Qual o valor histórico daquilo que você se dedica a estudar? Da escolha do tema à conclusão do trabalho, um projeto de pesquisa é (ainda para muitos estudantes) mais do que a garantia de um diploma para ostentar, mas a oportunidade de atingir reconhecimento e se tornar uma referência sobre o assunto estudado. Mesmo assim, diante da parcialidade semi-materna com que o estudante-pesquisador trata sua própria tese, existem momentos em que o reconhecimento desta importância, ainda que indiretamente, extrapolam a nota máxima e os elogios de uma banca examinadora.
Na última semana, a jornalista amazonense Michelle Portela vivenciou um momento de grande emoção ao ver a importância histórica de seu projeto evidenciada para todo o país, ironicamente, justo onde a intelectualidade costuma despejar críticas e construir análises quase sempre negativas. Desta vez, porém, os meios de comunicação de massa por meio da exibição da minissérie Amazônia, da Rede Globo, ao representar o início da organização sindical dos seringueiros do Acre, na década de 1970, dedicou todo um capítulo ao jornal alternativo chamado O Varadouro, criado pelos seringueiros como um porta-voz dos considerados “pobres da Amazônia”, retratando na tela o amplo impacto socioeconômico culminando com a fúria assassina despertada nos patrões seringalistas.
Emocionada, a autora do trabalho “O Varadouro – Jornalismo Alternativo, categorias e representações sociais no Acre”, via uma a uma as pessoas que entrevistou no Acre (claro, aquelas ainda vivas) fazendo as inevitáveis e ora divertidas comparações físicas entre a adaptação do personagem real, ao padrão global dos atores disponíveis. “Desde o início da minissérie eu sabia que todos iriam aparecer, mas foi enorme a emoção de ver, mesmo ficcionalmente, o Elson Martins na ativa com máquina fotográfica em mãos, entrevistando Wilson Pinheiro na assembléia de fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais”, afirma Michelle, destacando o primeiro como o jornalista responsável e idealizador de O Varadouro, e o segundo como importante líder sindical, além de muitos outros.
Com a grande imprensa controlada pelo poder econômico dos seringalistas, O Varadouro não só foi responsável por mostrar à sociedade a dura realidade de seringueiros, como contribuiu para mudá-la. “O jornal contribuiu para a organização do movimento social rural em torno dos sindicados, um marco para a organização do povo acreano, pois a partir dos sindicatos, o Acre passou a viver uma intensa fase de transformações sociais”, afirma Michelle, enfatizando que as lutas de seringueiros, posseiros e colonos deixavam de individualizadas e passavam a ser coletivas. Entre os reflexos desta mobilização social, a jornalista explica ainda que o movimento indígena juntou-se aos demais liderando o movimento contra o avanço indiscriminado da exploração madeireira e agropecuária no Acre, logo após a decadência econômica dos seringais. “Essa resistência conjunta ficou conhecida como a Aliança dos Povos de Floresta, que lutava conta a ganância dos ‘paulistas’”, conta.
E eram os paulistas retirantes
O Varadouro teve um papel importante na construção de uma identidade local, repercutindo e reforçando a identificação popular dos “invasores” madeireiros e criadores de gado, chamados de “paulistas”, isso independente do lugar de onde vinham. Os “paulistas” buscavam por meio da violência a propriedade de terras acreanas, e este aspecto histórico permite ao trabalho sua maior ousadia. “Até me arrisco na pesquisa a chamar parte desses paulistas de ‘retirantes’, já que a política de ocupação da Amazônia (Operação Amazônia, 1966), além de terra para ricos, oferecia subempregos aos excluídos do sul e sudeste do Brasil”, observa, atribuindo um termo geralmente adotado aos nordestinos que estigmatizados migraram para o sudeste.
Sobre a autora
Mostrando um interesse ávido por conhecer a região em que vive, a investida ao Acre nasceu da vontade da autora em resgatar suas origens, como neta de acreanos, Michelle Portela morou por três anos em Rio Branco onde trabalhou no jornalismo televisivo e vivenciou inúmeras experiências de mobilização social. De volta ao Amazonas, utilizou o estudo sobre o jornal O Varadouro para concluir especialização em “Desenvolvimento Sustentável, Políticas Públicas e ‘Comunidades Tradicionais’ na Amazônia”, oferecido pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA).
A iniciativa se alinha à produção incipiente de alguns jornalistas amazonenses que, cansados de uma produção onde o regionalismo é apresentado de modo estigmatizado que reforça uma visão exótica sobre si mesmo, ao contrário, começam a sair a campo além de sua confortável fronteira para produzir conteúdos com uma análise de país a partir de uma leitura amazônica. Uma proposta alternativa para uma população que ainda busca seus referenciais de desenvolvimento em países de primeiro mundo, e, diante da falta de esforço em conhecer este continente chamado Brasil, permite que apenas a televisão construa um conhecimento que sedimenta como definitivo.
Desta vez, o balanço da minissérie foi tão positivo quanto à emoção despertada, mas quase sempre não é assim. Conheça a Amazônia.
Oi, Yu, obrigada!
Acredito quer seria bacana citar o blog do altino, com link direto para o artigo que publiquei e que pode ser lido por quem tiver mais interesse em conhecer o Varadouro. Também acredito que citar a minha entrada no mestrado do PPGSCA da Ufam no parágrafo em que defente uma análise de Brasil a partir do contexto local é importante. Quer dizer, sim, não só estou contribuindo na discussão como colaborando na construção de uma rede - é assim que penso. A mobilização é de longo prazo. Inclusive, essa é uma nova pauta!
A ilustração deve estar na metade do caminho!
beijo
E que eu sou colaborada do Overmundo!
Michelle Portela · Manaus, AM 10/4/2007 12:19
Ok, Michelle, de nada.
Fiz um link no corpo de texto que leva ao seu artigo no referido blog, no mais, qualquer maior esclarecimento que vc queira dar vai ficar aqui para que todos os overmanos e visitantes comentem.
Então, você pode aproveitar este espaço para tapar estes eventuais buracos, além do que pode fazer links nos posts de comentários aproveitando a ferramenta "link" entre botões na caixa de texto. No mais, parabéns! É muito bom ver que este trabalho está rendendo, inclusive não julgo exagero acreditar que já cabe uma publicação.
Beijos.
Parabéns à Michelle pelo trabalho, parabéns ao Yusseff pela divulgação.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 13/4/2007 08:29parabéns pelo texto yusseff! na minha ignorância, varadouro era só o nome do festival independente que rola em rb.
Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 13/4/2007 09:40
Parabéns Michelle lindo trabalho/pesquisa/entendimento que, o resgate da história é importantíssimo para nossa identidade.
Yusseff - Estava sumido amigo ? Acabou as viagens, precisamos mais dos teus relatos encantadores.
Abraços paulistanos.
Muito interessante, Yusseff.
Pra mim só não ficou muito claro em como o sindicato sobrevivia naquela época. Ou o que eles fizeram para sustentar o Varadouro por algum tempo. Parabéns à Michelle pelo trabalho!
De vez em quando a TV dá uma dentro, né?
Parabéns Michelle.
Oi, valeu pessoal!
Bacana poder dividir essa experiência com vocês.
Marcos, o sindicato tinha apoio da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura) quando da sua fundação, mas depois passou a andar e anda com base em arrecadação própria, nos princípios do sindicalismo.
Vou explicar a questão orçamentária do jornal: o Varadouro foi fundado com recursos da Igreja Católica, segmento da Teologia da Libertação, que financiou as cinco primeiras edições. Nenhum jornalista tinha salário - à excessão do Sued, por causa dos cinco filhos e a galera tinha pena :). Depois das cinco edições, o jornal tentou se manter com base nas vendas, cujo principais compradores eram a Contag e os sindicatos, especialmente os de Xapuri e Brasiléia - mas haviam outros de categorias urbanas. Entretanto, o jornal não conseguiu se manter. Em cinco anos, publicou 24 edições, não cumprindo a prometida edição mensal. Mesmo assim, foi marcante na história do Acre!
Gui, o Festival Varadouro é ótimo, precisa participar!
abraços amazônicos,
Mic
Olá Yusseff, parabéns pelo texto publicado é de suma importância mostrar as raízes deste país e principalmente as pessoas que contribuíram para que isso fosse possível.
Carlitcha
Olá, é interessantissímo o trabalho e o resgate que você obteve.
È muito importante para o nosso conhecimento essas informações.
Parabéns!!
Obrigado pelos posts gente, é bom saber do interesse de vocês pelo que acontece ou aconteceu por aqui, nesse Norte maravilhoso.
Então Higor! Agora estou em uma correria só no trabalho, sou assessor de comunicação de uma secretaria municipal, logo, ficam mais difíceis as viagens, mas não impossíveis... heheh. Obrigado pela lembrança tão cordial!
Tudo bem Guilherme, de qualquer forma tua única referência sobre "Varadouro" era das melhores.
No mais, somo meu parabéns aos tantos outros para minha grande amiga Michelle.
Yussef, como sempre, acho muito válida sua tentativa de divulgar um norte que poucos conhecem. Parabéns pelo texto...
Muito bacana o trabalho da Michelle. Como faço para saber mais? Fiquei curiosa!
Oi, Talita!
Você pode saber mais clicando aqui. Ou ligando para mim que eu te coloco em contato com a Michelle.
No mais, acredito que é isso mesmo que interessa: Uma proposta de leitura do nosso país a partir de uma visão Amazônica.
Beijo grande!
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