Há pouco tempo optei em minha vida sobreviver apenas da minha arte, esse sobreviver da arte implica total dedicação a ela. Antes disso fazia minha arte como algo secundário, dando maior dedicação ao meu trabalho convencional, digo convencional por que arte também é um trabalho, exige esforço, dedicação e muitas coisas que não diferem do trabalho convencional de escritório de 8 horas por dia. Pela minha arte trabalho mais do que 8 horas por dia.
Sou uma pessoa normal, pago aluguel, tenho que me alimentar, pago impostos e todo o resto que todos têm que fazer.
A idéia de escrever esse texto surgiu de uma discussão via internet que tive com meu querido irmão, ao esperar 4 horas por uma conexão no Aeroporto de Salvador. Ele um ferrenho defensor da dita “cultura livre” e eu apenas um músico tentando sobreviver.
Vale a pena contextualizar que estava voltando para Maceió de uma oficina promovida em Natal – RN pela Funarte através do Projeto Pixinguinha 2008, no qual tive a graça de ser contemplado nessa edição, e lá assisti ao grande Maurício Bussab (Outros Discos, Trattore) ministrar uma excelente oficina sobre Mercado e Novas Mídias (mídia digital). O que ampliou bastante a minha visão do atual mercado e o papel da internet nisso tudo.
A questão da pirataria é bem mais ampla do que apenas a pirataria musical. Mas vou me ater ao setor da música que é no qual estou inserido.
A principal idéia que se tem é que o artista ganha dinheiro é com show e não com disco, por isso é saudável a disseminação da arte dele (através de camelô, internet, cópia de cd para amigos e etc) sem nenhuma espécie de remuneração, pois ao fazer isso mais pessoas têm acesso ao trabalho dele e conseqüentemente mais pessoas terão a oportunidade de apreciar o trabalho e criar o interesse de assistir ao vivo e dessa forma ele é remunerado, uma meia verdade.
Temos que ter o discernimento entre artista autor e artista interprete, muitas vezes os dois se concentram na mesma pessoa quando o autor também é o interprete. Outras vezes não, existe o cara que compõe, mas não sobe ao palco. E na cadeia produtiva da música não existe apenas a figura do interprete, existe um monte de gente com várias outras funções que contribuem com a formação da arte.
O modelo antigo de gravadora, que foi completamente abolido, era um modelo centralizador e excludente, poucos artistas ganhavam muito. Existiam muitos “atravessadores” no elo artista – consumidor e no final das contas o artista que era o motivo principal da existência desses atravessadores era o que ficava com a menor parte, então criou-se a idéia que o artista não ganha dinheiro com disco e sim todos os atravessadores ganham, também uma meia verdade. As grandes organizações detinham todas as ferramentas para registro de fonogramas (música gravada) e isso custava caro, pois tinham que manter estúdios, funcionários, encargos trabalhistas e todo o restante necessário na época para o registro e difusão da música gravada. A gravadora, como toda organização comercial, queria o retorno do investimento que fez, reajustado e com lucro. Que fique claro que não levanto aqui o fato da estratégia usada por eles, que acho completamente errônea, de um investimento totalmente exacerbado em poucos artistas e não o investimento inteligente e controlado em vários artistas.
Ao receber somente uma porcentagem baixa da venda do fonograma, o artista estava devolvendo a gravadora, e com um lucro completamente abusivo, o investimento feito por ela. Ficando ao artista somente a parte de direito autoral e direitos conexos. Mas isso era uma opção do artista, ele poderia aceitar isso ou não. O que todos queriam eram sobreviver de sua arte e difundi-la.
Com o surgimento da internet e novas tecnologias que democratizaram o acesso ($$$) aos meios de produção, o que acho completamente maravilhoso, é que ocorreu na cabeça das pessoas em não só ficar sonhando em fazer parte do time de poucos que ganham muito e trilhar um caminho paralelo, novamente uma opção, de outros que ganham outras coisas (aplausos, reconhecimento, pouco dinheiro, dinheiro, muito dinheiro e etc). Foram sendo abolidos vários “atravessadores” do caminho artista – consumidor e os “atravessadores” realmente necessários viraram agregadores nesse percurso. O artista tem a opção, dadas por essa revolução tecnológica, de assumir todas ou grande parte das etapas até o seu trabalho chegar aos ouvidos, olhos, mãos do público consumidor. Quem tem que definir sua estratégia é o artista e não terceiros, se a estratégia do artista é deixar outros definirem sua estratégia, ele pagará isso de alguma forma (boa ou ruim).
Tudo isso é pra chegar no âmbito mais simples, penso eu, da questão da pirataria:
“Sou eu que irei obrigar ao artista que gosto a opção que ele deve tomar?”.
Devemos todos nos fazer algumas perguntas:
1. Por mais bem intencionado que eu esteja ao tentar difundir sua obra, essa é uma decisão que deveria ser minha?
2. Não estamos dando um tiro no próprio pé caso essa não seja a opção dele?
Penso que essas questões iniciais ainda se tornem mais amplas quando vamos em direção ao que chamo de pirataria comercial. Nesse caso alguém obtém uma receita ao vender (camelô) ou até mesmo disponibilizar ao usuário final gratuitamente (site) o fonograma ou o conjunto deles, ao qual denominamos disco.
O que acho pior que todo o modelo antigo de gravadora onde o artista recebia um percentual ínfimo. Nesse pequeno modelo atual o artista não ganha nada.
Ao leigo cai a pergunta, mas não está sendo disponibilizado gratuitamente?
Ao consumidor final sim, mas de alguma forma está ocorrendo o benefício direto ou indireto para esse “atravessador” podendo ser em forma de audiência (audiência facilmente se transforma em receita), reconhecimento (que pode se transformar em convites para trabalhos, palestras, etc) e até doações, o famoso “Click here for donate”. Fico até receoso em pensar para quantas palestras os criadores e mantenedores do PirateBay estão sendo convidados nesse exato momento.
Fazendo uma analogia, pra mim, tem-se exatamente o mesmo peso na balança a disponibilização de uma música em algum site para download grátis (sem respeitar a opção do autor em querer estar ali ou não) assim como a inserção da mesma música no comercial da Coca-Cola (também sem respeitar a opção do autor) exibido em todo mundo.
Ambos se utilizarão da emoção da arte para obter algum benefício, no caso diretamente da Coca-Cola aumento de vendas e no caso do site aumento de audiência ou respeito maior ao autor do site, ou até mesmo uma sensibilização ao visitante para doar algo ao site ou comprar uma camiseta que levanta a “bandeira” pelo qual o site existe.
Temos que pensar, ou até com o tempo isso se auto-ajuste, em modelos que contemplem a todos e não excluam os autores que não sobem ao palco por opção, ou até mesmo por não terem opção. Fico bastante feliz pelo Herbert Vianna ter se recuperado e conseguido voltar aos palcos, pois através desse “modelo pirata” atual ele não teria nenhuma chance de sobrevivência através da perpetuação da sua arte.
O que defendo não é a criminalização do usuário e sim o respeito a opção de qualquer artista de como ele irá desenvolver suas estratégias com algo que está intimamente ligado a ele.
Se alguém tem que se beneficiar da sua arte, é o próprio artista que dedicou tempo nessa construção e também seu público. Se outra pessoa irá se beneficiar de algo produzido por um artista isso tem que ser de comum acordo entre as partes envolvidas e não algo forçado e arbitrário.
Pedro Ivo Euzébio é músico, produtor musical, compositor, encoraja os artistas que produz a lançarem seus discos de graça na internet, defende que a legislação autoral seja revista e teme que a falta de poder optar se torne a única opção.
putz... show de bola o artigo. me fez repensar algumas questões e só posso concordar... vlw tup.
Artur Finizola · Maceió, AL 27/4/2009 21:41
Massa, Artur!
O artigo não é conclusivo, mas creio que o objetivo principal dele é derrubar alguns mitos e ingenuidades quanto a questão da pirataria.
Abraços.
olá pedro, parabéns pelo seu texto, bastante atual, tocou em vários assuntos pertinentes.
ontem disponibilizei aqui no overmundo um documento sobre o negócio da música para empreendedores, Música Ltda.
dá uma sacada nele, abraço e boa sorte.
Complicado.... uma faca de dois leGUMES!(rs)
Democratizar?! Até que ponto? Democratizar "quem"?! E como preservar quem se absteve?!
Infelizmente a internet ainda é um mundo desconhecido para as leis dos homens, e enquanto assim permanecer, continuaremos nos questionando...e perguntando.... e questionando.... e perguntando...
belo texto-análise .. gostei muito ..
tem alguma ideia aí pra nós artistas vivermos de nossa arte? ..
por o disco de graça na web a gente põe ..
mas até alguém ouvir, gostar, querer ir ao show ..
e o próprio artista conseguir palco, estrutura, público, certeza de retorno ..
são outros 500.00.000 no caminho ..
novas ideias são bem-vindas ..
abraços ..
. . .
Ótima discussão você levanta com seu texto Tup. Este assunto está longe de se desgastar, longe disso, cada vez que se lê a respeito, os distintos pontos de vista, começamos a repensar nossos conceitos novamente, como bem disse o Artur no primeiro comentário.
Excelente.
Abraços
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