Tentei contar a história de “Quatro negros†ao meu namorado e não consegui. Tentei contá-la também a uma amiga, e não foi possÃvel nem iniciar. Só conseguia repetir que valia a pena ler e que o pequeno livro me emocionou muito. Antes ainda de terminá-lo, depois de ter lido a metade na hora do almoço, tentei comunicar minha descoberta a uma professora e antropóloga negra que estuda o tema do negro e com quem por acaso dividi a mesa do restaurante durante o almoço na cantina da universidade. Não foi possÃvel ir adiante.
Eram quatro negros – eu ainda não tinha conhecido os quatro – e de certa forma eram quatro histórias. Poderia começar pela principal, a da Janete, mas como não detalhar que seu nome era escrito com “i†e sem acento, por ignorância dos pais, conforme o narrador fez questão de explicar? Então eu queria ressaltar em meu resumo que o narrador se mostra o tempo todo na história e que explicita a construção da narrativa. Isso não é estranho porque, sendo o escritor um professor universitário de literatura, parecia ter criado deliberada e explicitamente esta técnica para redigir – mostrando o caminho e possibilidades como se fosse uma escrita sobre o seu processo de escrita, trazendo o teórico para a narrativa. Além disso, o personagem narrador é também um escritor e intelectual. Mas isso nem é o mais importante do conteúdo do livro, e sim a história da Janete (como, entretanto, falar seu nome sem explicar a grafia da forma como o narrador ressaltou?).
Outra alternativa seria apenas resumir a história, tentando deixar de lado a explicitação sobre o nome, a caracterização do narrador: “Janete foi uma criança abandonada aos dois ou três anos de idade. Os pais eram negros pobres, moradores do interior de Caçapava, no Rio Grande do Sul. Ponto. Não poderia seguir adiante, senão entregaria o jogo e falaria sobre o que houve de especial nesse abandono. Em fim, fecho o resumo com “vale a pena lerâ€. Mas não é suficiente. Esta forma de resumo mata o livro.
Chego aqui ao que Barthes fala sobre o suplemento que caracteriza a escritura, no que ele tem para além do conteúdo, para além da mensagem. Nesse sentido, não é possÃvel “ensinar literaturaâ€, pois não é possÃvel falar sobre ela – a literatura precisa ser vivenciada. É preciso aprender a lê-la. Não é possÃvel transmiti-la, exceto a sua história e a contextualização da vida do autor. Por isso, ao falar de “Quatro negrosâ€, sentia-me na obrigação de dizer que o escritor era um ex-professor meu de literatura na Ufrgs. Não recomendo o livro por esse motivo, embora reconheça que o nome Fischer na capa me estimulou a comprá-lo.
Se interessou, leia: FISCHER, Luis Augusto. Quatro negros. Porto Alegre: L&PM, 2006.
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