Semana passada, numa espécie de nostalgia vaga, provavelmente provocada pelas reflexões que fiz ao ver minha cidade pela janela do avião quando chegava à Vitória, escrevi um pequeno poema chamado Medo do Mar, sobre as modificações pelas quais ela passou durante a minha vida. Foi exatamente durante a década em que não morei aqui que Vitória se transformou radicalmente. E, por não estar por aqui, não acompanhei o dia a dia dessas mudanças, ocorridas na década de 80. Acho que daà me vem essa sensação vaga de não ser de lugar nenhum: não tenho muitos pontos de apoio na arquitetura ou na paisagem para ancorar as lembranças de minha infância e adolescência em Vitória. A maioria foi demolida ou radicalmente modificada pelo processo de modernização e ampliação da cidade.
Numa dessas coincidências (ou confluências) da vida, fui ver nessa semana a exposição Vitória em dois tempos – fotos aéreas de Paulo Bonino, na Estação Porto. Dela só tinha lido aquela informação vaga dos guias de jornais, de que a exposição era de fotos aéreas de Vitória. Fui vê-la pelo Bonino, fotógrafo das antigas que admiro faz tempos e que, acho, tem o trabalho mais sólido que já vi na sua especialização, os beija-flores. Conheci Bonino pessoalmente quando fazia meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo no final dos anos 90. Meu tema era o fotojornalismo no estado, do inÃcio até a profissionalização, no fim dos anos 70. Paulo Bonino foi um das dezenas de fotógrafos, jornalistas e editores entrevistados que me ajudaram a construir um painel da profissão no EspÃrito Santo.
Já conhecia seu trabalho com os beija-flores, pelo qual ele é reconhecido e premiado no mundo inteiro. Sabia, também, que ele tinha fotografado para algumas das boas revistas capixabas que desapareceram no inÃcio da década de 80, engolidas pelas grandes empresas jornalÃsticas e editoriais. Na ocasião em que fui à sua casa entrevistá-lo para meu trabalho, pude constatar com prazer que seu trabalho fotojornalÃstico é de primeira, no nÃvel dos grandes fotógrafos da agência Magnum (não por acaso, Cartier-Bresson é seu guru fotográfico). Mas não conhecia seu trabalho de fotografia aérea, embora ele atue nessa área desde a década de 60. A exposição fez muito mais que matar a minha curiosidade sobre como ele se saÃa com as fotografias aéreas e aumentar minha admiração pelo profissional Bonino. Ela me levou de volta a uma Vitória que só existia ainda na minha infância perdida (e na de muita gente que, como eu, viu Vitória uma ilha). E, de alguma forma, me reconciliou com a cidade e suas transformações.
A mostra foi elaborada pelo fotógrafo David Protti e pela arquiteta Clara Miranda, ambos professores da Ufes. Tem uma concepção perfeita para um mergulho no passado da cidade. É composta de 40 painéis fotográficos, tamanho 60 X 90, organizados dois a dois, retratando um mesmo local em duas épocas diferentes (década de 60 até 2005), com texto localizando a área e apontando as referências atuais. Assim, tanto as crianças como os mais velhos visitantes podem se transportar para as imagens e perceber as modificações pelos quais o local retratado passou de 1960 até 2005. As fotos, que fazem parte do acervo da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Sedec), são belÃssimas e absolutamente nÃtidas, o que faz a nossa viagem ao passado por meio delas muito mais emocionante. Para as crianças há ainda um quebra-cabeças feito com grandes cubos, que formam seis fotos diferentes. Para auxiliar na montagem do brinquedo, um grande ploter de uma imagem de satélite da cidade foi afixado ao chão do Armazém. Diversão garantida para a criançada que visitar a Mostra.
Chama a atenção, porém, um ponto negativo: para uma exposição que pretende ser permanente, a mostra tem uma estrutura muito frágil. É impossÃvel deixar de notar que alguns dos painéis estão empenando e os ganchos que os prendem estão se soltando das estruturas de suporte. A administração da Estação Porto deveria dar mais atenção para esses detalhes importantes. Afinal, o trabalho de Paulo Bonino e a cidade de Vitória merecem um cuidado maior na apresentação.
Apesar disso, Vitória em dois tempos emociona. Vendo uma das fotos preto e branco da década de 60, que mostra a Ilha do PrÃncipe e a Ponte Seca, ainda visÃveis em suas formas de ilha e ponte, transportei-me para uma tarde na casa de minha falecida tia-avó Arabela, no alto do morro Santa Clara, quando ela e sua vizinha Lilica, ambas com seus oitenta e tantos anos, suas vozes suaves e suas memórias afiadas, me desvendaram um mapa da Vitória antiga, para além dos prédios que meus olhos viam da janela. Acho que o grande mérito dessa exposição é esse: desvendar uma cidade perdida pelas transformações urbanÃsticas, nos fazer entender onde estamos e nos reconciliar com nossa história. E, principalmente, nos fazer refletir sobre que cidade queremos ter no futuro.
A Mostra Vitória em dois tempos – fotos aéreas de Paulo Bonino, inaugurada dia 8 de dezembro, é permanente e está na Estação Porto, no Armazém 5, do Cais do Porto. Pode ser vista de terça a domingo, das 11h às 22h.
Excelente matéria, Ilha! Você não quer aproveitar e colocar os dados da Mostra no Guia, já que ela é permanente?
Beijos!
Boa idéia, Fábio. Acho que posso colocar no guia a Estação Porto, e falar da exposição.
Beijos!
Ilha,
Lendo o seu texto lembrei-me do livro "Morte e Vida das Grandes Cidades" da Jane Jacobs. Voce conhece?
Não. É sobre as transformações das cidades?
Ilhandarilha · Vitória, ES 27/1/2007 00:32Grande Rangel. Prazer em ver vc aqui nesse post já antigo. Legal que vc tenha gostado de Vitória. Volte sempre!
Ilhandarilha · Vitória, ES 22/7/2007 21:13Vale o toque: a exposiçã Vitória em dois tempo, de Paulo Bonino, que seria permanente no Estação Porto, não está mais lá. Com a reforma do espaço a exposição sumiu do mapa. Uma pena!
Ilhandarilha · Vitória, ES 8/9/2008 20:17Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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