Encontrei com o Pio Lobato pela primeira vez nas filmagens do projeto Música do Brasil em Belém do Pará. Não me lembro ao certo como foi a apresentação: acho que ele descobriu que nós estávamos na cidade e apareceu no hotel dizendo que fazia faculdade de música e queria escrever sua monografia sobre as guitarradas. Fiquei logo interessado no trabalho pois não é todo dia que gente com formação musical acadêmica se interessa por tradições populares discriminadas como bregas.
O mais interessante era que Pio tinha escutado os discos e estudado o estilo instrumental da guitarrada, mas - apesar de morar em Belém - nunca tinha tido a oportunidade de conhecer pessoalmente os mestres inventores dessa música, como Vieira e Aldo Sena. Convidei-o imediatamente para acompanhar nossas andanças paraenses, o que foi providencial e até membros sua banda, a potente e bem inteligente Cravo Carbono, acabaram acompanhando o Vieira na filmagem - o mestre apareceu na locação sem seus músicos. O Vladimir Cunha, overmano paraense que na época tocava na Mangabezo, presenciou tudo e até participou de uma improvisação guitarrada/psychobilly com Vieira fazendo seu número completo, isto é, tocando guitarra nas costas ou com copos.
Tenho o maior orgulho de ter contribuÃdo para esse encontro. Pio passou a ter contato freqüente com o Vieira, e isso foi fundamental para a formação da banda Mestres da Guitarrada, que reapresentou essa surf music amazônica para as novas gerações brasileiras. Antes do lançamento do CD dos Mestres - repito: é a melhor capa de CDs de todos os tempos - só era possÃvel escutar guitarrada garimpando sebos de discos à procura de LPs lançados no inÃcio dos anos 80. Eu entesouro alguns exemplares. Por exemplo, Lambada e Quebradas, lançado em 1982 por Lima - O Guitarreiro do Amazonas, que na verdade é pseudônimo do paraense Vieira (vai entender!...). Esse disco contém uma versão guitarrada supimpa para Bat Masterson, trilha de seriado de TV muito popular na minha infância. Outra obra notável da minha discoteca: Guitarradas -Lambadas Ritmo Alucinante, assinado por Carlos Marajó (será outro pseudônimo? nunca consegui descobrir quem é...), que tem entre suas faixas o Boleraço, a Melô do Aço e a Lambada Pauleira!
Sempre achei que a trilha sonora mais caracterÃstica da Amazônia, cada vez mais minha região favorita do Brasil, é um barquinho passando ao longe com o barulho pó-pó-pó de seu motor desengonçado, tocando uma guitarrada no radinho de pilha. É talvez o estilo de música para guitarras elétricas mais original que apareceu no Brasil, ou tão original quanto a sonoridade da guitarra baiana. Tanto na Bahia quanto no Pará, na base da originalidade está a releitura local de vários estilos cultivados por grupos de choro, isso misturado com pré e pós Jovem Guarda (no caso da Bahia também com frevo pernambucano) e com um gosto por ritmos calientes vindos do Caribe, que geraram muitas modas no Brasil desde o inÃcio do Século XX.
Pio Lobato, naquele encontro do Música do Brasil, me passou timidamente uma fita cassete com as experiências que já fazia a partir da guitarrada. Quando escutei, fiquei maluco. Mesmo antes de colocar a mão nos softwares de produção musical, Pio já reprocessava as linhas melódicas com loops, ecos e outros efeitos psicodélicos. Achei que ali estava o Robert Fripp brasileiro, com suas frippertrônicas regadas à tucupi. Algumas faixas daquela fita cassete já se tornaram clássicos do lado mais bacana do underground nacional, como o Recado Para Lúcio Maia, ou a Psicocúmbia que coloquei até na trilha do Deus é Brasileiro, filme de Cacá Diegues.
Mas não é que o Pio não pára de me surpreender? Semana passada chegou às minhas mãos seu novo CD, adequadamente intitulado Tecnoguitarradas. Já tinha escutado o Cyber do Pio aqui no Overmundo, mas não estava exatamente preparado para o trabalho completo, que já é um dos meus discos favoritos de 2007 (que pode ser comprado entrando em contato com a loja do Ná Figueiredo, ponto central para a inovação na cultura urbana de Belém). Pio criou um novo gênero, mixando a guitarrada com o tecnobrega.
Quem primeiro me falou do tecnobrega foi o Vladimir Cunha. Com ele e com o Pio fomos a várias festas de aparelhagem, e conheci os estúdios do Beto Metralha (produtor pioneiro do tecnobrega) e do DJ Iran (inventor do cybertecnobrega). Pio começou a trabalhar com esses produtores pós-periféricos e o resultado é perfeito, unindo dois pólos - temporais e estilÃsticos - da evolução do pop paraense, o elétrico junto com o eletrônico.
Em Tecnoguitarradas, aquela batida e os tecladinhos deliciosamente "infantis" do tecnobrega (tipo Da Da Da do Trio, essas coisas que eu chamei, num de meus raros momentos criativos, de "kraftwerk de palafitas") formam a base para melodias lindas das guitarradas. O simples, exercitado por Pio nas excursões acompanhado os Mestres da Guitarrada, repetido inúmeras vezes,cria complexidades boas para fazer o povo "quebrar" em qualquer pista de dança. E o fato das faixas aparecerem coladas uma nas outras transforma o CD em mixtape ideal para animar festas de qualquer tipo de aparelhagem. Os ritmos variam alegremente de música para música, indo até um drum'n'bass final, mostrando como o tecnobrega absorve/absorverá influências de todos os cantos, do reggaeton-bachata à champeta-trance (isso - não resisto em deixar o link - sem falar na Calle 13...), criando um território realmente e ciberlivremente pan-americano ou global.
Tomara que esse disco caia no gosto popular, fora do mundo da "qualidade". Vale a pena o esforço de tentar colocar essas músicas no rádio AM de toda a Amazônia. Estou ansioso para voltar por lá e ouvir uma tecnoguitarrada bombando no tocador de MP3 dos caboclos nos seus barquinhos, por todos aqueles rios e florestas e cidades e festejos.
El Hermano,
Muito bom o texto.. tbém sou fã de Pio Lobato e pude trocar uma rápida idéia com ele quando esteve de passagem aqui como Mestre Vieira para tocar no Forró Caju durante o São João. Por aqui Pio Lobato pode mostrar um pouco da tecnoguitarrada e o pessoal ficou louco.. também quando Mestre Vieira tocou com guitarra usando um guarda-chuva.
Como sugestão somente acho que é válido colocar o emial ou contato da loja do Ná Figueiredo para quem quiser adquirir o cd. E talvez colocar alguns MP3s ou link para algumas músicas.. para saciar pouco aquela vontade de escutar as diversas referências musicais citadas na colaboração.
Abraço.
oi Thiago: você foi rápido no comentário - ainda estou colocando os links no texto! valeu!
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 14/7/2007 21:54Adorei o disco do Pio Lobato também. Já consegui vê-lo ao vivo duas vezes e mal posso esperar para ver a tecnoguitarrada em cima do palco (ou da aparelhagem). Aliás, acho que as músicas do cd são hit em qualquer festa, da Amazônia, do resto do Brasil e do planeta. Deixa só o Diplo descobrir o Pio Lobato...
ronaldo lemos · Rio de Janeiro, RJ 14/7/2007 22:13
Agora sim saciarei minha fome sonora (heheheh) nem reparei que a colaboração tinha entrado a pouco tempop na fila... foi maus..
Parabéns pelo texto!
Salve Pio e os Mestres guitarreiros!
Abraço
Hermano,
Cumprimentando-o, mais uma vez foi feliz em sua colaboração. PIO é idolo por aqui pela Mangueirosa. Sua performance em cima do palco é de arrazar.
Valeu. Abçs. Benny.
Estou seguindo o link e me surpreendendo com o Pio. Pena não dar para ouvir a versão do tema de Bat Masterson... Seu texto é uma aula sobre o estilo e as influências dele. Principalmente para quem, como eu, é incapaz de saber, musicalmente falando, onde e quem influencia o que.
Ilhandarilha · Vitória, ES 16/7/2007 22:34uma coisa que faltou dizer, ou deixar mais explÃcita, no texto: gostar de guitarrada hoje é mais fácil - como é um estilo antigo, já não mais no auge da sua popularidade, sua apropriação pelos circuitos da "qualidade" se torna aceitável - já com o tecnobrega a história é diferente: como é muito novo e muito popular na periferia hoje, a tendência dominante é manter distância "crÃtica", acusando a novidade de "baixaria" ou termos do gênero - por exemplo: foi muito mais difÃcil a aceitação da apropriação da jovem guarda pelo tropicalismo, pois era feita no ápice da popularidade da turma de Roberto Carlos, do que é hoje em dia a apropriação do samba-rock por uma turma de DJs e bandas moderninhas (não vai aqui nenhum juÃzo de valor...) - o mais interessante das tecnoguitarradas é que misturam as duas coisas, o passado e o presente das criações culturais da periferia... esse é um assunto complexo: um dia escreverei um texto inteiro só sobre isso...
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 16/7/2007 22:49
Hermano, fico impressionado com a caracterÃstica brasileira de se reinventar a cada dia. Na época do Música do Brasil não existia ainda o Tecnobrega! E derrepente virou uma febre. Porém, aqui em Belém ainda existe essa "diferença de classes" arreigada e bem marcante quanto ao Tecnobrega. O Pio, tanto no Cravo como no seu projeto solo, é o primeiro artista local que tenta quebrar essa barreira. Mas me parece que pra tocar nas aparelhagens ainda rola o toma lá da cá: tem que fazer música elogiando os caras...quem sabe esse disco não muda essa situação?
Tua resenha está , como dizemos por aqui, firme!
Ps: já avisei o Pio do teu texto!
Abraços!
Gostei muito, Hermano. Essencial para mim que nunca havia ouvido falar de tal figura.
Abs,
Os delays nos arpejos de guitarra são "o fino"...esperto esse Pio...
Mansur · Rio de Janeiro, RJ 18/7/2007 21:37tecnologia + simplicidade + inventividade + guitaras + efeitos + loops + delays + guitaras – efeitos + Jovem Guarda + Robert Fripp + Aldo + Vieira + Pio Lobato + Dodo + Osmar + pau elétrico + Londres + Amazônia + globalização + caboclo + mp3 + radinho de pilha + estudo + baile + erudição + sabedoria popular + tucupi + tacaca + McDonalds + psicodelismo + curanderismo+ alguma coisa + tudo misturado = saboroso caldo cultural tecnológico popular minimalista sofisticado bem temperado. Quem quiser conferir mais desta mistura acesse o video guitarradas de Pio Lobato no youtube com aquelas bundas todas rebolando freneticamente ao som de guitarras eletrizantes. Muito Bom!!!
Gyothobat · BrasÃlia, DF 18/7/2007 23:44Pio Lobato, amigo, músico, pesquisador.... Divertidos encontros co ele nos tempos do Chico Corrêa & Electronic Band.. o Show no Centro Cultural Banco do Brasil q assisti dele foi uam das experi~encias mais GRAVES(me refiro a frequência utilizada nas guitarras) q já tive.... Sem dúvida o som é , no mÃnimo, enriquecedor pra quem ouve.
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 19/7/2007 12:48Escutem ...publiquei agora...pra quem gosta de samba-choro...
Mansur · Rio de Janeiro, RJ 20/7/2007 01:19
Grande Hermano. Continuo acompanhando voces...
Abraco,
Paulo Murilo
Conheci o Pio pessoalmente No RecBeat, por intermédio do Helder (Dj Dolores) em meados de 2002, desde entao ficamos bons amigos e começamos a trocar idéias musicais, ele me apresentou o Tecno brega, A Gabi do Tecnoshow, A turma do Pará, Os mestres etc. Acabamos nos encontrando mais vezes, em eventos fora dos nossos estados (PB e PA), no Rio, BrasÃlia, Sao Paulo e no Pará, e sempre que estávamos na mesma área faziamos algo juntos. Pio tem uma riqueza musical e uma inquietação tamanha, é o Ry Cooder do Pará, tem cara de nerd mas é um maluco musical (no bom sentido) dos bons, além de se adapta fácil a qualquer contexto musical com muita personalidade.
chico.correa · João Pessoa, PB 8/9/2007 23:36muito bom ver Chico falando do Pio no Overmundo. Viva a união Pará-ParaÃba!
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 9/9/2007 03:11Cheguei um pouco atrasado na discussão, mas a conversa despertou meu interesse. Um dos trabalhos que eu destacaria é a da minha amiga cantora e DJ: Catarina Dee Jah. Como Hermano falou, hoje é muito mais fácil apreciar o trabalho de Aldo Sena, Mestre Vieira, eu chamo atenção de Poly também, porque isso já virou, salvo raros extremismos, algo respeitado pela elite cultura. O tecnobrega ainda não passou nessa peneira e continua recebendo aquele olhar de estranhamento dos arautos da boa música. Catarina faz um trabalho super interessante, recheado de influências que vai desde dos anos 60 chegando até o tecnobrega. A música dela é sincera, se apropria de tudo sem afetação. Ela ainda está trabalhando no seu disco, mas quem quiser pode conferir 3 músicas no myspace (a que tem uma levada de tecnobrega é Kay Fora). No palco ela ainda faz uma versão da música do Pica-pau da banda VÃcio louco, essa canção ainda não tem vÃdeo oficial, mas fizeram um clipe usando cenas do desenho do Pica-pau http://br.youtube.com/watch?v=97_hUfRy6WA (essa música é muito boa não deixem de ver). Quando tiver mais novidades dou o toque por aqui.
Filipe Barros · Recife, PE 4/12/2008 13:14Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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