O ambiente é marcado por um clima instável, com enchentes, pequenas nevadas, ciclones e grandes variações na temperatura. No campo polÃtico, um novo governo pratica uma espécie de ditadura não assumida, mantendo a ordem através de altos impostos e de uma força policial fortemente armada que atua de maneira brutal. Nesse contexto, um grupo de jovens – escondendo seu rosto atrás de máscaras e atuando sob o mesmo nome – descontentes com a situação do ambiente à sua volta, planeja pequenos atos de desobediência civil. Ainda que atuando de forma pacÃfica, em um destes atos algo acontece de forma imprevista, causando a explosão de uma bomba. Enquanto tentam provar sua inocência e justificar suas ações, o fim parece estar cada vez mais próximo.
A descrição acima foi feita pelo próprio autor e se refere à sua cidade natal, Florianópolis, em um futuro próximo, no qual se passa seu projeto de história em quadrinhos. Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo é o nome deste projeto, de autoria de Pedro Franz, 26 anos. Programada como uma série em 12 capÃtulos, com tamanho variando entre 12 e 16 páginas cada um, a HQ havia sido publicamente anunciada no dia 12 de abril deste ano, quando o quadrinista inaugurou o blog Notas sobre o fim por onde ele pretende publicar o material na Ãntegra, deixando-o disponÃvel para download gratuito em arquivos em .pdf. O primeiro deles, surgiu no inÃcio de julho e o segundo no final de setembro. Além disso, ele abriu um fórum para discutir a obra e suas influências com sua audiência: “O objetivo deste espaço é aprofundar uma investigação que relacione teoria e prática e funcionar como ferramenta de relação entre autor e público†escreveu no blog. “Além de utilizá-lo para apresentar o projeto – ou seja, a história em quadrinhos – pretendo postar textos sobre a produção da obra, imagens, esboços, novidades, autores que me influenciaram.â€
A série atual não é a primeira experiência de Franz com os quadrinhos. Entre 2002 e 2003 ele produziu duas edições de um zine chamado Café com Leite, mas como me disse em uma conversa num bar da cidade onde se passa sua história atual, não era algo sério ou pretensioso. Naquela mesma época, também foi convidado a participar de uma mostra de quadrinhos ligada ao Salão de Humor de Piracicaba, mas com proposta diferente daquela ligada ao tÃtulo do famoso evento do interior de São Paulo: os trabalhos expostos não eram humorÃsticos. Então veio uma pausa nessa breve relação com o meio. Em um intervalo de meia década, ele morou por dois anos na capital da Argentina; recobrou o interesse pelas historietas; descobriu publicações daquele paÃs, como a Fierro; e quando retornou ao Brasil e a seu curso acadêmico, na UFSC, apresentou como trabalho de conclusão do curso de design uma monografia ligada ao tema. “A quarta dimensão do trabalho de Breccia†acabou sendo agraciado, agora em 2009, com o troféu HQ Mix – mais importante prêmio dedicado ao quadrinho nacional. Nesse TCC, Franz procurou fazer a ponte entre HQs, design e arte ao analisar a obra do uruguaio Alberto Breccia (1919-93), o artista que mais admira neste meio. Outros autores que ele cita como possÃveis influências são o argentino José Muñoz e o japonês Taiyo Matsumoto.
Com esse retorno, Franz começou a processar as ideias que dariam origem à Promessas... vamos abreviar aqui o tÃtulo quilométrico. Aliás, o gosto por longos tÃtulos parece ser uma caracterÃstica do autor, que também cursou Artes Plásticas, pois um outro projeto de HQ, paralelo, leva o nome de Uma casa construÃda com cascas de ovos. Apesar de ter mais páginas concluÃdas que o atual, o próprio quadrinista reconhece que esse ainda vai demorar mais a aparecer. “Mas é um trabalho bonito, eu acho.†Retornemos à s promessas e ao fim do mundo. Vamos falar das páginas, as originais, que o autor trouxe para mostrar naquele bar, na rua que leva o nome do pintor Victor Meirelles (1832-1903), antes do anúncio do prêmio HQ Mix deste ano. A primeira surpresa possÃvel, em se tratando de alguém que escolheu o meio digital para divulgar sua obra, é o método de trabalho do autor. Franz optou por utilizar a forma mais tradicional para produzir sua HQ: nanquim, pincel e papel.
As folhas A2 que ele exibe sobre a mesa na noite mais gelada do ano em Florianópolis foram ilustradas exatamente como fariam os quadrinistas que o inspiraram, em um mundo anterior ao das webcomics. Franz esboça a lápis e depois cobre os desenhos com a tinta negra, criando contrastes, dando a ilusão de volume, áreas de luz e sombras. Ele prevê na arte os espaços para os balões, com a fala dos personagens, e mesmo o letreiramento é feito à mão, e inserido mais tarde quando entram em ação os softwares. O InDesign ajuda no momento da diagramação. Já o Photoshop corrige a perda de contraste que à s vezes ocorre com o escaneamento das imagens e é usado para aplicar o cinza, tomando o lugar das antigas retÃculas, material que não é tão fácil para ser encontrado pelos quadrinistas do século XXI quanto era pelos profissionais do século anterior. O processo é lento, como não poderia deixar de ser. Já houve momentos em que ele, que procura trabalhar na série todos os dias, passou duas horas dedicado a um único quadrinho.
Tudo é feito do modo mais tradicional possÃvel até porque Promessas... foi pensada, planejada e está sendo executada como uma obra a ser impressa, publicada de modo clássico. “A Internet surge por necessidadeâ€, ele comenta, apesar de que, com o tempo, essa mÃdia tenha revelado novas possibilidades a serem exploradas. Até por sugestão de um editor com quem conversou, o catarinense concordou que o melhor modo de tornar seu trabalho conhecido era a divulgação pela rede. Se existe algum lugar em que um autor iniciante pode contar com uma edição impressa de seu primeiro trabalho de fôlego, com aproximadamente 200 páginas, este não é o Brasil. Então, o catarinense escolheu esta forma para divulgar e distribuir por partes sua série, tendo a consciência de que vivemos uma nova realidade, com licença livre, ou seja, adotando o esquema copyleft. Já há um site que, no lugar de fazer um link ao blog de Franz, criou novo arquivo e deixou disponÃvel o primeiro capÃtulo em seu próprio domÃnio, uma espécie de pirataria consentida. “Tu perde o controle daquiloâ€, reconhece. “Quero que pirateiem muito mais, que imprimam, xeroquemâ€.
Ele calcula que nas primeiras semanas de exposição do primeiro capÃtulo, uma média de 20 pessoas baixou o arquivo diariamente. Esta acabou se revelando uma possibilidade de democratizar o acesso à obra, ainda que a leitura no computador não seja a ideal. Afinal, ao contrário de outras mÃdias, como a música, em que, em última análise, não há perda na transposição para um meio digital, os quadrinhos clássicos ainda contam como um bastião do paradigma de Walter Benjamim: as páginas ainda conservam uma certa “aura†e assim vai ser, até o momento em que se encontre o modo de garantir a reprodutilibilidade técnica perfeita na tela de um leitor eletrônico portátil. Até lá, o papel e as HQs ainda vão manter seu casamento secular. Para facilitar essa materialização futura, Promessas... foi composta em preto e branco e sua dúzia de capÃtulos podem ser agrupados em três álbuns.
Uma amostra do que os leitores podem esperar já está disponÃvel na rede. Pedro Franz diz que pensou em um conceito-chave para elaborar esta sua obra: o “medoâ€. Isso está presente desde o primeiro post naquele seu blog, quando ele esboçou o que viria a ser a série:
“Autotomia é o nome dado à capacidade que alguns animais possuem de se auto-mutilar em situações de perigo como estratégia de sobrevivência. Deixar algo morrer para preservar a vida. Diante da necessidade de enfrentar um perigo, lutar ou fugir, funciona como um mecanismo de defesa para se sobreviver. Partindo destes conceitos, Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo é uma fábula sobre o “medo†funcionando como crÃtica à moral burguesa e à intolerância contada em formato de Peter Pan pós-modernoâ€.
Assim como a Internet surgiu para facilitar e difundir – e está servindo para promover um rico debate sobre os quadrinhos contemporâneos na seção de comentários do blog – a ambientação futurista veio para dar mais liberdade ao autor. A caracterÃstica tÃpica de ficção cientÃfica é para permitir ao artista falar do presente usando o subterfúgio de se referir ao futuro. Ele mesmo escreveu que, em um primeiro momento, pensou em criar cenários mais elaborados, com pontes destruÃdas, a Ilha isolada, novas formas de governo e de autoritarismo naquele ambiente ficcional. Mas preferiu apenas potencializar o que já vê nos dias de hoje de modo a analisar as ações e reações provocadas por aquele sentimento – o medo – como ele é capaz de mover as pessoas e o que pode gerar em resposta. Um modo, com algum afastamento brechtiano, de estudar temas como terrorismo, pirataria, repressão polÃtica e policial em um cenário ao mesmo tempo conhecido e estranho, particular e universal.
Ainda é cedo para falar sobre Promessas... como uma obra integral e se ela vai ser capaz de amarrar todos os instigantes pontos que se propõe a abordar. Os primeiros capÃtulos, que estão disponÃveis para todos lerem e julgarem, abrem com uma abordagem bem intimista, como um painel das impressões coletivas dos diversos personagens, vários pontos de vista compondo um plano geral. A arte me lembrou, de fato, o trabalho de um dos quadrinistas relacionados pelo autor, Taiyo Matsumoto: o mangá underground Preto e Branco, publicado no Brasil pela Conrad. Mas me lembrou bem mais, na construção dos personagens, o brasileiro Lourenço Mutarelli que, pelo menos conscientemente, não faz parte daquela lista já citada por Franz. Quanto aos conceitos, em um primeiro momento me fez pensar mais em material anglo-saxão que em obras latino-americanas: como DMZ – também conhecida como ZDM, de zona desmilitarizada, no Brasil – do americano Brian Wood, e InvisÃveis, a série mais autoral do britânico Grant Morrison. Vou aguardar os próximos 10 capÃtulos da obra deste já premiado autor para ver como se desenvolve este futuro alternativo e distópico de Florianópolis.
Interessante! Vou acompanhar de perto para ver como vai acabar =)
giseliramos · São Paulo, SP 19/10/2009 08:54
Eu tô gostando bastante até o momento. Tem mais 10 capÃtulos pela frente :-D
Brigadão pelo voto e comentário, Gi
Opa, Romeu,
Realmente, o trabalho do Pedro é muito bacana. Os desenhos são ótimos. Preciso sentir o roteiro melhor ainda, ver como ele vai desdobrá-lo, mas em princÃpio parece interessante também.
Fui ao blog do Pedro baixar os primeiros capÃtulos e, daÃ, o que mais me surpreendeu foi a proposta participativa dele. Achei muito curiosa a idéia de pedir pros leitores enviarem fotos 3x4 para o projeto gráfico da HQ e também o espaço de discussão em que ele mantém diálogo aberto com os leitores. Ótima iniciativa! :)
Verdade, Viktor.
Na minha opinião o trabalho do Pedro Franz tem tudo a ver com as propostas do Overmundo. É um material que, faço votos, a comunidade deste portal aprecie e ajude a difundir.
interessante, vamos em frente.
abraço
andré
Muito bom o artigo, Romeu. Estou acompanhando o blog e o projeto do Pedro faz um tempo e ele merecia uma divulgação assim.
Abs!
Legal, Trevisa.
Esse projeto do Pedro Franz vai longe.
Abraço
Muito interessante!
Acompanhantes Curitiba | Imobiliaria Riviera | Lentes de Contato
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!