Nesta última quarta-feira, 20 de outubro, por volta de 9h da manhã saí da minha casa muito apressado. Tava em Laranjeiras, atrasado pra um encontro na Lagoa Rodrigo de Freitas. Sorte minha que a Zona Sul do Rio não é assim tão grande, se comparada a TODO o Rio, porque você até consegue chegar a tempo numa situação dessas, se não tiver em horário de pico no trânsito, claro. Em outros horários eu poderia ficar engarrafado por horas, quem sabe até dentro de um túnel tendo que respirar toda aquela fumaça bacana de centenas de carros. Mas tem nada não, quando sai do túnel (dependendo de que lado dele) a vista compensa, a cidade é mesmo maravilhosa. Você fica de pé imprensado no ônibus, mas estão lá, a Lagoa, o cristo e outros cartões postais que vendem o Brasil lá fora. Vale a pena.
Continuando a minha jornada, eu peguei um ônibus correndo perto de casa e segui pra lá. Dentro do 157 meu pensamento oscilava entre “esse encontro promete” e “podia estar dormindo mais um pouquinho”. Olhei pro lado e um senhor estava segurando o jornalzinho que distribuem no metrô, a manchete na capa com letras enormes era: “Arrastão com hora marcada”, junto a uma foto da enseada de Botafogo, por onde tínhamos acabado de passar. Fiquei assustadíssimo. Como assim “arrastões em Botafogo”? Pra mim os arrastões tinham ficado nas praias lá dos anos noventa. Estudo em Botafogo e costumo passar o dia nesse bairro, costumo beber com meus amigos próximo dali, tinha razões pra me assustar, era muito próximo de mim. Mas enfim, eu tinha um encontro, pensei: “melhor nem pensar nisso agora”.
Cheguei no ponto exato da Lagoa aonde deveria saltar. O endereço era aquele mesmo, na avenida da Lagoa, de frente pro cristo. Chic! Entrei e de cara dei com uma mesa recheada com um café da manhã que, se eu soubesse antes, não teria me atrasado. Olhei em volta, várias pessoas, poucas caras conhecidas. Bem vestidos, todos conversavam com certa intimidade enquanto uma moça simpática fotografava tudo. Larguei minha mochila, junto das outras bolsas e ajeitei a camisa, já ia começar. Foi o tempo de beber uma água, tomar um café, cumprimentar uns amigos e entrar.
Sentei numa cadeira qualquer do auditório da Casa do Saber, que foi enchendo aos poucos. À frente já se encontrava a mediadora do debate do encontro daquela quarta, a Anabela Paiva (da Assessoria de Comunicação da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio). Os convidados foram à frente, começava mais um Rio de Encontros. Neste, o tema era: “Jornalismo, informação e democracia: a cidade nos jornais”. Dos que estavam no palquinho só conhecia mais a Anabela mesmo, devido à pesquisa que ela realizou junto ao CESeC, que gerou um livro que gosto muito. E aos poucos fui vendo que os outros eram gente importante da imprensa carioca. Da esquerda pra direita eu via o Gustavo Almeida (responsável pela Assessoria de Imprensa da PM do Rio), uma cadeira vazia, a Anabela, o Marcelo Moreira (editor chefe do RJTV segunda edição, o jornal local da Rede Globo) e o Fernando Molica (jornalista do jornal O Dia). A cadeira vazia, logo explicaram, estava reservada pra um estudante de dezesseis anos, o Rene Silva, que eu também já conhecia. Ele estava atrasado porque vinha da Zona Norte e não teve a minha sorte, ficou engarrafado na Linha Amarela.
Tava organizada uma boa mesa de debate, coisa meio difícil de se ver. Mas neste caso, a conversa rendeu. Anabela de início já deixou claro que aquela conversa não era sobre o tema “segurança pública” na imprensa, e sim “a cidade na imprensa”, mas ela mesma, por sua experiência, reconheceu que o papo descambaria pra isso mesmo. A primeira indagação foi pro Gustavo (da comunicação da PM), que deveria falar como era pra ele passar de jornalista/blogueiro que trata de segurança pública à responsável pela fala pública da Polícia Militar. Essa mudança no trabalho do Gustavo, “de pedra à vidraça”, nas palavras da Anabela, é interpretada pela Silvia Ramos (que falou da platéia) como uma revolução na estrutura da Polícia Militar, instituição com mais de trinta mil membros que sempre está em evidência e que até então não tinha investimentos em mídia, como um departamento de relações públicas. O Gustavo assumiu que considera seu trabalho um grande desafio, os comandantes muitas vezes não pensam muito antes de falar, e a imprensa está sempre em cima registrando cada respiração que, a partir de agora, o Gustavo é o responsável por “resolver”. Com vasta experiência como crítico da PM, agora as suas habilidades de jornalista procuram mostrar que os méritos da PM não se medem em números de bandidos mortos, mas nos diversos trabalhos em prol da qualidade de vida do carioca. Sem dúvidas, um desafio. Tropa de Elite Dois que o diga.
E pra manter o carioca bem informado, as notícias ainda chegam principalmente via jornal impresso e televisão. O primeiro, costuma ter circulação reduzida, apesar de o carioca ser conhecido estatisticamente como o maior leitor de jornais no Brasil, estes números concentram-se principalmente na Zona Sul da cidade. Pra alcançar tantos lugares, só mesmo a televisão, que consiste numa forma bastante diferente de fazer jornalismo, e foi sobre isso que o Marcelo Moreira (editor chefe do RJTV) falou. Quando está acontecendo na cidade algo muito sério que é de interesse geral, o jornalismo da TV não tem um tempo pra pensar muito, escrever apurando fontes. A câmera tem que estar ligada, a programação oficial pára, e o repórter aparece mesmo que ainda não tenha muito o que dizer. Assim, as chances de erros são maiores, reconhece o Marcelo. Já numa rotina normal, seu telejornal precisa resumir todas as notícias do dia em quinze minutos. Mas outra grande dificuldade desse trabalho é chegar até as comunidades ocupadas pelo tráfico, que geralmente só aparecem em momentos de conflito, quando a polícia escolta a equipe de TV e os seus equipamentos. É difícil reconhecermos que ainda hoje existem fronteiras tão estabelecidas dentro do Rio de Janeiro. O “cotidiano da cidade”, que foge ao tema da violência, comumente é resumido ao cotidiano da Zona Sul, o que se aplica tanto ao jornalismo impresso quanto ao televisivo. As áreas ocupadas, claro, também são parte da cidade do Rio, e como estas regiões podem se fazer conhecer se não por estas duas vias? A resposta quem levou foi o Rene , que pelo twitter do seu smartphone é capaz de mobilizar de ex-Big Brother a amigo do Eike Baptista. Depois que conseguiu escapar do engarrafamento, Rene fez sua passagem rápida no debate pra mostrar outro lado da moeda. Ele teve que ser breve porque ele não podia se atrasar pra escola.
Nem comunidades ocupadas não tem voz, e nem só se fala de violência por lá. O Rene Silva desde os onze anos produz um jornal pra mostrar um lado pouco conhecido do Complexo do Alemão, o do dia-a-dia. Rene é enfático, “eu criei o jornal pra dar voz à minha comunidade”. O jornal começou falando só da sua rua. Depois da sua comunidade dentro do Complexo. Hoje prepara seu jornal para a revolução. De dois mil exemplares, a próxima tiragem terá cinco mil e será impressa em cores pela primeira vez, graças ao patrocínio de uma operadora de celular. A tiragem é mensal, e a idéia é que a partir de agora o jornal circule por todo o Complexo.
Mas hoje no Rio um dos principais assuntos são as comunidades que foram recentemente pacificadas, como dizem. Falando disso, a Anabela passou a bola para o Fernando Molica comentar se ele acha que a imprensa carioca não está sendo muito “sócia” do projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), já que praticamente só se fala bem sobre elas. A resposta foi simples e pareceu sincera, mas veio depois uma provocaçãozinha à platéia, “Por que, ao falar de Rio de Janeiro, a gente sempre trata do tema da segurança?”. Para ele, a gente precisa pensar criticamente no sentido de avaliar se toda essa preocupação da Zona Sul carioca na verdade não se trata da busca por se livrar dos pobres que “nos trazem risco”. E ponderou também que estávamos debatendo a segurança pública carioca no coração nobre da Zona Sul, bem seguros, mas o Molica ficou meio sem resposta. De fato nós estávamos num endereço caríssimo, e a maioria das pessoas que enchiam o auditório pareciam viver em áreas tido como seguras da cidade. Mas também não podemos achar que esse foi um debate estritamente da classe média/alta do Rio, tanto na mesa de debates quanto na platéia felizmente tinha boa diversidade de pessoas, incluindo gente das regiões que conhecemos como periferias. Voltando às UPPs, Molica disse simplesmente que: “É esquisito. A maioria das matérias nos jornais hoje falam bem da polícia. Mas acho que é isso, deu um respiro.”. Como ele disse, é sempre bom relativizarmos e ficarmos atentos para que não mandem apenas a polícia, numa política de contenção das favelas, precisa mandar todo o resto necessário para elevar a qualidade de vida das comunidades ocupadas com as UPPs.
E pra falar a visão que estas comunidades têm de tudo isso, estavam no auditório representantes do site Correspondentes da Paz, que consiste num banco de notícias geradas por pessoas das comunidades que receberam as UPPs. Sempre bom, claro, ter o olhar de quem realmente vive esse processo de ocupação pela polícia. Outro meio de mídia comunitária também estava representado na platéia, era o jornal “A notícia por quem vive”, que é fruto de uma oficina ministrada por jovens universitários da UFRJ a jovens da Cidade de Deus, que resolveram dar seguimento ao jornal por sua própria conta.
Para mim ficaram duas idéias centrais no debate, a primeira de que a Zona Sul do Rio é muito bem coberta pela imprensa. Enquanto temos diversas cidades dentro de uma só, a dificuldade de acesso acaba sendo a principal justificativa para a cobertura mais superficial sobre as comunidades de baixa renda, principalmente aquelas ainda ocupadas pelo tráfico, como a do Rene. Nesse contexto, o Marcelo Moreira reconheceu que eles (do RJTV) ainda não sabem explorar bem o retorno que a internet pode dar. A outra idéia central é a de que, ao mesmo tempo, o jornal do Rene se expande pelo complexo do alemão graças à sua capacidade de mobilizar pessoas via internet no celular. E como o dele, diversos outros começam a surgir com maior repercussão, sejam impressos, sejam apenas em versão online, aos poucos as comunidades constroem seus próprios meios de fala para o resto da cidade.
Outra coisa que não se pode deixar de lado é uma velha questão pro jornalismo, a da qualidade da apuração dos fatos, e também a forma de dizê-los. A notícia do jornal que logo cedo havia me assustado no ônibus foi exemplo recorrente no debate. Quando o assunto é violência no Rio, parece que sempre há certa necessidade de alguns veículos da imprensa de dizer que a coisa está um pouco pior, ou, neste caso, que apesar do aparente alívio, tudo está voltando a ser como era antes, caótico. O “arrastão”, ao que parece, foi uma seqüência de dois assaltos diferentes no mesmo lugar. Fato infelizmente comum aqui no Rio. E em Fortaleza, e em Salvador, e em São Paulo etc etc. Talvez a gente tenha mesmo que fazer uma tabelinha pra evitarmos alarde sem necessidade, uma do tipo “podemos classificar de arrastão quando: mais de três pessoas assaltam ao mesmo tempo menos de três pessoas”, e seguirmos na proporção 4 para 2.
A conversa foi boa. Próxima quarta tem mais, o tema será outro, mas vai ser bacana ver novamente pessoas bem diferentes entre si se encontrando pra conversar sobre um tema que os une, neste caso foi a cidade. Próxima quarta o tema do Rio de Encontros será: encontros. Quero chegar cedo.
A tirinha que ilustra esse post é de autoria do André Dahmer. Esta e muitas outras são encontradas no Malvados.
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