Teia07: Cobertura cultural independente é o que há

Iolanda Huzak / divulgação Teia2007. Direitos reservados.
Uma das mesas de discussão da Teia 2007: conclusões em grupo
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Mi [de Camila] Cortielha · Belo Horizonte, MG
11/11/2007 · 372 · 20
 

Sábado de feriado, 9h da manhã e se encontraram na Casa do Conde, aproximadamente 100 pessoas para a Oficina de Jornalismo Cultural da Teia 2007, que duraria dois dias. Estavam presentes profissionais, professores e estudantes de jornalismo, agentes e produtores culturais, além de curiosos, educadores e convidados da organização. Ninguém parecia saber muito bem o que aconteceria. Nos convites e divulgações da oficina, nenhuma programação foi detalhada. As únicas informações dadas foram (1) que a Oficina aconteceria para montar uma agência de notícias que cobriria a Teia 2007; (2) a pauta discutiria jornalismo cultural, produção colaborativa de conteúdo, web 2.0, software livre, direitos autorais flexíveis e afins; e (3) a lista de "provocadores" convidados ia desde o blogueiro mais bem sucedido do Brasil até membros do MinC.

Provocadores parece bem a palavra certa. Ao invés de colocar palestrantes e especialistas contando o que é jornalismo colaborativo, o Instituto Pensarte se associou à Papagallis, que propôs dinâmicas de grupo para discutir e estimular a consciência, o pensar e o produzir coletivos (foram adicionados convidados que atuaram como provocadores junto ao público).

Essa atividade se repetiu três vezes: cada hora respondendo a uma pergunta diferente: Porque estamos aqui?, O que é jornalismo cultural independente?, Para quem fazer jornalismo cultural independente?. Funcionou assim: cada cinco pessoas se reuniam em uma mesa forrada de papel e eram incentivadas a discutir a pergunta da vez e a registrar no papel, como quisessem, conclusões ou dúvidas sobre o assunto (veja fotos e repare nas toalhas das mesas - e no meu infográfico!). Passados vinte minutos, quatro dessas pessoas se dirigiam a mesas diferentes e aconteciam mais vinte minutos de debate. Depois de três ou quatro trocas, as pequenas mesas saíam de cena e se formavam os aquários, uma maneira de discutir com um grupo grande que garante a participação de todos, sem aquela gritaria que costuma-se ver por aí.

VOZ DE TODOS
Sem a centralização do microfone, todos acabam tendo voz e, ao invés de chegar a uma conclusão ou de engolir uma verdade, chegam-se a várias conclusões, encontram-se várias verdades e várias idéias são instigadas.

As principais idéias que se infiltraram na minha mente:

  • Jornalismo cultural independente é (ou deve ser) mais livre no texto, mais opinativo, mais crítico, menos formatado no padrão da mídia convencional.

  • O jornalismo cultural independente tem, mais do qualquer outro jornalismo, um papel educativo e de utilidade pública: levar notícias feitas por e/ou sobre culturas diferentes para as mais variadas camadas da população.

  • Não dá para fazer jornalismo cultural independente em veículo de massa "estabelecido", principalmente porque um dos objetivos é cobrir produtos culturais diversos não-pasteurizados pela indústria cultural, ou seja, de pré-interesse questionável na visão dos editores movidos a agenda-setting. A exceção para esse caso pode se dar em veículos públicos, que não têm tanto compromisso com os números de audiência como a mídia privada. Mas, para essa exceção, deve se pensar especialmente em praticar um jornalismo independente, aproveitando o aparelho para combater a agenda-setting, levando notícias mais diversificadas e ainda assim atraentes.

  • Há que se pensar novos meios para transmitir notícias, a internet ainda é um meio considerado de restrito acesso, seja por motivos econômicos ou mesmo por dificuldade em compreender a rede. Uma idéia que me chamou a atenção: esquetes jornalísticas(!).

  • Não é necessário ser jornalista para fazer jornalismo cultural independente (o Overmundo está aqui "de prova"). Porém o jornalista talvez possua mais ferramentas para produzir conteúdo mais versátil e mais completo, que proporcione maior credibilidade.

  • Para garantir a diversificação de conteúdo, é essencial a atuação de cada um dos ativos em rede, independentemente. Cada um dos pontos de divulgação (seja um indivíduo, uma iniciativa, uma instituição etc) deve passar e repassar informações de maneira mais ampla possível, usando e abusando das tecnologias disponíveis (leitor de rss, agregadores de conteúdo e tudo mais web2.0).

    ATIVAÇÃO DE TODOS
    Por falar em trabalhar em rede, a dinâmica que iniciou os trabalhos no segundo dia foi sobre isso. No salão, cada uma das cem pessoas presentes escolheu, sigilosa e individualmente, dois alvos. O objetivo era ficar eqüidistante (ou seja, à mesma distância, não necessariamente no meio do caminho) dos seus dois alvos. Em minutos, todos se organizaram sozinhos, bem distribuídos no salão, com maior concentração no centro. Não parecia haver ordem ali, mas quando perguntados se haviam atingido o objetivo, quase todos levantaram as mãos. Em uma segunda etapa da dinâmica, a pessoa que liderava instruiu que a pessoa tocada no ombro por ela deveria se sentar e que, ao ver um de seus alvos sentados as pessoas deveriam se sentar também. Foi impressionante a velocidade, não mais que dois minutos foram gastos para que todos se sentassem. Então a líder anuncia que, para alcançar todo mundo, tinha encostado no ombro de apenas quatro pessoas. Ou seja, quatro pessoas desencadearam a ação de quase cem!

    IMPRESSÕES DE TODOS
    A mistura entre o jovem espírito colaborativo (que enxerga que a internet e a convergência de mídias mal começaram a mostrar a que vieram e serão aprendidas e, principalmente, CONSTRUÍDAS em conjunto), a utopia cega (pensando o mundo como limite e se esquecendo de questões práticas como finanças, estrutura e credibilidade) e o profissional cético (castigado pelo mercado e acomodado em sua boa cadeirinha que pensam que a evolução tecnológica ou já acabou ou vai demorar DEMAIS para chegar na realidade brasileira), foi um tempero bom para o debate.

    Inclusive, a diversidade de pontos de vista foi essencial para que se desenvolve e extrapolasse o tema. Dedicamos parte da conversa a discutir o que é cultura? (é o que se faz? o que se vende? o que se vive?) e também o que é independente? (talvez fosse melhor chamar de autônomo ou alternativo?).

    O resultado foi um acúmulo de pessoas e experiências diferentes, com pensamentos diferentes sobre o jornalismo cultural independente, com a única instrução de escrever o que quiser, aonde quiser, desde que use a tag ou categoria teia2007 (aqui no Overmundo, não se esqueça de colocar também teia-2007), e que o feed esteja cadastrado no del.icio.us, para que toda a produção seja agredada à Agência Teia 2007.

    Ah! E não precisa ter participado da oficina para escrever sobre o evento, basta dar uma olhada na na imensa programação ou passear nas ruas de Belo Horizonte, que vai estar em polvorosa entre 7 e 11 de novembro. Tampouco precisa-se limitar a cobertura jornalística independente na Teia, certo? A idéia é que se espalhe essa idéia!

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    Saulo Frauches
     

    Bacana, Mi. Todo mundo é um potencial produtor de discurso, e o jornalismo colaborativo está aí para mostrar o argumento na prática. Pena que a idéia ainda enfrenta resistências tão conservadoras com em algumas faculdades de comunicação - até entre alguns estudantes destas faculdades, talvez pelo medo de "vão roubar meu emprego".

    Saulo Frauches · Rio de Janeiro, RJ 9/11/2007 12:49
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    Helena Aragão
     

    Beleza, Mi! Que mundo bacana esse onde todos têm voz e podem cobrir os eventos que gostam, até mesmo se for para fazer críticas construtivas. Todo mundo ganha!

    Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 9/11/2007 13:08
    1 pessoa achou til · sua opinio: subir
    Mi [de Camila] Cortielha
     

    Saulo, e quem ficar fora dessa onda de colaboração vai acabar sobrando mesmo, mas por culpa própria, néam?! ;)

    Helena, precisamos utilizar mais essa voz, que todo mundo tem MESMO, você não acha?

    Ah, e eu acrescentei bastante coisa desde a leitura de vocês, vale a pena ler de novo! ;)

    Mi [de Camila] Cortielha · Belo Horizonte, MG 10/11/2007 13:50
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    Jorge Rocha
     

    bem q algo desse tipo poderia ser estendido ao blogcamp mg

    Jorge Rocha · Belo Horizonte, MG 12/11/2007 02:03
    1 pessoa achou til · sua opinio: subir
    Mi [de Camila] Cortielha
     

    Jorge, o modelo que eles propõe para a "desconferência" é legal, mas precisa de mais de um espaço. Quem quiser falar sobre alguma coisa, escreve no papel e distribui na grade (rolam várias atividades simultâneas), aí o público escolhe pra qual ir e tem liberdade total de mudar de grupo quando bem entender!

    Mi [de Camila] Cortielha · Belo Horizonte, MG 12/11/2007 03:41
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    Leandro Lopes
     

    Boníssimo!!!

    Leandro Lopes · Belo Horizonte, MG 12/11/2007 10:47
    1 pessoa achou til · sua opinio: subir
    Sander Kelsen
     

    Ha!
    Eu participei da oficina de jornalismo cultural independente!
    Experiência única.

    Sander Kelsen · Belo Horizonte, MG 12/11/2007 11:54
    1 pessoa achou til · sua opinio: subir
    Higor Assis
     

    Gostei da colaboração. No papel é bom veremos na prática!

    Higor Assis · São Paulo, SP 12/11/2007 12:03
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    dMart
     

    legal, Mi.

    colaboração é a palavra mais forte.

    atuo há 5 anos como editor de um programa de jornalismo cultural na TVErs, o Estação Cultural. a realidade do nosso trabalho é um mix de coisas "pautadas" e "criadas", com enfoque regional sem deixar de olhar para o que está rolando no mundo. a questão é a busca de um equilíbrio.

    parabéns à Teia!

    baita abraço, dMart.

    dMart · Porto Alegre, RS 12/11/2007 12:49
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    Walesson Gomes
     

    Bacana MI...muito legal mesmo.

    Walesson Gomes · Belo Horizonte, MG 12/11/2007 18:34
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    Alê Barreto
     

    Mi, tua cobertura está de parabéns, aprendi muito!

    Alê Barreto · Rio de Janeiro, RJ 12/11/2007 22:57
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    Felipe Gurgel
     

    Muito legal. Só senti falta de uma preocupação nesse texto. Eu diria que é URGENTE a transferência de valores desse jornalismo para a mídia tradicional hoje. Somente assim você projeta guetos e cultura alternativa de forma decente para uma larga escala de público. Apesar de que a proliferação da mídia alternativa e de fenômenos colaborativos como o You Tube tomam de conta também.

    Felipe Gurgel · Fortaleza, CE 13/11/2007 01:53
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    FILIPE MAMEDE
     

    Excelente contribuição e um encontro pra lá de necessário. O jornalismo independente agradece. Mi, olha só, a última edição do LADO (R), uma fanzine, para o qual colaboro, ficou pronta. Se você quiser divulgar por aí, posso mandar uns exemplares pra vc.
    Um abraço.

    FILIPE MAMEDE · Natal, RN 13/11/2007 10:18
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    Alexandre Grecco
     

    Legal esse exercício de dinâmica, bem estimulador. E o Jornalismo é isso mesmo, só que tenho uma idéia tambéma leantar sobre o Jornalismo em geral´; nós temos que ter a consciência que não somos mais portadores de conhecimentos ocultos, hehehe! A notícia, o fato, não é mais novo, nunca é. Temos que saber que não somos mais porta vozes da luz. Não estamos trazendo a público o desconhecido, só assim podemos fazer - ao meu entender - um jornalismo interessante e muito mais "antenado" e coerente...

    Alexandre Grecco · Fortaleza, CE 13/11/2007 17:49
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    Marcos Paulo Carlito
     

    Votado Mi,

    Parabéns pela divulgação!!!

    Marcos Paulo Carlito · , MS 15/11/2007 16:46
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    Nanda Dreier
     

    Bom seria se eventos desse tipo se estendessem por todos os cursos de Jornalismo do país, ainda falta consciência.

    Nanda Dreier · Chapecó, SC 19/8/2008 09:23
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    Carol Assis
     

    Isso aí, legal encontrar este conteúdo , estamos em uma oficina de conteúdo colaborativo e a matéria trouxe boas contribuições para nossas discussões. Nunca é tarde para contribuir!

    Carol Assis · São Paulo, SP 19/8/2008 09:26
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    Dessah
     

    Que bela idéia vocês tiveram, caras! Uma tema tão aberto e presente, no jornalismo atual, como esse merece mesmo ser debatido de forma racional e coletiva.
    Concordo plenamente quanto a idéia de ter matérias feitas por pessoas que estão fora do ramo jornalístico, mas talvez faz-se necessário um olhar profissional sobre as matérias. Não pela questão estética, mas pela questão de relevância das notícias publicadas.
    Continuem com o trabalho, quem sabe assim poderemos trazer um pouco das boas idéias do jornalismo colaborativo on-line, para os meios convencionais. Melhorando - muito - a qualidade da notícia entregue à população.
    Parabéns!

    Dessah · Xaxim, SC 19/8/2008 09:28
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    Adriane Rech
     

    Acredito que o Jornalismo Cultural, seja um bom caminho para novas discussões e uma inovação na busca de opiniões e interpretações. Além disso, o conhecimento adquirido fora de um padrão tradicional, leva a busca de novos pontos culturais a serem descobertos através da internet.

    Adriane Rech · Quilombo, SC 19/8/2008 09:30
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    Reges Hengen
     

    É interessante o modo como foi executada a Oficina de Jornalismo Cultural. A idéia de sair do modo "teórico", buscando um trabalho em equipe e eliminando um palestrante, faz com que as pessoas produzam mais através da própria prática.

    Discordo do ponto de vista em que o autor cita que não existe necessidade de jornalista para prática do Jornalismo Cultural. Pois o próprio nome diz "Jornalismo Cultural", jornalismo associa-se a jornalita. Caso contrário, o termo deveria ser apenas "texto cultural", ou "produção cultural".
    No decorrer do tópico o autor cita um ponto que lembrei logo que lí o inicio do parágrafo. Pois caso esse jornalismo seja práticado por não-jornalistas, aonde ficará a credibilidade? Aí só podemos deixar um ponto de interrogação mesmo. O que esperamos é que com o tempo, as pessoas não avalíem que o próprio Jornalismo Informativo possa ser feito por não-jornalistas, baseando-se na tal da democracia da informação.
    Creio que cada um pode transmitir suas opiniões em forma colaborativa em blogs, etc. Mas a partir do momento que transmite informação, deve-se apenas ao jornalista o papel de informante.

    Reges Hengen · Chapecó, SC 19/8/2008 10:25
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    Uma das mesas em que estive: Levar a cultura de todos para todos
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    Um dos infográficos que eu fiz, respondendo a pergunta "porque estamos aqui"
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