Tyto Livi lançou em 1977 o seu primeiro e último disco - um dos primeiros a ser gravados de forma independente no Brasil e até hoje cultuado por fãs catarinenses. Mas afinal o que fez o advogado Ortenilo Azolini abandonar tão precocemente a música?
Falar do trabalho de Tyto Livi, no meu caso, talvez seja um processo de velamento. Diferente das demais pessoas, que terão a oportunidade, se ainda não conhecem, de desvelar o compacto Memórias de um certo louco, lançado de forma independente em 1977. O motivo que me aproxima do trabalho deste artista – que se recolheu depois de seu primeiro e único disco – é simples: sou natural de Chapecó-SC, cidade que Tyto Livi, natural de Vargeão, adotou para morar. Acho que essa aproximação poderia explicar tudo, mas proponho outra explicação, sem a intenção de esclarecer nada, apenas para complicar um pouco mais.
Quando nos perguntavam (a mim e ao meu irmão), qual era o ponto referencial que nos aproximava do trabalho do Marcelo Birck (produtor da demo Campo e lavora, dos discos Repolho Vol.1 e Vol.2, e do disco dos Irmãos Panarotto, 2Violão e 1Balde), a resposta era muito simples. Passamos a nossa infância escutando o compacto do Tyto (junto com outros discos, não muitos) em uma pequena vitrola, mas, preciso frisar, em 45 rotações (pra ser mais rock, é claro). Isto é, as estranhezas que as pessoas (alguns crÃticos também) observam no trabalho de Birck eram, para o nosso universo, completamente naturais.
Acabei me empolgando com as 45 rotações e para não perder a deixa faço um parágrafo a respeito. A tecnologia avança e nos brinda com coisas maravilhosas, da mesma forma que nos priva de outras que aos poucos permanecem marcadas em algum lugar do passado, sÃtios arqueológicos soterrados pelas construções culturais (pré-pós-ultra-super-mega) modernas.
Desculpem o devaneio, retorno. Quando falo que escutar o trabalho do Birck para nós era completamente natural, não estou querendo dizer que seus discos têm a ver com o compacto do Tyto, mas que nós, em função da forma como escutávamos o compacto, é que tÃnhamos uma maneira marcada em algum lugar do tempo de aproximá-los. (Uma outra pergunta passa ser natural, como seria escutar um disco do Birck em 45 rotações? Essa, por enquanto, permanece no ar para quem se habilitar a responder.).
Mais tarde, quando nos embrenhamos no submundo da música, (re)descobrimos o compacto Memórias de um certo louco (agora, em rotação normal), que aos poucos voltou a fazer parte do nosso universo, mas, muito além disso, passamos a entender a importância do disco para os desdobramentos musicais (culturais) de uma cidade, isto é, a forma como o trabalho do artista refletia o universo cultural daquela região. Mas só o fazia por conseguir reconhecer ou, ainda, se reconhecer nela. E é esse (re)conhecimento que permite que outras pessoas se reconheçam no trabalho do Tyto Livi, dele como artista, e aqui, me parece, que está o ponto referencial que o aproxima do trabalho de músicos que, mais tarde, nas décadas seguintes, movimentam a cena musical da cidade.
O disco foi gravado em 1977, no estúdio Estéreo Som, São José, grande Florianópolis, e lançado de forma independente. Tyto Livi vendia o disco de porta em porta, reza a lenda, para concluir o curso universitário de direito. São quatro faixas: Rock 700, Memórias de um certo louco, O Mundo não perdoa e Viva o presente. Cada qual com um arranjo diferente, mas todas elas com a marca debochada do artista. Vocês podem perceber isso pelo pequeno trecho da letra de Rock 700.
Por ser acéfalo
Tornei-me ectiófago
Sou genicófago
É o que me dizem
E este disco, que passou muito tempo atrapalhando a discoteca de uns, virou peça de colecionador para outros. As pessoas procuram pelo (hoje) advogado Ortenilo Azolini (Tyto Livi), com a intenção de obter informações sobre o material, saber se o Tyto não conhece alguém que queira se desfazer do compacto. No entanto, a procura parece inútil, pois quem tem guarda. Resta como consolo baixar as músicas na internet. (O material está disponÃvel na página http://www.geocities.com/tytolivi/)
A idéia de independente, muito em voga nos dias de hoje, me permite uma outra relação, então a faço. Para Tiago Hermano Breunig, em texto lançado recentemente (08/10/2005) no caderno de cultura do Diário Catarinense (O Rock no Velho-Oeste), “o historiador Marcos Napolitano afirma que a produção musical independente no Brasil teve como marco o pioneiro Antonio Adolfo, que teria produzido, no Rio de Janeiro, o primeiro LP independente da história, datado de 1977â€, desta forma, seguindo o raciocÃnio de Tiago, e relembrando que o disco do Tyto Livi é do mesmo ano (também lançado de forma independente), isso me permitiria colocá-lo entre os pioneiros da música independente de Santa Catarina, por que não, do Brasil. Todavia, na distante Chapecó, não sei se essa informação teria função alguma.
Vou tentar explicar/confundir, afinal de contas, o trabalho do artista, como já comentei, está diretamente ligado com o funcionamento da cidade. Chapecó, se olharmos para o Brasil como uma periferia em relação aos donos do mundo, se encontra na periferia (em relação à Europa e aos EUA) da periferia (em relação aos centros brasileiros) da periferia (em relação aos centros regionais). Deixa-me fornecer uma outra informação que pode ajudar a entender o processo: Chapecó está distante 490 km de Curitiba, 450 de Porto Alegre, e a 600 de Florianópolis (só para lembrar, porque muita gente se atrapalha, a capital do Estado). Está distante 1.350 km de Buenos Aires, 1.320 de Montevidéu, 780 de Assunción, e 2.400 de BrasÃlia (longe, né? É quase outro planeta). Ou seja, é um ponto em algum lugar do mapa que, como dizem muitos, se deixar de fazer parte na próxima edição, talvez as pessoas (óbvio que, me refiro à s pessoas que não são do local) não sintam falta. Quase uma zona morta, árida, um deserto. Um deserto verde onde brota a cultura da soja, do milho, do feijão (mais os frigorÃficos). Por sua vez, os demais elementos que marcam a cultura da cidade, em alguns momentos (vários), parecem ser arrancados do solo como se fossem ervas daninhas.
É esse o local que o cidadão Tyto Livi escolheu para fazer música – para mais tarde influenciar outras gerações locais – e, ao mesmo tempo, se recolher (sair de fininho) como se tivesse “medo†de atrapalhar os interesses de alguém. Se em algum outro local esse pioneirismo ecoa, isso não tem a menor importância. Afinal de contas, em Chapecó, no distante velho oeste de Santa Catarina, da forma como lidam com as questões culturais, na maioria das vezes como eventos sociais, a importância é praticamente nula, a não ser, para um pequeno número de pessoas da cidade interessadas em música, sim, pois como disse, para esse pequeno universo de músicos locais, Tyto serve de referência.
Ufa, está quase no fim. No apagar das luzes por ora veladas sugiro uma outra aproximação, mas esta, neste momento, derradeira, porque a prosa já está se alongando demais e a sugestão daria pano pra manga de pelo menos mais uns dois ou três causos. Refiro-me à opção de Tyto Livi por se retirar do mundo artÃstico precocemente. E vejo nela a frase do escriturário de Herman Melville, como se, Tylo Livi, diante das ironias do universo musical, repetisse a mesma frase: “I Would Prefer Not Toâ€. E esse preferir não mais fazer de Tyto me permitiria olhá-lo como mais um Bartleby e, desta forma, procurar um posto, nem que seja pequenininho, na galeria de Bartlebys do escritor espanhol Villas-Mattas.
Tô baixando aqui. Depois vou levar as músicas pro Sound Forge e simular as 45 rotações necessárias.
Abraços!
ai,ai,ai.
capecó, entao, já estava na vanguarda do pop catarinense na década de 70?!?! bacana. e quanto ao som do tyto livi - acho que ele deve ser digerido lentamente (a primeira ouvida me parece apenas cômico).
Fala Jean, na vanguarda não sei, mas está por ali sugerindo estranhamentos!!
Demetrio Panarotto · Florianópolis, SC 5/5/2006 17:30
Fala Daniel, baixaà que depois nós conversamos,
abs.
Tyto livi, o genio....
eu ainda vou gravar um cd tributo!
mais uma vez tenho que admitir, qdo leio o que tu escreve, esqueço do que to fzendo, e isso é raro! infelizmente, a chata workaholic é assim mesmo. . .além de feliz por saber do tal tyto livi, que tanto ouvi falar e nunca me cocei pra procurar saber, me sinto uma ignorante perante uma parte tão, se não a mais, importante da história, além da chacina claro, da nossa chapecó querida.
bjo
...que legal!, o elo perdido da música independente catarinense...
vou baixar!
Abs
Maravilha! Aliás, Chapecó!!
Baixei e já entrou para o Mp3 player.
nao consegui abaixar as musicas nesse link...
se tiver algum outro, por favor!
Vou conferir com ele se tem um outro endereço, pois me parece q o linck já era, e desde já, valeu,
Demétrio
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