Os pedregulhos molhando davam ar ao primeiro dia de Grito Rock 2013 na cidade de Pelotas.
O céu cinza, marejado, chorava acordes que formariam belas canções pela noite fora dos eixos.
Eixos esses, que são tantos, e que não podemos decifrar o nosso encaixe. O nosso tipo de parafuso.
Em tempos que apenas compomos espaços ditados por meios espaçosos, noite ou outra, dia ou outros, conseguimos respirar o ar da melodia das coisas erradas como uma nova vida.
Tereza tem 6 meses de idade. Mais disposta que muita gente, a menina abria sorrisos a quem a sorrisse em retorno. Boceja a quem bocejasse e transformava em açúcar o sal carregado pra quem adentrou o portal de diversos sotaques na noite de hoje.
Tereza tem pai e mãe. A mãe provida de cuidado, resolveu colocar algodões doces nos ouvidos de Tereza, e assim teve que levá-la para longe do som afinado da Chowchilla. Fernanda e Tereza foram descansar, para mais tarde retornar.
Chowchilla compôs o cenário musical dessa noite acanhada. Aproveitando a chuva, pôde molhar de lividez os rostos que compuseram sua plateia.
O show foi curto, músicas de outros mares e músicas aqui da lagoa. Era água que não parava de rolar.
O sertanejo fez todo esse mar virar sertão. O Brasi Caboco, Andruz ou Tomé surgiu de "supé". Com seu cordel de rastapé, desabrochou do rock a singeleza nordestina que atinge a veia da alma. Como ele mesmo disse, não intencionado a imitar o povo nordestino, mas que apenas possamos ouvir milhares de quilômetros distantes, a voz que ecoa de nosso povo maravilhoso. O verdadeiro brasileiro. Matuto companheiro.
Então as luzes se apagaram e uma parede, com um calendário feito de fita crepe ao lado de uma porta branca, refletiu as imagens de um projetor que a encarava com firmeza.
O primeiro soluço da noite foi com um curta pelotense. Aquele que narra a trajetória da morte. Nosso ontológico ser, já retratado por Bergman, aqui vem a ser visto em seus últimos dias de ofÃcio. Um curta muito bem realizado e com um ótimo tempo de humor soltou-se risos e (sor)risos de quem contemplava a parede colorida. Todos nos vemos morte porque todos somos vivos.
Outra figura saltou diante dos olhos ofuscados de chuva lá fora, para quem estava dentro da sala. Exú tomou conta do espaço coletivo para exteriorizar suas vontades de encruzilhada. O filme alagoano nos traz um debate pouquÃssimo posto à tona em nosso Brasil. As religiões de matriz africanas, até hoje vista com maus olhos para quem não a conhece. Entupida de preconceitos, o curta busca trazer um pouco dessa cultura que se mantém viva até hoje na alma de quem a transpassa. A cultura Griô foi rabiscada numa fala do filme, mas é fortemente evidenciada pela própria cultura afro-brasileira contida no filme. Dum povo que foi tentado ser esquecido, dum povo que foi feito escravo à outro povo, a cultura ainda persiste graças à palavras que se é dade. Graças ao canto, graças à vida.
Já de contratempo veio o videoclipe "Insomne" da banda Aeromoças e Tenistas Russas. Um curta feito todo de forma colaborativa. Aqueles que contribuÃram com o 3D, o 2D e suas próprias insônias a poder realizar esse projeto. Que foi alcançado de excelente maneira e incansável luta. Quem não realiza, dorme em pesadelos de irrealizações…
Então veio a Bica. Uma, quase duas, semanas depois do carnaval fomos apresentados à Bica e suas histórias histéricas. Vinda lá dos tempos que os milicos torturavam alegria. A Banda da Bica, que passou de boca em boca, levando marchinhas carnavalescas no lombo dos jumentos militares que não se apercebiam de suas letras tão lindamente fundadas. Um exemplo de brasilidade, um pedaço de Brasil. Um beijo a dona
Mas então Fernanda e Tereza voltaram. Voltaram num filme. Voltaram mais velhas.
Quando a noite começou Fernanda tomava conta de Tereza. O carinho era irreprimÃvel. Quando a noite começou a terminar Tereza tomava conta de Fernanda. "O que lembro, tenho" é um filme que toca o peito, assim como o atualmente tão falado "Amour" de Michael Haneke. A profusão do novo e do velho. A temática que não queremos pensar, mas que a hora que nos damos por si, já estamos não só tendo como tema, mas como calor (ou frio) de vida.
A idade não poupa ninguém, isso é fato. Mas como a vemos pode-se poupar de como a fazemos. O esquecimento, o abandono, o medo. Aquela memória que se torna uma realidade novamente e que se repete até o fim de nosso roteiro de vida.
A próxima cena não sabemos. E talvez nem devemos. Mas que se preste mais atenção ao nosso lado. Mas que se preste atenção à nossa frente. Porque sempre vai ter gente amando gente.
Texto: Caio Mazzilli, colaborador e parceiro da Casa Fora do Eixo Pelotas
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