Autobiografia do escritor cubano Reinaldo Arenas

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Leo Santiago · Sabará, MG
23/1/2013 · 2 · 0
 

“Parece que tudo o que a gente deseja, por uma espécie de burocracia diabólica, custa muito a chegar, inclusive a própria morteâ€

Reinaldo Arenas nasceu em Cuba, em 1943. Era homossexual, integrou o movimento revolucionário de Fidel Castro, tornou-se dissidente, escritor, foi preso, torturado e exilado. No fim da década de 1980 descobriu que estava com AIDS e a partir de então passou a aguardar pela morte. Durante esse tempo finalizou Antes que anoiteça, auto-biografia que reúne em 69 curtos e intensos capítulos os 57 anos do escritor, que se matou no dia 07 de dezembro de 1990.

Se quando começou a obra, ainda em Cuba, Arenas estava escondido em um bosque e precisava escrever antes que escurecesse (razão do nome do livro), para terminá-lo as dificuldades foram ainda maiores. Em estágio terminal devido a doença, Arenas não tinha forças sequer para escrever e teve que registrar em um gravador sua história, para que outra pessoa transcrevesse o que chamou de sua “vingança contra quase todo o gênero humano.â€

Em 2001 Antes que anoiteça foi adaptado para o cinema com o nome de Antes do Anoitecer. Arenas foi interpretado por Javier Bardem, que foi indicado ao Oscar como melhor ator.

“Nossa geração, a geração nascida nos anos 1940, tem sido uma geração perdida, destruída pelo regime comunistaâ€

Antes que Anoiteça foi lançado em 1992 e, como várias obras de Arenas, proibido em Cuba. O livro registra um período de transição do país, que saia da ditadura corrupta de Batista para o que parecia ser a chegada do povo ao poder através da revolução de Fidel Castro. Para Arenas, no entanto, o regime aos poucos foi se mostrando uma ditadura comunista tão cruel e repressora quanto a anterior e, embora o autor tenha participado ativamente do movimento, seu entusiasmo inicial logo foi vencido pela decepção.

Quando iniciou sua carreira de escritor o regime cubano já possuía uma extensa rede de censura que promoveu perseguições e ameaças a Arena, levando-o ao quase completo anonimato em seu próprio país. Embora premiado pela União Nacional dos Escritores e Artistas de Cuba o livro El mundo alucinante , primeiro romance de Arenas, fora proibido no país. Enviado clandestinamente para o exterior por Arenas o livro foi premiado na França como melhor romance estrangeiro, ao lado de Cem anos de Solidão, de García Marquez. O fato que em outros países transformaria-o em uma referência nacional, só fez com que Arenas fosse ainda mais perseguido pela polícia cubana que buscava descobrir como sua obra era enviada para o exterior. Durante essa época Arenas precisou esconder seus manuscritos espalhando-os por esconderijos ou pedindo amigos que o fizessem. Otra vez el mar, por exemplo, precisou ser escrito três vezes, já que o material sempre caia nas mãos da polícia.

“Nunca pude trabalhar em total abstinência, porque o corpo precisa sentir-se satisfeito para que a mente possa soltar-seâ€

Durante as décadas de 1960 e 1970, Arenas precisou se esconder e fugir da polícia para escrever e para fazer sexo com outros homens. O homossexualismo havia sido proibido no país e sua prática poderia render anos de prisão, no que Arenas chama de “campos de concentraçãoâ€. Apesar da repressão o escritor calcula ter feito sexo com mais de 5 mil homens, inclusive com oficiais do regime de Fidel Castro. Em Antes que Anoiteça a dor da tortura, da pobreza e da censura convivem lado a lado com o prazer do sexo desenfreado feito em praias, esquinas, banheiros públicos e praças. Assim como em Trilogia Suja de Havana, livro de Pedro Juan Gutierrez, o sexo é um dos principais personagens cubanos e parece ser uma válvula de escape, uma arma à qual não se pode controlar, em um país que há tantas décadas convive com grande miséria, isolamento e repressão.

“Vivia aterrorizado e com a esperança de algum dia poder fugir do país. Toda a juventude cubana não pensava em outra coisa.â€

No começo dos anos 1980, prestes a completar 37 anos, Arenas conseguiu pela primeira vez na vida se ver livre de uma ditadura. Depois de uma rebelião social que resultou na invasão da embaixada peruana em Cuba por mais de 10 mil pessoas que queriam sair do país, as fronteiras foram parcialmente abertas e Arenas escapou fingindo ser outra pessoa. A liberdade experimentada pelo autor nos Estados Unidos e em outros países pelos quais viajou, logo se mostrou limitada. Se em Cuba Arenas enfrentava a dominação do poder político, morando em Nova York passou a enfrentar a dominação do poder financeiro. Depois de três anos aparentemente felizes na cidade americana, a impressão é de que os últimos anos da vida de Arenas foram tomados de melancolia, nostalgia, e amargura. “Jamais seria um verdadeiro ser humano, no sentido mais completo da palavraâ€, afirma o próprio autor em uma passagem do livro, revelando que os traumas vividos na adolescência e na juventude certamente o acompanharam até o fim de sua vida.

“Toda ditadura é casta e contra a vida; toda manifestação de vida representa, em si, um inimigo de qualquer regime dogmático.â€

Para Arenas, um artista em Cuba só tinha três opções: fugir para outro país, aderir à revolução de Fidel Castro e ver sua morte como artista ou suicidar-se, literalmente. De certa forma Arenas experimentou as três possibilidades. Primeiro foi obrigado a retratar-se ao regime após ser preso e torturado, depois realizou o antigo sonho de fugir do país e por fim, assim como fizeram vários outros artistas cubanos, matou-se.

“Ponho fim à minha vida voluntariamente porque não posso continuar trabalhando. Nenhuma das pessoas que me cercam estão envolvidas nessa decisão. Só há um responsável: Fidel Castro.â€

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