AMOR DE MÃE
Edevaldo Leal Costav
Impaciente, Nolasco olhava o relógio na parede de madeira da cozinha. O ponteiro indicava os segundos aproximando-se das 11h 40 min. Para o pequeno Nolasco, uma corrida que não chegava ao fim. Sentado numa cadeira velha feita com sobras de ripão, o menino começava a estranhar a demora da mãe. Com onze 11 anos de idade, pela primeira vez via aqueles ponteiros como se fossem as pernas de uma mosca: a demora de sua mãe, que costumava chegar antes das 11h, o incomodava. Espalmou a mão e deu, de leve, um tapa na testa. Só naquele momento o menino se lembrou: Ester sempre demorava um pouco mais no dia das mães. Nesse dia, geralmente fazia uma surpresa para os filhos no almoço. Confeiteira , sempre colocava no tabuleiro uma quantidade maior de sonhos, canudinhos, empadas, brigadeiros, coxinhas e pastéis para vender no dia das mães. O segundo domingo de maio é meu , mas apesar disso, quero ver meus filhos mais felizes nessa data. Chega de peixe com pirão de farinha todo dia.
E lá ia Ester, mulher de fé em Deus, de fé na vida, de fé no futuro, vender seus doces e salgados nas feiras e nas ruas da Cidade Nova. Andar lento, magrinha, pernas finas, uma energia brotava de dentro dela para transformar a tristeza em alegria, a dor em esperança. Não sentia nenhuma revolta com sua vida de pobreza. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, abria todas as portas que a vida lhe fechava, e convidava o entusiasmo para cear com ela. Suas manhãs eram sempre manhãs ensolaradas.
Ester não teve tempo de arrumar, em sua imaginação, a mesa farta. Enquanto caminhava na movimentada Dom Zico, o pensamento bordado de planos para o almoço com os filhos, um ciclista imprudente esbarrou-lhe o guidom da bicicleta no braço frágil . Ester desequilibrou-se, o tabuleiro girou e caiu de sua cabeça. Mais da metade das iguarias misturou-se à lama da vala da rua. “Perdi tudoâ€, lamentou Ester ao gerente da farmácia para onde tinha sido levada a fim de receber os primeiros cuidados. “Não perdeu. A senhora não se machucouâ€, interveio um senhor de bigode grosso, olhos claros e voz mansa. Que sorte a sua. Sorte? Eu já perdi milhões de reais num incêndio. Recuperei tudo com a ajuda de Deus e dos amigos. Incontinenti, o homem meteu a mão no bolso, abriu a carteira e entregou a Ester duas notas de cem reais. â€Vá em pazâ€, disse.
Sentada à mesa com os filhos, uma expressão de riso no rosto, Ester viu Nolasco – e os outros – se preparando para cortar sua porção de carne assada de panela.
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