T O N I O L O O L O I N O T

Jaques Costa
Toniolo em graffiti de Jaques Costa
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Henrique Reichelt · Porto Alegre, RS
23/12/2011 · 25 · 2
 

Embora desprovido da instantaneidade da Internet, o correio funcionava, e ainda funciona, como um importante meio de diálogo para a produção de notícias. Através dele, por vezes as discussões entre redatores e leitores ganhavam sua devida publicização pela seção “cartas do leitorâ€, por exemplo. Poucas pessoas sabem que o lendário Toniolo, antes de se destacar como o maior pichador de Porto Alegre, também foi o recordista nacional de publicações deste espaço, segundo confirma a reportagem de Marcelo Campos.

Toniolo, o policial escrivão

Nascido em Porto Alegre no dia 17 de outubro de 1945, morador do bairro Petrópolis, escrivão da policia civil, Sergio José Toniolo era um perito da objetividade. Sua narrativa técnica somada ao conhecimento para o levantamento de provas, garantiram-lhe espaço de destaque nos jornais de todo o país. Ocupava-se dos mais diversos temas, muitos dos quais entravam em pauta e geravam uma série de notícias. Eram matérias sobre irregularidades no trânsito, reformas da língua portuguesa, organização de campeonatos de futebol e, em meio à ditadura militar, também realizava denúncias a respeito da própria polícia. Em 1976, Toniolo criticou o tratamento que os policiais davam aos menores abandonados, deixando os verdadeiros criminosos agirem livremente. Em janeiro de 1978, também denunciou o sistema privado de guinchos do Detran de Porto Alegre, que funcionaria segundo interesses financeiros dos prestadores.

Segundo Toniolo, a primeira carta publicada lhe redeu uma repreensão por parte de seus superiores, que a julgavam desfavorável ao bom comprimento das atividades policiais. Já a segunda (ambas publicadas no jornal Zero Hora), rendeu uma detenção de 42 dias no Hospital Espírita de pronto-atendimento psiquiátrico. Em 7 de março de 1978, Toniolo foi internado sem passar por quaisquer exames de avaliação, tendo recebido licença para tratamento de um mês só após sua saída.

Em julho de 1978, o delegado Sergio Oliveira Gusmão emitiu um parecer considerando Toniolo um “elemento perigoso†e uma ameaça à organização policial. Também sugeriu a instauração de um inquérito administrativo visando seu afastamento. Em dezembro de 1978, Toniolo foi devidamente examinado pelo médico Gildo Vissoky, que diagnosticou não haver nada de errado em sua saúde mental.

Toniolo, o político

Com mais de 2 mil cartas publicadas desde 1972, Toniolo ganhou reconhecimento e destaque, o que levou o programa Fantástico da Rede Globo a realizar uma entrevista com ele em 31 de agosto de 1980. No entanto, após ganhar projeção nacional, Toniolo afirmou em nota publicada no jornal Hora do Povo, intitulada “Felizmente ainda existem jornais como o HPâ€, que a partir dessa data, gradativamente, todos os jornais do país deixaram de publicar suas cartas, devido a ameaças das autoridades. No mesmo artigo, denunciando que a tão esperada liberdade de imprensa ainda não chegara ao Brasil, citou o caso do editor regional Delfim Moreira, responsável pela matéria do Fantástico, que teria sido sumariamente demitido em função dela.

Já em março de 1982, período de retomada das eleições, as coisas pareciam mais favoráveis. Toniolo recebeu um telegrama do então senador Tancredo Neves dizendo “Nosso partido (PP) necessita sua ajuda. Conte com meu apoio para candidatura a cargo de sua preferência. Abraços, Tancredo Neves.â€

Toniolo prontamente aceitou o convite. Solicitou ao TRE-RS candidatura a deputado estadual pelo PMDB, que acabara de fundir-se ao PP de Tancredo. Frente à nova empreitada, Toniolo passou a dedicar o conteúdo de suas cartas à discussão do recente processo de abertura política. Dentre muitas críticas contundentes à redemocratização e as eleições em especial, cabe destacar a dirigida à aplicação da Lei Falcão, que garantia espaço gratuito na mídia para todos os partidos. Usando o próprio PMDB como exemplo, Toniolo criticou os critérios adotados na repartição do tempo de propaganda, o qual deveria ser equânime para todas as candidaturas. Os partidos estariam dividindo o “horário eleitoral gratuito†em função dos investimentos de campanha. Quem conseguisse alocar maiores recursos para se autopromover, ficava com mais tempo, situação que o prejudicava em particular. Fruto desta insatisfação, Toniolo começa a esboçar as primeiras pichações de seu sobrenome, como confirmado tanto pela “memória da comunidade†quanto em um dos muitos processos judiciais pelos quais passou nos anos seguintes.

Entretanto, a carreira político-partidária de Toniolo não foi para frente. A Justiça Eleitoral alegou que o escrivão já era filiado ao PTB e embargou sua candidatura, fato que Toniolo caracteriza como uma fraude arbitrária para barrá-lo de concorrer. Coincidentemente ou não, em 25.03.1983 Toniolo foi oficialmente aposentado por invalidez ao ser diagnosticado como portador de esquizofrenia paranóide. A partir de então, o ex-escrivão da policia civil de Porto Alegre radicalizou sua atuação pública. No mesmo ano, enviou carta ao Jornal de Brasília, intitulada “Mentiras de um Coronelâ€, denunciando Atila Rohrsetzer, então diretor do SCI -Serviço Centralizado de Informações da Polícia Civil, que pediu demissão do cargo dias depois da publicação da carta que dizia:

Posso afirmar com absoluto conhecimento de causa que o coronel Atila Rohrsetzer mentiu ao Jornal de Brasília [...] quando negou que comandou o seqüestro de Lílian Celiberti e Universindo Dias [...] Inclusive, é de meu conhecimento que o coronel Atila foi quem comandou toda a fraude das eleições de 82 neste Estado.

Indignado, converteu aquilo que viria a ser uma ação de propaganda política clandestina em um protesto simbólico. A partir de então, Toniolo passou a pichar frases ofensivas à Justiça e a deixar sua assinatura a todos os cantos da cidade de modo agressivo.

Toniolo, o pichador

Em 1984, a onipresença que a palavra “T.O.N.I.O.L.O†ganhava em Porto Alegre despertou o interesse do jornalista Lasier Martins, que convidou o tal pichador para uma entrevista em seu programa de curiosidades chamado Guaíba Revista, na Rádio Guaíba. Muito astuto, Toniolo aproveitou essa oportunidade para realizar um feito que ficaria marcado na história da pichação: a pichação com hora marcada.

Em sua ida ao programa, Toniolo anunciou: “No dia 17 deste mês (janeiro de 1984) vou pichar o palácio Piratini (Palácio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul)â€. A repercussão chegou aos ouvidos do governador Jair Soares, que disponibilizou 200 policiais de prontidão para evitar o atentado. No entanto, estes homens dispunham de uma foto antiga, de quando Toniolo ainda não era careca. Além disso, na rádio, Toniolo convocou a imprensa para uma entrevista coletiva na Praça da Matriz, localizada logo em frente do palácio, onde falaria pouco antes de realizar a ação. Na verdade, tratava-se de uma estratégia engenhosa. Com a atenção de todos voltada para frente do palácio, Toniolo apareceu, não na praça, mas na Igreja da Matriz, localizada ao lado do Piratini. Saindo da catedral, Toniolo sorrateiramente se dirigiu ao palácio. Mesmo assim, vários policiais voltaram-se contra ele, mas antes que dissessem qualquer coisa, Toniolo os saudou: Boa tarde, irmãos! Os policiais acreditaram que aquele homem calvo e pacífico que vinha da igreja certamente seria um padre inofensivo e o deixaram passar. Deste modo, exatamente no horário que anunciara, Toniolo cumpriu o prometido. Conseguiu escrever T.O.N.I.O.L até o momento em que foi detido, deixando a letra “Oâ€, de seu sobrenome, faltando.

Mas a historia não termina aqui. Toniolo sabia que ao ser preso seria encaminhado ao Hospital Psiquiátrico São Pedro para uma avaliação de sua saúde mental. No entanto, para os funcionários do hospital, Toniolo era conhecido como o escrivão de polícia que frequentemente trazia os loucos para serem avaliados. Aproveitando-se deste contexto, no momento em que foi conduzido para a internação, Toniolo adiantou-se em relação aos guardas que o acompanhavam e anunciou à recepção que estava trazendo dois doentes perigosos com “mania de políciaâ€. Quando os enfermeiros foram para cima dos policiais, Toniolo aproveitou da confusão gerada entre todos e conseguiu fugir. Nunca mais foi detido por esse delito.

Meses depois, Toniolo planejou o retorno da pichação com hora marcada. Alvo: Palácio do Planalto Nacional. Aproveitando o movimento Diretas Já, anunciou por meio de cartas em jornais que, no dia 15.11.84, picharia a sede do poder executivo em protesto a não realização das eleições diretas que, caso aprovadas, seriam realizadas na mesma data, e convidou a população brasileira a unir-se a ele nessa ação. Diferentemente do que se sucedeu em Porto Alegre, Toniolo afirmou em outra carta publicada no Jornal de Brasília, que o objetivo principal não era pichar, mas denunciar que “no Brasil não se tem liberdade nem para pichar muros, que é a mais livre e primitiva expressão popular da humanidadeâ€. Toniolo previu que seria preso na divisa de Brasília por agentes da Presidência da República numa demonstração de força do governo. Sendo assim, não levou seu “spray carregado até a boca de tinta†e nem ao menos dinheiro. Ficaria por conta do general João Batista Figueiredo, então Presidente da República.

Ao entrar no ônibus PortoAlegre-Brasília do dia 11 onze de novembro daquele ano, Toniolo de antemão alertou a todos os passageiros que seria preso e pediu a eles que avisassem a imprensa. Quando os agentes chegaram, informaram que se tratava de uma inspeção de rotina e que não iriam prender ninguém. Nesse momento, Toniolo interveio, reafirmando a todos que eles estavam ali para prendê-lo, o que de fato ocorreu. Após ser levado para um hospital psiquiátrico de Brasília, foi mandado para casa em sua primeira viagem de avião. Seja como for, o anúncio de Toniolo surtira efeito, pois, além dos jornais terem produzido charges dele pichando o Palácio do Planalto, na alvorada do dia seguinte, ele amanheceu com os dizeres T.O.N.I.O.L.O em suas paredes.

O jornalista Marcello Campos, que o entrevistou e investigou a história, confirma-a no documentário Toniolo. Mas, chama a atenção para um ponto importante: “Aí é importante a questão do mito, é onde o mito extrapola a questão da transgressão em si, para se tornar algo aceito socialmente e até visto de uma maneira condescendenteâ€.

Toniolo, o perseguidor perseguido

Com o passar dos anos, Toniolo, após protagonizar essa série de desventuras, teve seu sobrenome convertido em um símbolo. Sua pichação de marcante caráter autoral não podia mais ser atribuída somente a ele, pois paulatinamente foi se tornando um ícone das pichações de Porto Alegre. Ao longo dos anos 80 e 90 Toniolo continuou pichando e escrevendo para os jornais; enfrentando sindicâncias, sofrendo processos por danos ao patrimônio público e reagindo a mandados de interdição por doença mental. Criou o Toniolo Voador, pichação disposta em uma pipa que ele empinava no terraço de seu edifício e em meio aos jogos nos estádios de futebol. Esta invenção era habilitada para vôos noturnos, pois contava com luzinhas alimentadas a pilha. Criou também uma espécie de escolinha de pichação no bairro Petrópolis, onde mora. Botava a gurizada para pichar, distribuindo sprays, pincéis atômicos, adesivos e, para os menorzinhos, giz, como conta na recente entrevista à revista Tabaré. No entanto, mesmo impedido de concorrer às eleições devido à atestação de insanidade mental, o anti-herói não recuou. Em todo ano eleitoral, ele se candidatava a vereador, a deputado, a governador e até a presidente da república pelo fictício “partido anarquistaâ€. Distribuía adesivos seus para serem colados na cédula de votação, incentivando o voto nulo. Nestes períodos de forte manifestação política, o aumento da incidência de suas pichações era nítido, mas já não se podia atribuí-las somente a ele. Curiosamente, no ano de 2002, a prefeitura de Porto Alegre fez um levantamento sobre a “depedração através de pichamento de bens públicos, inclusive de natureza artística†e moveu um processo contra Toniolo. Um dossier com várias fotos das pichações fora produzido e apresentado por ela como prova do delito. No processo Toniolo adimitiu ser o responsável maior pelas pichações “T.O.N.I.O.L.Oâ€, tendo gasto 3 mil sprays e realizado 70 mil pichos desde 1982, as quais já havia acertado suas contas com a Justiça. No entanto, negou ter sido o autor das pichações apresentadas como prova e disse conhecer o responsável, dispondo-se a identificá-lo. Segundo Toniolo, o autor das pichações em questão seria seu acusador: o então prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro. Toniolo argumentou em sua defesa que o prefeito promovia as pichações T.O.N.I.O.L.O ao financiar grafiteiros através de editais, por exemplo. Estes, por sua vez, se apropriavam de seu sobrenome e o utilizavam na composição das pinturas dos muros da cidade, como foi o caso dos localizados na Avenida Mauá e Ipiranga. Não satisfeito, Toniolo também percorreu a cidade e produziu ele mesmo seu próprio dossier, no intuito de comprovar que, na verdade, seu acusador é que era o grande pichador de Porto Alegre e quem deveria ser punido. Como aquele era um ano eleitoral, não foi difícil para ele reunir o um bom número de fotos de pichações escritas Tarso Genro.

Toniolo livre!

Perguntar se Sergio José Toniolo é herói ou vilão; louco ou gênio; artista ou vândalo é uma armadilha que se deve evitar. Muito mais importante do que isso é perceber como que a história de Toniolo nos conta uma outra história do Brasil, e que a objetividade que constitui os fatos tem lá a sua loucura de ser. Com preocupação antiga sobre documentação e gestão de acervos – um perito da objetividade –, Toniolo produziu, há mais de 40 anos, um imenso arquivo de documentos, hoje digitalizados e disponibilizados em seu perfil do Facebook. São um total de mais de mil imagens armazenadas.

Desde de 2004, Toniolo está internado no Pensionato Lar Esperança, sob péssimas condições. É mantido neste local por determinação de sua curadora legal. Há anos, arrasta-se na justiça um processo de substituição de curadoria, para que um membro de sua família possa se responsabilizar por ele e então livrá-lo desta interdição. Neste local, que Toniolo denomina “hospício do horrorâ€, reduziu sua alimentação a “um toddynhoâ€, pois não encontra estômago para refeições em tal ambiente escatológico. Desde que entrou na clínica, perdeu mais de 30 quilos. Em seu site oficial, Toniolo disponibilizou vários SMS que enviou a amigos denunciando os mal tratos por que ele e os outros doentes passam, assim como dois atestados médicos que afirmam a não necessidade de internação para o seu caso. Neste endereço também constam algumas de suas cartas, reportagens, vídeos e a história em quadrinhos “Quem é Toniolo???â€, de Koostella. Em função do estado de Toniolo, que afirmara sentir que seu “fim está muitíssimo próximoâ€, o amigo e grafiteiro Trampo lançou no final de 2010 a campanha “Toniolo Livreâ€, para a qual produziu diversos materiais.

*Essa matéria foi editada e faz parte da edição nº 4 da Revista Overmundo.

P.S. Há no Banco de Cultura uma galeria de imagens de Toniolo com muitas fotos feitas pelas ruas de Porto Alegre. Você pode acessá-la aqui. Viva Toniolo!

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Inês Nin
 

http://toniolopichador.com.br/ !

Inês Nin · Rio de Janeiro, RJ 23/12/2011 18:44
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Jaques costa
 

Boa tarde amigo, gostaria de parabeniza-lo pela extensa matéria acerca do Toniolo, mas venho aqui pedir que a imagem do 'stecil' que ilustra o topo da matéria, tenha os devidos créditos adicionados, ou seja retirada, pois, além de ser o artista que criou a arte, tenho o copyright da fotografia que também é de minha autoria.
Grato.

Jaques costa · Rio Grande, RS 17/2/2012 17:51
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