Maratona da vida

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Tom Coelho · Cotia, SP
9/10/2016 · 0 · 0
 

“Brasil, qual é o teu negócio?â€
(Cazuza)



A cena é velha conhecida de todos nós. O semáforo fecha, os carros param e uma pessoa, jovem ou idosa, circula pelo corredor formado por entre os veículos depositando objetos de toda ordem sobre o espelho retrovisor: balas, canetas, flanelas, adesivos. Enfim, qualquer coisa que possa receber o valor de um ou dois reais estampado num pedaço de papel xerocopiado com mensagens como “estou desempregadoâ€, “garantir o sustento de minha família†e “Deus lhe abençoeâ€.

Dia destes flagrei-me conversando com meu lado mais cartesiano, aquele que sublima a matemática existente por trás das notas musicais e da geometria das construções. Os números, quando não manipulados, jamais mentem. O cálculo dispensou uso de máquina: observei um garoto percorrer dez veículos. Considerando-se uma extensão média de dois metros e meio por automóvel (seu comprimento acrescido da distância mantida para o carro seguinte), temos um total percorrido em torno de 25 metros. Porém, o jovem caminhava, a cada semáforo fechado, quatro vezes esta distância para distribuir, retornar, recolher e reposicionar-se no ponto de partida. Ou seja, cem metros por semáforo fechado. Tomando-se um intervalo de dois minutos entre paradas, o trajeto era cumprido trinta vezes em uma hora. Fazendo-o por seis horas ao longo do dia, temos a surpreendente marca de 18 quilômetros diários. Uma meia maratona!

Sem preciosismos, podemos julgar o garoto do exemplo acima muito lépido e arguir que, na verdade, o total percorrido seria metade do exposto. Continuamos com nove quilômetros diários, sob sol e chuva, descaso e arrogância, medo e intolerância.

Este é um exemplo cristalino da economia informal que toma conta deste país. Há toda uma indústria paralela por trás desta mendicância: do fornecedor de balas, canetas, flanelas e adesivos, ao fornecedor do papel xerografado e da embalagem plástica que compõe o tal kit.

É evidente que sempre haverá quem alegue que tais pessoas gostam de exercer esta “profissãoâ€, que na verdade não querem procurar um “emprego†legítimo. Ainda que isso seja um fato, em meu entender não generalizado, a resposta a asserções deste gênero fica estampada em eventos como um concurso público realizado tempos atrás no Rio para seleção de 1.400 garis, que atraiu 110 mil inscritos, entre eles 22 mestres e 45 doutores, para auferir uma remuneração da ordem de dois salários mínimos.

Diante deste quadro, pode parecer contestação filosófica ou bravata pseudointelectual, mas não há como deixar de se questionar: Que diabos de país nós estamos construindo?


* Tom Coelho é educador, palestrante em gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de nove livros. E-mail: tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.br e www.setevidas.com.br.

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