Tchekhov sem legendas

Divulgação
Trepliov em uma das diversas interpretações no palco.
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Fabrício Muriana · São Paulo, SP
28/6/2007 · 129 · 5
 

Na sexta-feira, dia 15/06, fui pela primeira vez assistir Gaivota - Tema para um conto curto, montagem da obra de Anton Tchekhov, dirigida por Enrique Diaz e encenada por boa parte da Cia. dos Atores. Escrito no final do século dezenove, o texto é desses desafios absurdos para qualquer grupo que se proponha a realizar a montagem.

Na fila, claramente identificávamos a classe teatral. Não aquela que poderíamos chamar de "companheiros de classe", mas aquela que vemos à distância em palcos da cidade. Palcos como este, do Sesc Pinheiros, por exemplo, que, neste caso, foi totalmente adaptado para a montagem, esquecendo (Graças a Deus) as poltronas acolchoadas e o formato de palco italiano. Todos se acomodaram em três grandes arquibancadas montadas quase como uma semi-arena. De lá, víamos um chão branco, vazio e sete atores sentados em cadeiras.

O que falar da montagem? Minha primeira resposta seria "Não sei". Tem coisa demais. Imaginem tudo que gostaríamos de ver nas peças em cartaz, tudo junto, numa apresentação só. Gaivota - Tema para um conto curto é um latifúndio de sentidos, numa cidade com problemas de distribuição deles por seus espetáculos. Saí do teatro puto. Parecia uma apresentação feita da classe para a classe. Eles pressupõem em diversos momentos que já conheçamos a obra, e mesmo conhecendo, seria difícil apreender metade dos símbolos construídos pelos atores numa primeira apresentação.

Sabe aquela sensação de quando você vê pela primeira vez Cidade dos Sonhos? Chegam aquelas perguntas na cabeça "será que eu sou tão limitado assim?", "tudo bem, eu estou com medo, não entendi nada da história, mas meus sentidos foram profundamente afetados". Aquele sei lá o quê de incômodo. Fiquei assim por todo o sábado, quando resolvi assistir de novo ao espetáculo, o que me aclarou bastante as idéias.

Gaivota - Tema para um conto curto é dessas peças em que se arrisca muito quem atua, sobretudo num processo colaborativo, pois a falta de chão é algo sempre presente. Arrisca-se demais quem dirige, principalmente se esse se propõe a subir no palco e se jogar também, caso de Enrique Diaz. Arrisca-se um monte também quem cede o espaço, já que o limite para o fracasso está sempre muito próximo.

Tudo é planejado pra pecar pelo excesso. Se a idéia é trocar de personagens, eles trocam inúmeras vezes e os personagens se confundem em diversos momentos (os nomes russos e o trabalho corporal mediano também ajudam bastante). Se a idéia é usar simbolismo, tudo que está em cena, e é muita coisa, pode se transformar em gaivota. Se a idéia é fazer metalinguagem, a radicalização é tanta, que a linha narrativa chega a ir pro espaço.

Fica aqui uma indicação ao Sesc, específica para esta montagem: façam pacotes de desconto para quem quer ver mais de uma vez. Não é uma obra pra ser compreendida de pronto, muito menos comendo pizza depois. O aviso, inclusive, é dado ao longo da peça. Algo didático.

No final das contas, no segundo dia fiquei mais aliviado. Mesmo assim recorri ao texto, pra entender que os caras editaram o que bem quiseram, criaram falas mil, enfim, usaram basicamente o que interessava da linha central da narrativa. Sem legendas para quem não leu. Um risco imenso (se tivesse visto só uma vez, teria odiado), uma liberdade maior e uma peça pra ser vista e revista. Sem pizza marcada pra depois.

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Tetê Oliveira
 

Isso não vale, Fabrício! Agora estou aqui com uma cara de "será que sou tão limitada assim?" E não é por causa da peça, que não tive oportunidade de assistir, mas por causa desse seu final de texto.
Ok, é a primeira vez que reencontro PI desde os tempos de escola - enfim, ele parece ter alguma utilidade pra mim... Mas fiquei sem entender seu significado!!! Fui ao Google e lá está: "número transcendente e, portanto, irracional".
Quantas vezes será que terei de reler seu texto, pra entender? Preciso de legenda/tradução - help!!! :-)
Abraço.

Tetê Oliveira · Nova Iguaçu, RJ 25/6/2007 19:19
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Fabrício Muriana
 

Oi Tetê
Você tirou muito mais significado do final do texto do que eu. Na verdade isso é uma brincadeira que a gente usa na Revista Bacante, onde o texto foi publicado. Sempre colocamos cotações pras peças, mas elas nunca são "estrelinhas". Tem que ser qualquer coisa, menos estrelinhas.
Não sabia dessa peculiaridade do Pi. Passarei a usar mais.
Nem sempre coloco a cotação aqui, mas achei que nesse texto valia a pena.
Não queria te complicar mais ainda a vida de quem lê. hehe. A peça já é complicada o suficiente.
Abraço e obrigado pelo comentário.

Fabrício Muriana · São Paulo, SP 25/6/2007 20:19
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Tetê Oliveira
 

Ufa, vc tirou um peso dos meus pobres Tico e Teco!!!
Beijo.

Tetê Oliveira · Nova Iguaçu, RJ 25/6/2007 20:52
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Andre Pessego
 

Fabricio, - Aprendi ouvir com repentistas (cantodores-autores-atores-jornalistas-reporteres); me dispertei pra ler vendo cego ler romances de cordel; aprendi a aprender com os "dramas encenados nas escolas do sertão do Piauí...
- Vejo com tanta preocupação este decair (da frequência) do teatro. Faço um relação direta, entre aquela queda e o esfacelar do tecido social. um abraço, andre

Andre Pessego · São Paulo, SP 27/6/2007 18:38
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Fabrício Muriana
 

Oi A. Pêssego.
Pois é, em paralelo o teatro e as artes do corpo reaparecem em diversos outros contextos. No mundo digital isso parece começar a se desenhar. Eu não acho que o esfacelar do tecido social, que você cita, tenha relação direta com a diminuição do uso do teatro e a não descoberta do teatro por boa parte da população. MAs acho sim que o teatro tem um espaço muito pequeno, comparado com as outras artes.
Aliás, falando em Piauí, que saudade de lá.

Fabrício Muriana · São Paulo, SP 28/6/2007 10:17
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