Muita gente ainda não sabe, mas em Minas vivem pelo menos oito nações indÃgenas. São elas: Maxakali, Pataxó, Krenak, Xacriabá, Xucuru-kariri, Pankararu, Aranã e Kaxixó.
Os Maxakali surpreendem por ainda preservarem lÃngua, religião, costumes e outros aspectos tradicionais de sua cultura como nenhum outro. Pouco mais de mil pessoas, sendo a maioria da população de crianças, eles falam a lÃngua Maxakali, do tronco lingüÃstico Macro-Gê, famÃlia Maxakali. Vivem em reserva no Vale do Mucuri, no nordeste do estado, abrangendo dois municÃpios. No municÃpio de Bertópolis fica a aldeia de Pradinho. No de Santa Helena de Minas, a de Ãgua Boa.
Povo tradicionalmente semi-nômade, caçador e coletor, é comum alguns grupos de poucos indivÃduos abandonarem a reserva para longas peregrinações, muitas vezes chegando até Governador Valadares (onde há um centro de assistência aos Ãndios mineiros), distante mais de trezentos quilômetros de suas terras. Seus ancestrais costumavam vagar por uma extensa área que abrange, além do nordeste de Minas, o sul da Bahia e o norte do EspÃrito Santo, até acontecer o contato com o colonizador europeu, e a conseqüente diminuição de seu território, para enfim acabarem confinados em reserva.
A primeira notÃcia que se tem destes Ãndios é do século XVII, quando, aliados aos Patachós, lutam contra seus inimigos ancestrais, os denominados Botocudos, termo que abrange vários outros povos que habitavam o mesmo território, dentre eles, os atuais Krenaks.
A afinidade com os Patachós vai além. Suas lÃnguas se parecem em muitos aspectos, sobretudo no vocabulário. Guardam semelhanças também nos traços fÃsicos. Além do mais, em lÃngua maxakali há a palavra pataxó que quer dizer “papagaioâ€, sendo que a organização social deste povo se dá em clãs totêmicos. Sendo assim, conjetura-se se o povo Pataxó não seria um antigo clã maxakali do Papagaio que em tempos muito remotos se teria separado e dado origem a outro povo com caracterÃsticas próprias, mas ainda mantendo alguns traços de identidade. Eis uma questão.
Os Botocudos haviam formado, associados aos Bantos africanos, a Confederação dos Guéren (Guéren era outra denominação dos Botocudos) na intenção de defender suas terras da invasão dos bandeirantes. Lutando do lado do exército, os Maxakalis se abrigam nos quartéis, se tornam soldados ou canoeiros entre Belmonte e AraçuaÃ. Só mais tarde dão as costas aos militares e retornam à s matas. Perambulam pela região, sofrem massacres, até que no começo do século XX fixam-se no território que ocupam até hoje.
Aqui não cabe aquela visão idealizada de Ãndios nus vivendo isolados no meio das matas sem contato com a chamada “civilizaçãoâ€. A maioria deles vive próxima a cidades do interior e mantém contato constante com a população envolvente. Mas a cultura indÃgena resiste com vivacidade.
Atualmente os povos indÃgenas de todo o Brasil realizam uma revolução educacional. Desde a Constituição de 1988, que assegura à s comunidades indÃgenas “a utilização de suas lÃnguas maternas e processos próprios de aprendizagemâ€, os governos estaduais deram inÃcio a programas educacionais diferenciados direcionados a estes povos. Em Minas em 1995 teve inÃcio o Programa de Implantação de Escolas IndÃgenas, que já formou turmas de professores indÃgenas em nÃvel de magistério, dos quais 130 foram aprovados em dezembro no primeiro Vestibular indÃgena da UFMG.
Como conseqüência dessa nova proposta educacional para os Ãndios, sua cultura está se transformando em livros, CDs, filmes, até mesmo para que as crianças Ãndias tenham material didático a ser usado nas escolas.
A literatura maxakali
Os Maxakalis possuem um rico e extenso acervo literário composto de narrativas tradicionais, cantos, causos, depoimentos, anedotas, piadas etc. Tradicionalmente oral, essa literatura agora ganha as páginas de livros bilÃngües e ricamente ilustrados.
A lÃngua Maxakali possui escrita. Na década de 1960 missionários norteamericanos viveram entre os Ãndios, aprenderam sua lÃngua, instituÃram uma escrita alfabética e alfabetizaram alguns Ãndios. Este foi o germe da literatura que surge hoje em dia. Os professores das escolas indÃgenas, que normalmente são os autores dos livros, cartilhas, atlas e outras publicações, usam a lÃngua escrita maxakali para contarem suas histórias e transmitirem seus conhecimentos à s novas gerações, ao lado do tradicional e eficiente método oral.
É uma produção literária inédita em que pela primeira vez os próprios Ãndios são os responsáveis pelo registro de sua tradição, visão de mundo, e formas artÃsticas.
Assim, surgem obras como O livro que conta histórias de antigamente, o primeiro livro maxakali, que apresenta narrativas mitológicas, depoimentos históricos e sobre o cotidiano nas aldeias, receitas de comida e remédios. Ou o Livro de cantos rituais maxakalis, que registra cantos tradicionais, os yãmiy (fala-se “iãmiâ€), como são chamados, celebrados em suas cerimônias religiosas, chamadas yãmiyxop (“iãmichopâ€). Verdadeiros hinos à natureza, seus elementos e processos, tais cantos são poemas singelos. Cantados durante toda a noite em rituais que incluem dança e música, e em que os participantes usam pintura corporal e comemoram com a ingestão de bebidas e alimentos, os yãmiy (sendo esta a palavra que designa também os espÃritos de sua religião) são homenagens aos deuses indÃgenas: animais terrestres, aquáticos, pássaros, insetos, espÃritos de ancestrais, etc.
Uma mostra do Livro de cantos rituais:
CANÇÃO DO MARTIN-PESCADOR PEQUENO
Mãm xexex nãg õh
Mîm tappo tu xip
Nûixokã xip
Mõ kuk yokku kox
Mãm yok xi nûy mõh
Mãm yok mãy hã xip
Kuk puma ãmep
Nûy kuko pumõ
Nûy kuk mãg pamõ
Peko xomã mõ
Kuk xeka tu nû îxox
Tradução:
O martin-pescador pequeno
Está na árvore seca
Ele desce no rio
Mergulha na água
Pega um peixe
E o come pousado
Corta caminho entre morros
Vai rio abaixo
Vai rio acima
Voa entre o céu e a terra
Desce no rio grande
A lÃngua e cultura maxakali é um patrimônio não só dos Ãndios, mas de Minas e do Brasil. Sua literatura é um rico registro, não apenas artÃstico, mas também histórico e social.
Pesquisadores de várias instituições atualmente se debruçam sobre este ainda pouco conhecido aspecto de nossa cultura, transformando assim uma realidade, pois é comum que o saber gerado por pesquisas sobre as raÃzes brasileiras se origine de mãos estrangeiras. A produção do conhecimento, as coisas e valores de nossa terra devem ser domÃnio do povo que aqui vive.
Charles: o texto é muito bacana. Só falta uma coisa: no lugar para o crédito da foto você colocou uma legenda. Precisamos do crédito. Lembrando: colocando qualquer conteúdo no Overmundo, você está automaticamente licenciando-o em Creative Commons. O autor da foto tem que concordar com isso. Se for foto de divulgação colocar no crédito: "Foto de Divulgação. Todos os Direitos Reservados". Muito obri
Hermano Vianna · Rio de Janeiro, RJ 11/3/2006 18:02Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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