Eu lembro quando era criança e o colégio organizava, quase que mensalmente, uma daquelas excursões para o teatro da cidade. Na semana do passeio, a peça que iríamos ver era o assunto mais freqüente durante toda aula. Era uma ansiedade só, principalmente porque ir ao cinema era raridade para nós, já que em 1991 Campina Grande só tinha uma sala de exibição. Demorava meses até aparecer um filme infantil, e semanas pra convencer nossos pais de nos levar. Estávamos tão acostumados ao teatro, que quando íamos ao cinema ver Os Trapalhões, ficávamos imaginando que a Xuxa, a Angélica e o Didi estavam atrás daquele telão enorme, por mais absurdo que pudesse parecer.
As peças eram geralmente adaptações de alguns daqueles contos de fadas, com tiradas cômicas e mudanças no fim. Quando não, envolvia algum tema tipo ecologia ou educação com os mais velhos, mas era sempre algo assim, com uma certa “moral da história” no fim. Eu adorava todo aquele clima de magia, desde a fila até os momentos finais, quando tínhamos a incrível possibilidade de falar com os atores. Durante o espetáculo, toda aquela luz bonita, mesclada a nossa imaginação infantil, nos deixava vidrados no que estava acontecendo a nossa frente. Conseguia ser divertido e simples, gerar curiosidade, interesse, despertar a imaginação, a inquietação e o encanto. Como deve ser.
Deve ser?
Questionar essas características, a princípio, parece algo meio bobo a se fazer, já que é quase consenso que teatro envolve essencialmente todos os ítens acima, correto? Estranho pensar que talvez não. Estranho pensar que a resposta de alguém quando questionado sobre a essência do teatro é fazer uma comparação entre programas de TV como o Zorra Total ou A praça é Nossa. Não há como não ficar com uma pulga atrás da orelha, principalmente se formos checar os motivos para tal resposta e acabar constatando que, faz sim sentido essa esdrúxula comparação, que esse fato é real e mais comum do que deveria ser.
É real a partir do momento que se põe numa balança as peças produzidos por estas terras. Arriscaria dizer que bem mais da metade e mais bem sucedidos espetáculos se voltam para um único gênero com características bastante similares: um humor pejorativo e escrachado, chacoteando homossexuais, expressões, comportamentos locais e o “pobre”, além de adotar palavras de baixíssimo calão em quase todas as cenas, assim como sexualidade e machismo. O meu sentimento de encanto passou, como num passe de mágica, para um constrangimento triste. Astier Basílio, jornalista que escreve semanalmente sobre teatro para o Jornal da Paraíba diz mais: “O texto não tem substância - o humor descamba pro gratuito- não há uma arquitetura dramatúrgica que me convença. Os atores se limitam a cair em estereótipos, que às vezes funcionam. Você até dá umas risadas, mas a que custo?”. Esta é a grande questão.
Quero deixar claro que não estou falando de um ou dois espetáculos, muito menos de um ou dois grupos. Obvio que há muitas e boas exceções, mas esse tipo de comédia transformou-se em praticamente uma epidemia nos palcos locais. A discussão passa a ir muito além de méritos como gosto pessoal, popularização e educação, chegando ao ponto de sobrevivência de grupos que não se encaixam nessa “formula local de sucesso”.
Inquieta com essa história, marquei com Rosa Cagliani (professora e diretora da escola de arte Fazendo Arte, além de diretora do grupo Deuzeruora Vamimbora) e alguns de seus alunos (Bia e Caio Cagliani) de teatro para falarmos sobre o assunto. Eles, que não são adeptos ao cômico escrachado, confirmaram minha suspeita: Fazer outro tipo de teatro, e principalmente comédia, depois da superpopularização do gênero em questão, ficou bem mais complicado. “É como um efeito dominó: o maior público se interessa por esse tipo de espetáculo, logo eles são sinônimos de casa cheia. Sendo sucesso de público, patrocínios para uma produção bacana passam a ser mais fáceis, tornando patrocínios para o nosso tipo de espetáculo mais difíceis. Sem grana, não podemos fazer uma boa divulgação, o que também causa público escasso. Até pra marcar uma pauta em algum teatro da cidade acaba tornando-se mais difícil, já que a preferência é por quem atraia mais público”, explica Bia.
O fato é que já temos um público cativo para as comédias apelativas, e quando questiono os prós da situação, me jogam um balde de água fria. Rosa não acha que casa cheia nesses espetáculos seja sinônimo de popularização do teatro, mas sim de um gênero, pois diz que esse público não freqüenta outros tipos de espetáculos, e quando o fazem, geralmente não gostam. “Acho que num público de 600 pessoas, talvez 5 acabem se interessando por teatro”, concorda Bia. Rosa complementa dizendo que “A quantidade de público que leva é reflexo do nível de educação da nossa sociedade, é uma questão de gosto. Tem gente que vai ao teatro para se sentir bem, tem gente que vai para ficar excitado, gargalhar. Tem gente que sai, vai num restaurante, conversa com os amigos, conta umas piadas, bebe um pouco e se satisfaz. Tem gente que sai, fica falando alto, sendo grosseiro, cantando todo mundo... Entende? O teatro que tem maior poder de público é o de humor fácil. E isso não é só uma característica Paraibana”.
A Comédia escrachada já tem tradição, é antiga por aqui. É como acontece normalmente: depois de um primeiro espetáculo e do sucesso conseguido, a fórmula é usada até a exaustão, e consegue cair de nível cada vez mais. Títulos como Pastoril Profano, Cabaré da Dera, As Coroas, As Piniqueiras, entre tantos outros, comprovam que a história foi proliferada e que o nível de exigência da maioria do público é baixíssimo e temos assim o gênero teatral que mais lucra no estado. “Esse espetáculos são feitos pra isso mesmo, o lucro. Não consigo enxergar nenhuma preocupação em levar cultura para aquela legião de espectadores”, diz Caio.
É preocupante perceber que as coisas que se tornam populares nesse país são, geralmente, de conteúdo duvidoso. Seja no teatro, na música, na televisão... Ser popular tem que ser sinônimo de ser ruim? Esta questão já é clássica, e pode nos levar a horas de discussão, mas, na prática é assim mesmo que acontece. Ter um estado que o teatro em geral é pouco beneficiado, que todos os grupos fazem das tripas coração para conseguir sobreviver e produzir, que há um espaço restritíssimo em jornal e TV para o processo de divulgação, e que quando há é bastante capenga, desestimula e impossibilita grandes produções. Temos exceções, claro. Vau da Sarapalha é um dos espetáculos mais lindos e importantes que eu já vi, mas ainda é exceção. Seriam as poucas condições de produção a justificativa para tamanho sucesso das comédias de péssimo nível ou o péssimo nível nos leva a poucas condições de produção?
Esse ciclo é sem fim, e este formato está cada dia mais presente no teatro infantil. Que tipo de público vem aí? Somos obrigados a usar uma das frases mais populares em conversas sobre o tema: É ruim, mas o povo gosta, fazer o quê?
Reflexão importante e oportuna, Carolina. Acho que o maior problema, como vc bem colocou, não é existir esse tipo de espetáculo (tem gosto pra tudo, não é mesmo?) mas, sim, SÓ existir esse tipo de espetáculo. Gostei bastante do seu texto e sua reflexão/desabafo.
Tem alguns probleminhas que vc pode resolver enquanto está na fila de edição, como sinônima, no lugar de sinônimo e um outro probleminha aqui: "a fórmula é sendo usada até a exaustão". Fora isso, bem legal sua contribuição.
Oi Ilhandarilha!
Pois é, até existe um outro tipo de espetáculo, mas esses realmente ganham mais destaque e público.
Quanto as correções, obrigada, já está td certo!
=)
eu acho esse tipo de teatro massa. Por mim o infantil que acabava. Criança tem que jogar videogame
Bruno Nogueira · Recife, PE 27/6/2007 17:23
- Carol, tudo tão igual com as encenações dos dramas pobres, de recursos materiais, levadas a cena nas escolas do sertão do Piauí. Ainda hoje não vi uma peça, uma montagem, mesmo o tantão de gente adulta, não me é diferente. Lá aprendi a aprender.
Vejo com tanta preocupação o abandono do Teatro. Relação direta entre este abandono e o degradar do tecido social, um abraço, andre
E ainda tem outro formato desses espetáculos: os bares.
Eles agora fecham contrato com um bar, e o ingresso é pago com reserva de mesa. O espetáculo é adaptado, e o cliente dá lá as suas gargalhadas tomando chopp gelado.
mas sabe do que eu menos gosto, carola? daqueles espetáculos que você vai sem sequer entender o título e sai de lá entendendo menos ainda. Olha, que o público tem que ser respeitado isso é certo, mas o artista também tem que ganhar a vida. E outra coisa, existem outros tipos de espetáculo (e digo da nossa própria cidade) sim, o Caio e a Rosa Cagliani são provas disso. Mas temos (e eles também) ter consciência de que não existe a má e a boa arte, existe aquilo com o q vc se identifica - e por isso gosta. Astier faz ótimas críticas mas às vezes esquece que existe todo um contexto histórico e cultural que fazem as pessoas daqui (e eu estou falando da nossa região) gostarem da comédia escraxada. As questões coronelistas, familiares e até econômicas explicam isso. Então pra quê essa exclusão toda? É a dita cultura popular. Mas
Sarah Falcão · João Pessoa, PB 28/6/2007 18:13Mas que fique claro que eu admiro (e muito) o estilo das peças que o Deuzeruora faz. Assim como eu acho que grande parte das pessoas que gostam de um teatro diferenciado. Acho que deveriam sim existir mais montagens como as que eles fazem. Porém, eu entendo que não dá pra fazer montagens sem público e sem patrocínio.
Sarah Falcão · João Pessoa, PB 28/6/2007 18:18
Gostei bastante de sua reflexão. terrivel perceber que não é uma questão regional, pois vivemos a mesma coisa em Belo Horizonte /MG. Anualmente temos a campanha de popularização do teatro e as peças com recorde de público e venda são as comédias, com humor apelativo e preconceituoso. Mas temos aqui grupos que tem sobrevivido a isso como o Galpão, Giramundo, Ponto de Partida, Trama de Teatro e vários outros que resistem heroicamente. E sinceramente, penso que esses sim, despertam o interesse pela arte.
Carol, aqui no Piaui a situação é triste também. e o que me entristece mais é que eu vejo gente se esforçando, estudando, batalhando pra fazer uma coisa bacana...aí aparecem dez, vinte pessoas pra assistir.
E os tais "shows de humor" nos bares lotados, lotados.
Seu texto tá muito legal, uma ótima reflexão, num momento mais que oportuno.
beijo
Oi, Carolina!
Gostei muito do assunto e podíamos aprofundar mais no fórum de discussões. É importante perceber que não é apenas aí que isso acontece e não é de hoje. Estou envolvido com o teatro desde 91 e sempre foi assim. Antes no Rio de janeiro, minha terra, e agora em Boa Vista / RR.
Existem várias situações adversas já comentadas acima pelos colegas, mas eu ainda discordo quando taxamos o povo como um adorador desta linguagem teatral. O fato é que o que está sendo servido à ele é isso aí. Talvez seja o momento dos grupos se questionarem quanto aos seus trabalhos, de se organizarem para fazer com que os seus projetos sejam vistos e não se preocuparem muito com a lotação dos bares e teatros com este gênero de "sucesso". Se esse gênero está tendo destaque por aí é porque alguma coisa certa eles estão fazendo, veja bem, não estou falando da qualidade deles e nem se gosto ou não disso, mas o fato é que eles estão trabalhando e formando o seu público.
No meu estado isso também me preocupa e decidimos em 2005 dar início a uma trilogia farsesca e o resultado de nossas apresentações nas ruas foi surpreendente. O preconceito que tínhamos quanto a um grupo de pessoas foi quebrado com o depoimento das mesmas elogiando o nosso trabalho. Acredita que já até perguntaram se nós somos de fora do estado? Quando eles tem a oportunidade de assistir a uma peça teatral é sempre este humor escraxado, mas só que desta vez a nossa estratégia foi irmos lá onde reside o nosso público e mostrarmo uma outra alternativa. Estamos satisfeitos com o progresso do nosso trabalho.
Sempre vai existir um público para este tipo de teatro, mas e daí? Qual é o problema? Será que estamos certos de sempre exigir que o público saia de sua casa pra pensar? E se os caras estão afim de se estagnar numa poltrona de teatro e só gargalhar e gargalhar?
Enfim, como disse, essa é uma discussão muito longa. E excitante.
Parabéns e abração
Por favor, votem na minha música Poesia Quântica que está na fila de edição! Obrigado.
Parabéns Carolina!
Olá Carol,
Muito bom seu texto. Adiciono apenas que voce deveria ter ouvido o pessoal que faz esse tipo de espetáculo. A opinião deles seria importante e também teríamos o outro lado da questão.
Beijos
o texto aborda uma questão realmente muito interessante... mas tem abre um dilema em relação ao meio artistico e cultural da população. O fato de ter mais público esse tipo de "espetáculo" envolve problemas desde o nível educacional e cultural da sociedade, até interesses de poder políticos que não estão nem um pouco interessados em "aumentar" tal nível.
Não é dificil entender por que esse humor escraxado tem mais apoio que os demais nos veículos de comunicação como TV e rádio entre outros patrocínios envolvidos.
Acho que seria importante ouvir também a opinião dos artistas que fazem o tipo de espetáculo em questão, afinal de contas, por mais lotados que estejam, os artístas locais estão longe viver bem com o que estão ganhando no teatro.
Existe público para este tipo de humor.O problema é grave
quando se trata da formação de crianças.
que tal "saraus na praça"? juntar poesia e música em espaços abertos. praças no centro de cidades. shoppings, etc. sei lá. é uma idéia.
André Gonçalves · Teresina, PI 29/6/2007 16:46Em Salvador temos uma produção teatral maior e mais diversificada, ainda assim espetáculos que buscam o humor fácil são comuns e de uns anos para cá viraram o que chamam de "tendência", apostando no humor típico do nordestino. Alguém pode me explicar o que são aqueles espetáculos de humor produzidos em Fortaleza? Uma horda de atores que se julgam comediantes desfilando bobagens para uma massa ignara poder rir. Tenho muito medo disso tudo!
João Figuer · Salvador, BA 29/6/2007 23:52
Olá, Carolina
Esperar o que do teatro/arte capitalista?
Gostei da sua reflexão!
Agradecido.
Olá Carolina.
Parabéns pela abordagem, gosto quando leio algo istigante, capaz de estimular nossa imaginação.
nos remetendo para o futuro. Daí a utilidade de, em certos casos, carregar na dose, engrossar a tinta. Ainda que seja para poucos espectadores, quem consegue pôr no palco hoje uma cena de antagonismo de classe e permite ao espectador pensar num assunto que julgava esquecido, já está fazendo algo de útil. Mesmo que este espectador acuse, como defesa, este espetáculo de "maniqueísta" – o velho modo de rejeitar a escolha política pelo relativismo moral –, por si, já é uma atitude de reflexão.
Gostaria só de lembrar q as pessoas q fazem parte desses grupos tem anos de Teatro, e alguns incursionaram pela TV e precisam ser valorizadas, pela dedicação com que realizam seus trabalhos. Sabemos q fazer teatro não é fácil, principalmente por estas bandas e lembrando tb q esse tipo de teatro tem um "Q" de espetáculo de rua adaptado aos palcos, daí o tom popular(esco) q foi citado. Gosto da opinião da Sarah e do Frochas, eu penso por aí tb, precisava ouvir o grupo para entender a realidade deles. Batalhadores, sei q são.
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 2/7/2007 13:03Para comentar é preciso estar logado no site. Faa primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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