Fui uma das muitas pessoas que se divertiram lendo a entrevista do Lima Duarte na Folha de SP no fim de semana passado. Parece um prazer meio sarcástico para quem acha a qualidade da programação de TV ruim ver um figurão que faz parte dela abrir o verbo e detonar tudo à sua volta. Foi uma fala muitas vezes má educada, rabugenta, e nos sentimos um pouco vingados – apesar de, como ele, sermos meio cúmplices daquela gororoba insossa de novela + novela + telejornal + novela no horário nobre há tantos anos. Fico imaginando a reação nos corredores do Projac nos dias seguintes à publicação (deste ou de qualquer raro desabafo que se vê por parte de quem faz parte da “famÃlia†global). Imagino alguns olhando para o coroa com uma cara de espanto (“Está completamente leléâ€, devem pensar) e outros o cumprimentando discretamente por falar tudo que eles sempre acharam, mas nunca tiveram cacife para revelar...
Mas esse texto não é para discorrer sobre a repercussão da lÃngua ferina de Lima Duarte. Na verdade, só comecei falando nisso porque foi lendo o jornal que parei para pensar sobre os destinos de um dos colegas para quem Lima apontou sua metralhadora giratória: o Tony Ramos. Até que o velho ator nem pegou tão pesado com o galã das noveleiras de meia-idade. Apenas disse que jamais faria um sotaque tão bizarro quanto o do grego Nikos (interpretado por Tony) em BelÃssima. PolÃtico (como foi pouquÃssimas vezes na entrevista), Lima ainda mandou um “adoro o Tonyâ€.
Pois é, difÃcil odiar o Tony. Mesmo no Orkut, território onde a fórmula “Odeio fulano†se espalha fácil como as filas de formiga na minha casa, só há duas comunidades para mostrar repúdio ao ator – ambas com pouquÃssimos adeptos e criadas pelo mesmo sujeito. Ok, ok, não se pode dizer o mesmo em relação à sua famosa exuberância de pêlos, mas aà é outra história*. Mesmo para quem não agüenta a quantidade de papéis mela-cueca que ele interpreta, é bem complicado afirmar que ele é ruim, trabalha mal.
Na verdade não sou a pessoa mais indicada para analisar a carreira do Tony Ramos. Tive minhas fases noveleiras, mas não tenho condições de fazer um balanço da atuação dele na TV e no cinema – até porque antes de eu nascer ele já tinha um senhor currÃculo. Então o que faço aqui é uma reflexãozinha apenas com base no que lembro. E desde que me entendo por gente Tony Ramos é bonzinho. Na vida pessoal, é O exemplo de cara famÃlia (parabéns para ele). No trabalho, é tido como uma pessoa Ãntegra e bem educada (palavras da Wikipédia, baseadas não sei em quê. Mas acredito, e pelo visto todo mundo que leu o verbete também. Alguém teria coragem de contestar essa frase?). No decorrer da carreira, ele teve um punhado de bons papéis que destoam da maioria calcada na fórmula galã-do-bem. Um exemplo? O amigo do protagonista de Pequeno Dicionário Amoroso (um tipo machista. Ele estava muito bem posando de canalhão). Também lembro de rir muito com as participações dele na Comédia da Vida Privada. Não vi Cabocla, mas tenho boas lembranças da gargalhada da minha mãe vendo as cenas dele como um coronel caipira.
Tony manda bem em comédia, me parece. E olha que nem vi Se eu fosse você, o recente filminho-pipoca em que dizem que ele é a melhor coisa (fazendo rir, claro). Mas é até sacanagem limitar os bons momentos dele a esse gênero. Teve o tal do Clementino, o atormentado de Torre de Babel que matou a mulher traÃra a “pazadasâ€. Parecia a grande oportunidade de ver o ator fazer papel denso na TV. Mas aà já era. Parece que o público já estava acostumado com Tony-bonzinho e o Silvio de Abreu teve que repensar os destinos - não só do personagem (que, claro, ficou bonzinho), mas de toda a novela. Como disse antes, não tenho condições de falar da temporada de novelas pré-Torre de Babel (porque não me lembro mesmo, mas se alguém lembrar, o espaço para comentários aà abaixo é livre). Mas desde então é assim. Não fossem duas ou três chances de ver personagens engraçados, é sempre a mesma xaropada ora boa-gente, ora corno-manso. Neste último quesito, ninguém fez mais “mal†a Tony que Manoel Carlos. Lembram do Miguel, o dono da livraria de Laços de FamÃlia? E o Teo, o saxofonista de Mulheres apaixonadas (que o Casseta e Planeta sacaneava com pêlos saindo até pelo saxofone)? Pô, Tony merece algo mais do que interpretar personagem cuja única serventia é ser corneado por mulheres taradas pelo José Mayer (cruzes, tem gosto pra tudo...).
Ufa! Acabou o desabafo. Se o Lima Duarte pode, eu também posso! Mas tudo isso serve para eu deixar aqui o meu apelo: Tony, quero te ver mau! Ou pelo menos ambÃguo! Não precisa ser um assassino de mulheres, um personagem menos maniqueÃsta já faria diferença. Imagino que um ator com essa experiência tenha alguma liberdade para escolher seus personagens na TV... Alguém tão bonzinho na vida real bem que podia dar uma variada na ficção!
Pronto, falei. Não tenho muitas esperanças de ser atendida, mas tudo bem. Sou paciente e prometo aturar o Nikos chamando a Julia de Zulia até ver Tony num papel melhor. Mas a minha satisfação vai ser mesmo se daqui a alguns anos ele sofrer uma sÃndrome de Lima Duarte e sair falando desembestado sobre tudo que não gosta. Tony é bonzinho sim, mas convenhamos, também é filho de deus!
* Para quem ficou curioso e com preguiça de ir procurar, listo pelo menos três nomes de comunidades: Seria Tony Ramos um urso?, Meu cão parece o Tony Ramos e Tony Ramos é um lobisomem. Maldade, maldade...
hahahahhahahahahahahahahahahaha
To rolando de rir aqui,Helena!
hahahahah. Eu também quero o Tony Ramos mau, vamos iniciar um movimento!!
sorriso de uma ponta a outra. muito bom seu texto.
annak · Fortaleza, CE 8/4/2006 17:52Nem assisto novela, mas confesso q o txt me deixou curioso. Muito bom !
Edmundo Nascimento · João Pessoa, PB 10/4/2006 10:10
Minha mãe me batizou inspirada em André Cajarana, interpretado por Tony em alguma novela dos anos 70. Vou mandar o texto pra ela, pra quem sabe entrar na luta "Por um Tony Ramos mau". A entrevista com Lima Duarte foi tudo de bom!
Ô, Helena, então você perdeu a peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, que passou no Rio no ano passado? O Tony fazia um sujeito bem escroto, ligado à repressão do governo de Vargas logo após a Segunda Guerra Mundial que entra em conflito com um judeu que tenta obter o visto de imigração. Foi um belo dum papel mau!
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 24/10/2006 18:12Oi Fabio, perdi sim, queria ter visto essa peça. Esse texto foi do comecinho do Overmundo e como digo nele, não posso falar com total propriedade da carreira de Tony porque na verdade acompanhei pouco... Foi mais uma constatação louca e uma vontade de escrever sobre algo de televisão, porque acho (e continuo achando) que pouco se fala sobre isso por aqui.... Abraço!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 25/10/2006 15:32Tem toda razão. Eu gostaria de escrever um texto sobre TV - talvez algo sobre a profusão de séries de TV lá de fora que estáo chegando a nós nos últimos anos pela TV a cabo e as tentativas brasileiras de "contra-atacar", como séries como a excelente Mandrake, da HBO, e a hilária Mothern, do GNT. Você já viu?
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 26/10/2006 01:42Nossa...to lendo seu desabafo aqui e pensando...ele foi atendido afinal o Antenor tem justamente essa ambiguidade que voce pediu...Ta com moral na Globo hein! rsrs Parabens! Otimas observações.
Herton Gustavo · Cuiabá, MT 27/5/2007 02:55Caramba, tava pensando mesmo em fazer esse comentário sobre o Antenor. Não tô vendo a novela mas fiquei feliz de saber que ele está piorzinho. E fazendo muito bem o papel, pelo que dizem. Hahahaha, sensacional esse "tá com moral na Globo". Será que alguém por lá leu o texto e resolveu atender minhas preces? hehehe. Abraços
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 28/5/2007 13:01Comédia o seu texto, adorei !!!!!!!!!!!rs
carol de trancinhas · BrasÃlia, DF 25/6/2007 16:10Helena, sei que o texto tem a pretensão de falar sobre televisão. Mas vale dizer: eu não tenho lá muita simpatia pelo Tony Ramos (e tampouco pelo Lima Duarte!) como atores de telenovela. Mas, ainda no século passado, tive a oportunidade de assistir a "Cenas de um casamento", do Bergman, que fez com Regina Braga, no Teatro Leblon. E foi ali que precisei dar o braço a torcer. Em palco, o que faz dele um canastrão na TV, vira ponto a seu favor. Drama por drama, fico com ele no palco e dispenso até mesmo um Antenor...
Oona Castro · Rio de Janeiro, RJ 10/8/2007 17:52
Helena...
É a primeira vez que leio um texto escrito por você! Confesso que embora não concorde com algumas crÃticas do ator Lima Duarte (ao também ator Tony Ramos), o eterno "Zeca Diabo" ( http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Bem-Amado_(telenovela) ) parece ter razão na maioria das colocações pessoais.
"Lima" é um ator sério e faz parte da história viva da televisão: passou por todos os departamentos da "telinha" desde os anos 50 - em preto e branco, colorida e agora digital. É à s vezes rabugento! Qual é o astro ou estrela da tv, cinema e teatro que não é chato ou mesmo, que não quer ter os seus 10 segundos de fama? Lima Duarte é um caso à parte! Tem talento de sobra... O que ele fala deve ser analisado e estudado! É um dos melhores atores que este paÃs produziu ou gerou, apesar de não ter cara de “galã†e possuir uma voz de “taquara rachadaâ€. Mesmo sendo mau-humorado (uma vez gravei o programa “Som Brasil†- Rede Globo, e fiquei com medo da cara feia do “Limaâ€), eu tiro o chapéu para o gênio vivo que interpretou os grandes personagens: “coronel Sinhozinho Malta†( http://revistaquem.globo.com/Quem/0,6993,EQG983376-3428,00.html ), "Zé Bigorna" ( http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/crime-de-ze-bigorna/crime-de-ze-bigorna.asp ), “Salviano Lisboa†( http://pt.wikipedia.org/wiki/Pecado_Capital_%281975%29 ), além de dá vida ao gato “Manda-Chuva†( http://pt.wikipedia.org/wiki/Lima_Duarte_(ator) - dublagem sem comparação!
Falando de “Tony Ramo†(http://pt.wikipedia.org/wiki/Tony_Ramos ) - um grande ator com certeza - gosto mais das interpretações até inÃcio de 1981.
Os atores em destaque são dois “monstros da interpretaçãoâ€. O público (sou também noveleiro) fica dividido na aceitação ou recusa, das crÃticas ácidas do “Lima†(limando a atual fase televisa da Rede Globo), tão bem colocadas na entrevista comentada.
Aplausos para a excelente narração da amiga “Helenaâ€. O texto traz reflexão e uma crÃtica (de leve) à dramaturgia da “Globoâ€.
Parabéns!
Beijão!
Lailton Araújo
Oona e Lailton, obrigada pelos comentários. Este foi um dos primeiros textos que escrevi para o Overmundo e me divirto em ver que, de certa forma, estamos acompanhando a carreira do Tony por meio dele. Viva a internet, que faz um texto continuar vivo sempre! E viva o Tony - independente de gostos e desgostos, acho que ninguém pode negar que ele é um senhor profissional.
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 13/8/2007 12:30Por preciosismo, resolvi corrigir a mim mesma: a vÃrgula na minha frase "o que faz dele um canastrão na TV, vira ponto a seu favor" é um erro - separei o sujeito do predicado - tsc, tsc. Mas acredito que a correção me redima.
Oona Castro · Rio de Janeiro, RJ 16/8/2007 20:01Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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