notas sobre o cinema documentário

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Peter Coppelius · Belo Horizonte, MG
3/6/2007 · 43 · 0
 

O outro não deve ser guiado, nem por palavras.

Quem se enxerga no outro deve usar o espelho e nunca uma câmera.

Numa filmagem procure a ambigüidade do homem e suas muitas verdades, jamais se esquive das contradições humanas.

Uma mentira bem contada pode ser mais convincente que a verdade mal esclarecida.

Os ruídos em excesso fazem parte de muitos filmes, mas desagradam o espectador.

Quem teoriza demais durante uma filmagem se sairia melhor na biblioteca.

O som direto não deve ser regra, uma boa montagem aceita exceções.

O câmera que se contorce demais durante uma filmagem se sairia melhor no circo.

O melhor ângulo que se pode conseguir em uma cena se encontra no lugar da simplicidade.

Durante a montagem procure interagir com o império do silêncio.

Numa oficina de realização respeite a individualidade de cada olhar, sem preconceitos. Só não se esqueça de deixar os objetivos claros e os olhares atentos.

Cada olhar é singular, independentemente do gosto de cada um.

Quem se ofende com um olhar particular deveria vestir batina.

Quem filma sem medo de errar, erra. ( “ O melhor piloto é aquele que tem medo †)

A ansiedade é amiga da trepidação.

Num documentário esqueça os porquês para se lembrar de sentir.

A escuridão evidência a beleza oculta.

Uma pessoa jamais se mostra perante um confronto forçado.

Nunca interromper uma fala banal, nem genial.

Nada de entrevistas. Fique somente com a naturalidade das conversas informais.

Numa filmagem tenha calma com os outros e paciência com os próprios limites.

A realidade é um vulcão em constante erupção, deixe as pedras rolarem e a lava queimar os pudores.

A didática pode afundar um filme, muitas vezes as imagens e os seres não carecem de explicação.

Quem somente busca construir belas paisagens no cinema documentário deveria optar pela arquitetura: revelar os homens, acima de tudo.

Não despreze os personagens secundários, eles que sustentam os demais.

Deixe algo inacabado no ar: filme pronto, filme morto.

O fim não deve se impor, mas somente sugerir algo.

Retire do filme somente o que você quer ver, deixe de lado suas próprias respostas.

Uma sombra pode possuir mais vida que a carne, volte-se para ela com delicadeza, depois mostre o rosto e a profundeza dos traços.

Os movimentos precisos são os músculos do filme se dilatando e contraindo.

Durante a gravação de conversas, deixe os julgamentos de lado: seja mais imparcial que a corte suprema.

O outro não é obrigado a aceitar seus preceitos, a distância não é um apenas um limite, ela evidencia as diferenças fundamentais.

Ao mudar a câmera de ângulo, deixe isso explícito, mude radicalmente, as mudanças sutis podem parecer um tropeço.

Quando muitas pessoas questionam um indivíduo ao mesmo tempo durante uma filmagem o dito cujo fica sem respostas. Fuja dos inquéritos e chegue perto.

Não saia apontando a câmera para todos sem pedir licença. Deixe de ser franco-atirador, escolha suas vítimas, se aproxime delas.

Durante as conversas o realizador deve se posicionar sempre atrás da câmera, isso
aumenta o grau de proximidade com o expectador. Olhos nos olhos.


Quando gravar cantos, bandas, qualquer tipo de música ou de ruídos, nunca desligue a câmera, deixe o som chegar ao silêncio. O editor agradece.

A montagem que obedece uma ordem temática geralmente cansa: o filme se impõe quando não recorre à fragilidade da fragmentação excessiva. Os diálogos acontecem depois de uma chegada, de um processo que guarda no silêncio a partida. Quando todos aparecem discursando como se estivessem em noticiários, a fala se empobrece no caráter de entrevista. Quem reinventou a entrevista no cinema brasileiro foi Glauber ROCHA, no clássico “Programa Aberturaâ€.

A emoção e o choro devem surgir espontaneamente no espectador, nunca persiga o ápice dramático com a intenção de transformar uma cena em lágrimas. Nada pior que ser guiado por mãos tendenciosas, que fabricam tristezas.

A beleza fotográfica deve interagir com o conteúdo apresentado. Um filme belo pode levar a uma profunda reflexão que precisa dos silêncios para se manifestar.

Tornar a verdade ficção e a ficção verdade.

A organização de um filme deve ser elaborada após grande parte de seu material ter sido colhido. Mas, mesmo antes de filmar, podemos pensar que ela é como uma teia que está sendo construída de acordo com as condições da aranha. Se, por acidente, essa aranha perde uma pata, a teia vai mudar de forma de acordo com esse novo estado assimilado. Um filme também se transforma constantemente, conforme seu corpo pede. Ele é um mosaico imperfeito, uma tentativa de desfragmentar a realidade.


O corpo do filme deve preservar os planos de seqüência, de forma que os cortes fiquem sutis, para que o espectador esqueça que existe um montador por detrás dessa organicidade.


Claro que também temos de nos abrir para outras perspectivas, já que nem sempre possuímos, ainda mais em cinema documentário, um material cujos encaixes são suaves e precisos: “Há camadas mais profundas de verdade no cinema, e existe algo como verdade poética ou estática. É misteriosa e evasiva, e pode ser atingida apenas por meio da fabricação ou estilizaçãoâ€. Werner Herzog.


“Eu acho que o vídeo é um instrumento. Mas um instrumento para a articulação. Quando se fala articulação é a política. Você leva informação, traz informação e mostra quem você é â€. Isaac Pinhanta.


“O gesto mais humilde de um homem, seu caminhar, seus devaneios e seus impulsos trazem somente poesias e vibrações `as coisas que o rodeiam e marcamâ€. Luchino Visconti.


“A finalidade do documentário, tal como o entendo, é representar a vida através da forma que se vive. Isso não implica, em absoluto, no que algumas pessoas devem ter pensado; que a função do diretor de documentários seja filmar, sem nenhuma seleção, uma série gris e monótona de fatos. A seleção existe, e talvez de forma mais rígida que nos filmes de entretenimentoâ€. Robert Joseph Flaherty.


“Nunca escrevi nada antes de começar um filme, e quando, por motivos administrativos ou financeiros, me vi obrigado a redigir um roteiro, um esboço ou uma sinopse, jamais realizei os filmes correspondentesâ€. Jean Rouch.

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