Dia 29 de Novembro de 2014 em pleno sábado recebo turma de Pos graduandos da UEG para um trabalho de pesquisa no Memorial Serra da Mesa, espaço educativo que coordeno.
Mais ou menos as 10 e meia da manhã o sol já era insuportável, quando alguém chama no portão e pede para falar comigo em particular. Atendo e ele diz que me traz um filhote de tamanduá bandeira cuja mãe fora atropelada e morta quando o carregava nas costas. O filhote estava semi morto nem mexia, patas quebradas, nariz esfolado...
Recebemos animais mortos por atropelamento que são taxidermizados e expostos no museu, a maioria trazidos pela Policia Militar local.
Peguei aquele montinho peludo e guardei pensando que não sobreviveria. Assim que despachei a turma fui vê lo e para minha surpresa ele levantou a cabeça. Desesperada dei água e fui procurar socorro.
Bombeiros não atendem animal silvestres
Policia ambiental não havia ninguém
Samu não atendia esse caso
Veterinário nenhum de plantão...
Dei um pouco de dipirona e ele dormiu, aflita com seu sofrimento corri para a cidade. Liguei para um amigo veterinário o André Felipe e ele nos socorreu. Imobilizou uma pata, fez a medicação e eu fiquei cuidando do bebê no soro.
Em casa deitei o no sofá e quando se movia chorava um chorinho triste que doÃa o coração. A noite ficava perto da cama e a qualquer movimento eu levantava e o cobria.
Soro, gotas, injeção , porém ele não comia...
Veterinário indicou mel numa seringa e fui dando aos poucos, ele se animou passou a tomar mamadeira leite, mel , iorgute, carne moÃda e foi crescendo sob os cuidados do Andre Felipe, que não cobrou nada e se tornou amigo. Por isso recebeu o nome de Andrezinho (a)? não sabÃamos ainda.
Andrezinho começou a andar pela casa, a pedir comida, deitar com os cachorros e ficou bem em casa mesmo...
Com o tempo passou a ter hábitos noturnos então ia para o quintal que é uma pequena mata e passava as noites por lá e bem cedinho vinha pedir comida. Fiz uma oca para ele, espalhei cabaças com mel, criei um ambiente parecido com seu habitat.
Aprendeu a receber carinho, afagos nas orelhas, na barriga, fechava os olhinhos de felicidade. Me reconhecia pelo cheiro e estranhava qualquer perfume ou pessoa diferente, correndo e se escondia. Não gostava de visitas e nem aparecia para comer. Contrariando tudo que li sobre tamanduá bandeira, o Andrezinho enxergava e ouvia muito bem.
Moro numa chácara pequena, então pensei em deixar ele se virar, comer só minhocas, formigas e caçando, para ver se podia voltar para o mato. O coração doeu quando o encontrei deitado e ao levantar chorou, as pernas ainda doÃam...
Dei comida e ele cresceu, cresceu, um bebê enorme que não queria ir embora. Até que apareceu um ou uma companheiro (a) para visita lo.
A mata ao redor é pequena e ameaçada com os loteamentos ao redor do Lago Serra da Mesa, os predadores são muitos, homens e cães.. Alguém me disse que comia carne de bandeira...
A ideia era aguardar sua recuperação total e leva lo para um local de mata grande, talvez na Chapada dos Veadeiros. E o tempo passou e ele crescia e engordava, quase não suportava o peso quando ele queria colo.
A rotina que se fez foi transformada em uma história de amor recÃproco. Ele chegava cedo me cheirava pedia comida e satisfeito ia para o mato deitar enrodilhado e coberto pela cauda peluda, dormia o dia todo.
Chegando do trabalho e já começando a escurecer gritava: Andrezinho, Dezinho.. e ele vinha enorme, lindo e todo feliz me cheirar. Comia muito, sempre pedia mais e mais, depois esperava um afago antes de ir, algum dia parece que estava mais carente e demorava ir embora, conversávamos muito...
Explicava a ele os perigos que rondavam, falava como sua mãe morreu e ele ficava me olhando com os olhinhos miúdos e quietos como se entendesse tudo...
Sempre soube que quando se recuperasse por completo teria que partir...
Assim, as lágrimas rolavam ao lembrar do desmatamento, do fogo, do asfalto, da falta de alimentação, de como os animais silvestres estão morrendo por falta de espaço e de fome, não há mais vegetação...
Fotografei um tamanduá bandeira morto por atropelamento aqui perto. Vi o Andrezinho no lugar dele...
Contei para ele naquela noite sobre o atropelamento, ele ficou cheirando minha mão...
Foi um tempo vivido intensamente...
Um ano se passou que ele se foi por aÃ, não sei se ainda vive ou passa fome no cerrado desmatado e envenenado. Perdi a conta do que andei na mata chamando, deixando comida; perdi a conta de quantas noites passei chorando ouvindo barulho de caçadores...
Um dia, como miragem me apareceu uma bandeira com filhote nas costas, gritei: Dezinho,Dezinho... ele (a) parou, olhou e se foi... e eu só chorei...
Andrezinho representa todos os animais silvestres e Ãndios expulsos da terra pelo agronegócio e destinados a extinção, representa a morte do cerrado e da vida...
É o futuro do planeta, futuro do homem. Por enquanto as vitimas mais indefesas vão morrendo aos poucos. Essa incerteza traz um sofrimento negro, dolorido mas o amor é maior...
A saudade, a insegurança corta o coração, Andrezinho é uma história de amor que reviverei sempre...
Hoje a mata foi invadida pelas chamas, fogo comeu tudo o que restava... Não há mais lágrimas, quero ir embora daqui...
Sinvaline · Uruaçu, GO 9/9/2016 12:55Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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