifestação e hoje sou um apaixonado que já comprou muitos discos que o "maistream" disponibilizou.
toinho, eu tb acho as marchinhas uma beleza de manifestação musical. "resgatar" essas canções também é uma coisa legal. o que é extremamente chato é ver artistas engomadinhos cantando marchinhas com ar de "superprodução".
e também acho estranho o tamanho do interesse, do esforço e do valor que se dá para "tirar os ritmos dos porões da memória", e a dificuldade, a falta de grana e de parceiros que se tem para investir e descobrir as coisas de agora, que ainda não estão empoeiradas e nem foram para o porão.
claro que não são duas coisas excludentes. o porão e a sala podem conviver na mesma construção. eu escuto música velha e música nova, imagino que você também.
mas à s vezes eu acho que tem um monte de gente lotando o porão, pagando caro pelas antiguidades de lá e até comprando produto industrializado fantasiado de relÃquia (vide "sassaricando"), enquanto na sala, cheia de coisas divertidas aparecendo toda hora, ainda cabe muita gente.
rodrigo... entendo o que você fala e sinceramente às vezes também sou acometido pelos mesmo pensamentos. sabe como a gente é, né?
vou te dizer que vou assistir "sassaricando" e volto para te contar minhas impressões, até porque, em última instãncia, teu post é sobre o espetáculo. vai ser uma boa conversa.
curioso é que vejo muitas pessoas justamente com opinião inversa, reclamando que se insveste muito em coisa nova, sem qualidade e tal, enquanto tesouros do passado estão lá, esquecidos...
uma boa forma é quando o novo traça um caminho até o passado e faz o resgate através de releituras, trazendo junto referências e gerando oportunidade de renovação dos ritmos, das manifestações culturais.
abraço!
toinho,
quando eu disse que existe falta de grana para coisas de agora, não me referi aos grandes produtos das enormes e decadentes gravadoras, como os já citados sandy e rogério flausino. me referi a uma nova geração de artistas independentes, da qual o também citado lasciva lula é um bom exemplo, entre vários (dá pra achar centenas em www.tramavirtual.com.br).
dá um pouco de agonia de ver tesouros do presente esquecidos.
o lance das releituras é interessante mesmo, o manguebeat ou o britpop são basicamente isso. só acho q não deve virar o obrigação: quem quiser pode fazer um disco só com referências atuais, ou só antigas, ou misturadas. cada um se diverte como quer. ou não se diverte, como eu lá sofrendo no sassaricando, hehe.
meu toque nesse texto é simples: não se esqueçam das pérolas do presente.
ah, esqueci duas vezes. abraço!
Rodrigo Ortega · Belo Horizonte, MG 8/3/2007 14:40
Interessante sua provocação, Rodrigo. Eu vi Sassaricando. É um musical e acho que isso já causa algumas agonias em quem não tá acostumado com aquelas caras e bocas. Isso até entendo. :) Mas achei a segunda parte do tÃtulo - "incrivelmente perverso" - meio forte. Parece que todos os jovens que freqüentam os sambas da Lapa estão lotando o espetáculo. Sei não... O público, pelo que pude ver, é muito mais para velhinhos saudosos que para isso. Mas não é isso que importa: como disse, acho sua provocação bacana sobre o presente esquecido e o passado exaltado. Só não acho que o Sassaricando é o melhor exemplo - é um musical, como tantos outros que entram na grade de teatro do Rio. E acho que há grandes chances de muita gente que vai ao musical também curtir os shows do Lasciva Lula. Aliás, por acaso conheço tanto o Pedro Paulo como o Felipe e acho que, se é que eles já não se conhecem, teriam muito papo para compartilhar em mesa de bar (com chope mesmo, e não média :).
As minhas perguntas são (só para engrossar o caldo da conversa): será que gostar de samba e choro é só se remeter ao passado? Não tem um monte de gente fazendo coisas novas por aà nesses gêneros? Será que não é possÃvel gostar de tudo isso que você cita e ainda mais? Sei lá, tendo a achar bacana a possibilidade de ir a um show do Lasciva Lula E a um show de samba. Que bom que o som do passado se renova (pelo menos em alguns casos), e o do presente tá aÃ, para quem quiser ouvir (alguns se bobear vão opinar que rock é som do passado...). Por que uma coisa excluiria a outra?
Helena, acho q vc tem razão, o fato de ser um "musical", e eu não estar acostumado a isso, me incomodou sim. Na minha conversa com o Toinho aà em cima eu concordo com o q vc tá dizendo, principalmente com o fato de as coisas não serem excludentes.
E uma conversa de bar entre Felipe e Pedro Paulo seria a coisa mais incrÃvel do universo, dá pra escrever um livro sobre isso, os personagem, pelo menos, seriam ótimos.
já concordamos com várias coisas. acho que o mundo tem, hoje, um olhar profundamente ansioso para frente. como se tivesse sido inaugurado hoje. importantÃssimo no resgate é a possibilidade de um artista se descobrir parte de uma tradição, de um encadeamento de idéias e sensibilidades que sem a referência da produção passada ele não teria como saber.
é raro alguém que rompe e traz uma proposição completamente nova, quase que tirada do nada (quase, porque nada se tirar assim do nada em cultura). em geral a gente está dentro de uma cronologia e é bom conhecê-la, reconhecer-se.
eu não só acho que uma coisa, o resgate e o estÃmulo ao novo, não só não exclui a outra como elas são uma parte integrante e indispensável da outra.
talvez, helena, gostar de samba e choro tenha um aspecto que remeta a um passado. e remete ao futuro e presente também. é um conjuto de laços. a música é uma ótima planÃcie para se observar esse vai e vem de influências através do tempo (porque o novo também nos faz mudar a forma como apreciamos o antigo), cadências e associações que parecem aleatórias até que se descobre o fio que conecta tudo.
Rodrigo,
Pra conversar com o Pedro Paulo vá ao Trapiche Gamboa (no cais do Porto aqui no Rio) as quintas-feiras de noite (e a dúvida: ele está sendo irônico.. :)))
Abraço!
poxa, eu ainda tinha esperança que ele fosse daquele jeito mesmo...
esses artistas, sempre nos iludindo :(((
(e eu não estou sendo irônico)
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