Imagine um encontro reunindo 26 chefs de 12 estados brasileiros. É de dar água na boca, não é!? Mas os ingredientes desse encontro não param por aí. Representantes de 77 comunidades rurais, quilombolas e povos indígenas estavam lá com seus produtos de excelência culinária e todo o conhecimento tradicional envolvido no cultivo e preparo de suas delícias.
A festa está completa? Não, ainda tem mais: coloque neste caldeirão pesquisadores, acadêmicos e apaixonados por gastronomia.
Está formado o ambiente em que aconteceu o I Terra Madre Brasil – encontro nacional de ecogastronomia, que foi realizado em Brasília no início de outubro de 2007.
Já na abertura do evento podia-se ver um pouco do que viria no dias seguintes. Silvio Barbero – um dos fundadores e atual secretário executivo do movimento Slow Food – contextualizou o Terra Madre dentro do Slow, falou sobre a importância de conhecermos e valorizarmos os alimentos locais e a cultura envolvida na sua produção.
Durante a tarde, aconteceu um dos momentos mais ricos do encontro: uma enorme sala de degustação onde os participantes puderam experimentar os produtos das comunidades. Entre as saborosas maravilhas estavam: farofa de castanha do Brasil, doce de umbu, castanha de licuri torrada, licor de açaí, marmelada santa luzia, cuca catarinense, caju passa, queijo canastra, palmito de pupunha, pé de moleque de baru, farinha de coco, farinha de tapioca, farinha grossa, farinha fina, vinho de uva goethe, cachaça artesanal orgânica, guaraná defumado em barra preparado segundo a tradição do povo Sateré Mawé entre muitas outras delícias.
Um privilégio poder experimentar toda essa diversidade reunida num mesmo espaço. Privilégio maior foi poder conhecer os produtores e ouvi-los falar com paixão sobre suas comunidades e sobre como fazem / colhem / preparam cada uma daquelas delícias.
Se eu terminasse esse texto aqui, seu título já estaria justificado. Mas o evento estava apenas começando...
Enquanto participante do evento, o que mais me marcou foi a disposição de todo mundo para trocar experiências. Pessoas vindas de uma realidade mais particular que a outra circulavam pelos corredores, salas e restaurantes do Terra Madre. E todos com várias histórias para contar: fosse um jovem de uma comunidade do Amapá que foi colonizada por marroquinos, fosse a presidente de um instituto fundado para preservar e divulgar os produtos e fazeres dos mais diversos derivados da mandioca, fosse a representante de uma comunidade potiguar que desenvolveu uma maneira artesanal de torrar a castanha do caju e está mudando a história de muitas outras comunidades do nordeste através do comércio justo.
Nos dias que se seguiram, os participantes se distribuíram entre oficinas, debates e degustações.
Aqui vale o destaque para as oficinas de ecogastronomia para crianças e para as “oficinas de sabores”. Em uma dessas oficinas, foi preparado coletivamente um delicioso chocolate artesanal, com direito a descascar o cacau torrado, pilar e bater o pó do cacau, com todo mundo colocando a mão na massa e, depois, experimentando o maravilhoso “resultado”. Houve a Festa da Polenta e a oficina da Super Tapioca, onde esses alimentos típicos foram produzidos em grande quantidade, mais uma vez com direito a todo mundo aprender como fazer, a ter contato com as matérias primas e, claro, a degustar no final.
Ligação entre o alimento, quem produz e quem consome
Nem precisa falar que as refeições servidas nos dias do evento foram especiais. Os almoços e jantares foram preparados com ingredientes da agricultura familiar. Vou contar para vocês que tem um sabor muito especial se alimentar de produtos que você conhece o produtor. No cardápio do Terra Madre sempre tinha arroz vermelho, feijão canapu, pequi, sucos de frutas naturais entre várias de outras opções.
Mas era assim: ali no estande do Slow Food, você conversava com o pessoal que produz arroz vermelho, ficava sabendo de como a comunidade vive no sertão da Paraíba, dava umas boas gargalhadas com os casos do pessoal do Feijão Canapu e, quando ia almoçar, podia se deliciar com os produtos deles (e ainda saber que o que está consumindo colabora com a comunidade e ajuda no trabalho de preservação daquelas espécies).
Tinha o Espaço Gourmet também. Nesse espaço cada almoço ou jantar foi assinado por um ou mais chefs. Tive o prazer de ir no almoço elaborado pelo Chef Faustino onde foi servido de entrada macaxeira recheada com camarões. O prato principal foi filé de peixe ao mocororó, acompanhado de arroz vermelho e purê de abóbora. A sobremesa foi da Chef Rita de Medeiros, que serviu sorvete de cagaita com calda de pequi.
O Faustino também é produtor: planta e colhe diversos alimentos e temperos que serve em seu restaurante, o Cantinho do Faustino, em Fortaleza. A Rita tem uma sorveteria em Brasília, a Sorbê, onde podemos saborear sorvetes e picolés feitos com frutas e castanhas do Cerrado, alguns exemplos são: baru, pequi e buriti.
O Terra Madre Brasil foi realizado pelo MDA em parceria com o Slow Food e aconteceu em paralelo com a Feira Nacional de Agricultura Familiar, que é um universo complementar de sabores e saberes. Pela força do evento, se tudo der certo, ano que vem teremos a segunda edição.
Para saber mais sobre o evento, ver mais imagens e acompanhar algumas discussões que continuam acontecendo, visite o site:
http://terramadre.slowfoodbrasil.com
Para saber mais sobre o Slow Food, conhecer um pouco sobre as comunidades do alimento e sobre os alimentos brasileiros protegidos pelos programas do Slow para preservação da biodiversidade, acesse:
www.slowfoodbrasil.com
(No site você pode indicar alimentos tradicionais que estão correndo risco de desaparecer, veja em Arca do Gosto)
que texto super-apetitoso! caju passa pra mim é a melhor coisa do mundo. O problema é arrumar tempo para comer tudo isso devagarzinho... Um dia na vida vou conseguir sair da correria! Outra questáo interessante é que receitas ainda são (quase sempre) cultura livre - tomara que continuem assim
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 26/10/2007 11:46
Salve Hermano! Acho que se a gente conseguir um tempinho de vez em quando para valorizar o sabor das coisas e curtir toda a cultura envolvida na produção dos alimentos, já vale.
Sabe que existem comunidades que já estão organizadas para receber visitantes para que o pessoal conheça o modo de produção e se delicie com os alimentos que elas cultivam? Isso é legal que saímos do ritmo acelerado/atropelado dos centros urbanos e mergulhamos por inteiro em tudo que está "em volta" do alimento.
Um exemplo disso é o pessoal da Acolhida na Colônia.
Outras práticas interessantes são as dos núcleos locais do Slow Food, esses núcleos são chamados de Convivium e cada um tem sua dinâmica própria. Mas todos eles buscam curtir o sabor das coisas e conhecer mais da origem dos alimentos. Aqui no Brasil existem Convia em várias cidades, e sempre estão surgindo novos grupos desses. Mais infos sobre Convivium, aqui.
Ufa! quase escrevi outro texto...
Abraços,
Marcelo
Cometi a imprudência de ler esta matéria na hora em que o estômago já está roncado por um almoço... :) Que maravilha o contexto social dessa produção. Fiquei particularmente curiosa com o jovem da comunidade do Amapá que foi colonizada por marroquinos. Que tipo de comida (e de história de vida) ele deve mostrar?
Aqui no estado do Rio já rolam alguns passeios para conhecer as produções orgânicas. Em geral divulgam na Feira Orgânica da Glória. Abração, Terça-Nada, apareça mais vezes e bom apetite!
Ei Helena,
O pessoal da Comunidade Vila do Mazagão, do Amapá, levou para o Terra Madre delicias feitas com castanha do Brasil: Farinha de castanha (citada no texto), Biscoito de castanha e um bombom que era uma castanha inteira coberta com doce de leite. Cada coisa melhor que a outra, tudo feito com castanha fresquinha e com muito carinho.
O pessoal da comunidade que estava lá era muito especial e muito consciente.
Da herança cultural da colonização, o que eles me contaram é que acontece todos os anos a Festa de São Tiago no Mazagão Velho - a festa é a representação da batalha entre mouros e cristãos. Achei um texto aqui no Overmundo a respeito, veja aqui.
Achei ótima essa idéia do pessoal da Feira Orgânica da Glória, de visitar os produtores.
Abraços,
cara...hiper-legal...a gastronômia para mim até então produzia apenas comida...mas podemos, através dela, entender a sociedade.
Muito bom!
Muito boa a reportagem e participar do I encontro Terra Madre Brasil foi mesmo uma experiência deliciosa. Parabéns para todos. grande abraço Patricia Ferraz - Pirenópolis - GO
Patricia Ferraz · Pirenópolis, GO 29/10/2007 13:52
delícia de matéria!
semana passada participei de um seminário em vera cruz (rs) onde o almoço foi todo elaborado com a produção orgânica de agricultores da região que estavam no evento! concordo com vc: é outra coisa comer a comidinha conversando com quem a produz!
Marcelo, mais uma vez admiro seu trabalho...além de nos propocionar um convivo super agradavel durante o evento, fez uma super apresentação e deixou o pessoal com água na boca!
Um grande abraço
Marcia Riederer
É interessante ver essa misturada toda bem organizada em um prato. O bom é que no final das contas os sabores todos se misturam.
Faustino tem clientela garantia aqui em Fortaleza. Marcelo, faltou você provar o sorvete de rapadura dele. Rebeita boa e curiosa.
Pensar cozinha dá um prazer medonho. Quem sabe não visito um desse Conviviuns pelas bandas de cá. Já dei uma fuçava e vi que tem.
Parabéns pelo texto Marcelo.
Marcelo, castanha do Brasil é castanha do Pará?
nossa, fiquei curiosíssima com o camarão com macaxeira, hmmmm
delicioso seu texto!
beijo
Salve pessoal!
Muito bacana que o texto está gerando toda essa discussão e que ele está ajudando a expandir as fronteiras do conceito de gastronomia (sobre isso, tem um texto maravilhoso, chamado Gastronomia, Direito Humano - do Carlo Petrini - fundador do Slow Food).
Ei Natacha,
As Castanheiras estão presentes em todos os estados do norte do Brasil (no MT também tem) e em todos eles se produz naturalmente castanha "do Pará". Por causa disso, essa castanha foi rebatizada para Castanha do Brasil.
Pedro,
Morro de vontade de conhecer o restaurante do Faustino aí. Pode ter certeza que quando eu for na sua cidade vou seguir sua sugestão e experimentar o sorvete de rapadura. Entre em contato mesmo com o pessoal do Convivium de Fortaleza. Quem sabe daqui a um tempo teremos aqui no Overmundo um dos ótimos textos do TREMA sobre o Slow Food aí na capital do Ceará? Depois dê uma olhada nesse texto: A quinta do caranguejo (acho que vc vai curtir)
Guilherme, se você ficar afim, tem um Convivium no Rio de Janeiro, aí pertinho de você.
Para todos:
forte abraço,
Que texto saboroso! Adoro ler sobre culinária e sou muito interessada por comida...leia-se: um bom garfo. Que sabor terá cagaita? Não conheço, não.
Ana Carmen · São Paulo, SP 5/11/2007 17:32
Para quem se interessar: Encontro Slow Food em Florianópolis
abraços,
Maravilhosa essa matéria. E terá novo encontro? vou procurar saber.
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