Um pedaço do Japão no coração do Brasil

Sel Fontes
Alunos da Escola de Língua Japonesa dançam no Festival Bon-Odori
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s. fontes · Palmas, TO
7/10/2006 · 128 · 3
 

Sel Fontes

Como resultado da minha origem “terceiromundista”, sempre fui atraída pela cultura oriental, em especial a japonesa, e ao mesmo tempo me intriguei com a impressionante capacidade desse povo em conciliar passado e futuro, tradição e tecnologia. Tenho livros e revistas sobre história e cultura japonesa, sobre a reconstrução do país após a Segunda Grande Guerra, e claro, meu paladar também aprova a culinária japonesa.

E foi feliz da vida que vi o nascimento da “Noite do Yakisoba”, uma ação de integração da pequena, porém perseverante e animada comunidade japonesa de Palmas. De vez em quando lá está uma turma – cada vez maior e nos mais diversos pontos da cidade, com preferência para a principal feira coberta – de pessoas na fila do macarrão refogado com verduras, carne de boi ou frango e molho de soja. Outras iguarias? Sushi, é claro, tempura, dorayaki – um doce que eu particularmente adoro.

Com os paladares devidamente conquistados, a turma da Escola de Língua Japonesa, com apoio da Associação Nipo-Brasileira no Tocantins (Asnipo/TO), que atualmente reúne cerca de 80 famílias na Capital tocantinense partiu para uma amostra mais ampla de sua cultura. Trata-se do Festival Bon-Odori, que teve sua segunda edição realizada no último mês de setembro, para retomar uma antiga tradição: a celebração do Dia de Finados japonês (15 de agosto). A tradição é budista, com origens na China, e onde há uma colônia japonesa a festa sempre ganha seu espaço. Por aqui a organização é simples. Apenas uma caixa de som para ecoar músicas tradicionais, uma pequena arquibancada para cerca de 30 pessoas, um cercado de 3x3 metros, coberto por bandeirolas, onde ocorrem as apresentações de dança. Do outro lado do ginásio coberto do Sesc Educare, mesas onde ficam dispostas as iguarias, caixas de isopor com refrigerantes e cerveja e um fogão industrial para o yakisoba e frituras feitas na hora.

O primeiro choque cultural começa com a própria temática da festa. Enquanto os ocidentais choram e acendem velas para seus mortos nos cemitérios os orientais dançam? A dança surge como elemento ritual em homenagem às pessoas falecidas e também é símbolo de uma cultura que se caracteriza pela preservação.

Vestidas com seus kimonos, várias mulheres se misturam entre os convidados, na maioria pessoas das mais diversas regiões do País. Em comum a escolha de Palmas para viver. É o caso da maranhense Jodalice Nonato, 32, funcionária pública e assídua freqüentadora dos eventos promovidos pela Asnipo. “Ano passado teve um festival de cinema, gostei muito, os filmes são bem diferentes; o Bon-Odori também é ótimo”, afirma ela, acompanhada por dois filhos e uma amiga. A I Semana do Cinema Japonês do Tocantins aconteceu ao longo de uma semana, em maio de 2005, numa parceria entre a Asnipo, Fundação Cultural do Tocantins e a Embaixada do Japão, que cedeu os filmes.

Ao longo do Festival Bom-Odori, que dura cerca de 3 horas, os alunos da Escola de Língua Japonesa – onde além da língua também se aprende a dançar, fazer origami (dobraduras), kirigami (cartões em 3D) e até cozinhar – mostram ao público o que andam aprendendo.

Um grupo começa a tocar o taiko (tambor japonês) e é impossível ficar indiferente ao som e coreografias dos jovens e crianças, com passos delicados e as batidas ritmadas do tambor. Depois, o ambiente é invadido por músicas como Tabibitoyo, Tanabatasama, intercaladas com danças como Soran-Bushi. A área do cercado é extrapolada, e as moças de kimono fazem roda e convidam o público a participar. A grande maioria do público presente, mais acostumado com os requebrados do forró, estilo bem popular por essas bandas, se intimida. Apenas algumas meninas se animam, mas a maioria prefere apenas observar. É o caso de José Feliciano de Oliveira Filho, 20, que acaba de chegar a Palmas vindo de Uberlândia (MG), e teve seu primeiro contato com a cultura japonesa no Festival Bom-Odori. Gostou do que viu e comeu.

“Geralmente as pessoas acham que o evento deveria durar mais tempo. Como é apenas uma apresentação dos alunos e professores da parte, vamos dizer dinâmica da escola, o evento é rápido, por isso termina às 22 horas”, explica Lucas Koshy Naoe, atual diretor da Escola de Língua Japonesa, reiterando o caráter de confraternização e integração do Festival.

Sobre a escola, trata-se de uma casa próxima à sede da Ordem dos Advogados do Brasil/TO, onde também está abrigada provisoriamente a Asnipo. Bem localizada, ela existe há seis anos e a cada semestre recebe cerca de 20 alunos de todas as idades. Os mais velhos querem aprender a língua – ou o máximo possível dela – por motivos profissionais. Os professores se revezam a cada semestre, já que desenvolvem um trabalho voluntário. Sempre há um professor japonês, enviado, também como voluntário, pela JICA (Agência de Cooperação Japonesa) para ajudar no ensino da língua. Lucas Koshy Naoe, que se desdobra entre o trabalho na escola e o de pesquisador de uma universidade local, a Unitins, conta que cerca de 30% dos alunos não são de descendentes. Vários são profissionais prontos a desenvolver projetos ou estudar no país do Sol nascente, via intercâmbio, entre os governos tocantinense e japonês.

Pergunto se ele conhece o Japão, e ele responde que não, por falta de tempo. Comento que ele é oriundo de uma tradição onde a própria família se incumbe de repassar a língua e os costumes japoneses a seus filhos e netos. Recebo em troca um sorriso meio zombeteiro, meio condescendente, como se ele me achasse a mais deslumbrada das pessoas. Bem, realmente acho que os brasileiros poderiam aprender essa lição de não deixarem morrer tradições tão lúdicas e importantes de sua própria identidade cultural.

Já a Asnipo oferece outra importante lição. O presidente da entidade, Márcio Kajima, explica que é uma tradição das colônias japonesas manter e divulgar a cultura nipônica através do associativismo. Para tanto, a Asnipo conta com o apoio da JICA e do próprio governo japonês, que inclusive ajudou na construção da sede definitiva de Palmas, que deve ser inaugurada em dezembro. Por aqui já são dez anos de existência da Associação. As famílias que a integram, assim como tantas outras de todos os cantos do País vieram para esta região atraídas pelas oportunidades oferecidas em um estado ainda em formação. É uma comunidade que conta com respaldo, a ponto de ter atraído, no ano passado, o embaixador do Japão no Brasil, que instalou um consulado itinerante para cadastrar cidadãos nipo-brasileiros e divulgar seus programas de bolsas de estudos. E então completa-se o ciclo, pois os interessados nas bolsas acabam se integrando a este pequeno pedaço do Japão cravado no Tocantins.

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Thiago Camelo
 

A julgar pelos textos no Overmundo, o que não faltam são japoneses e fãs da cultura nipônica por todo o país. Alguns textos do Hermano Vianna abrangem questões similares as tuas, S. Fontes. Abraço!

Thiago Camelo · Rio de Janeiro, RJ 5/10/2006 15:14
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Assum Preto
 

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É um texto de um ponto de vista local.
Isso é excelente sociológicamente falando.
Temos o micro e o macro...
Pode até parecer meio "universitário" tal
argumento, mas um texto tão bem escrito assim,
falando de uma miscigenação local bem sucedida,
é sinal que o Brasil tem jeito sim!!!

Parabéns...
.....e saravah!!! :)
.

Assum Preto · Campo Grande, MS 6/10/2006 21:23
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Bento
 

Legal, boa abordagem.

Bento · Palmas, TO 9/10/2006 08:42
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