A porta azul 3

[espaço truncado]

Pareço ter rompido com os axiomas de Euclides ou perdi acuidade espacial. Minhas projeções espalhadas me transformam numa caixa aberta, vincada e ainda desmontada. Podem ser espelhos! Devo estar numa sala como aquelas dos parques de diversão com reflexos distorcidos iguais aos que costumava ir quando criança. Um labirinto espelhado. Pisei num chão agora. A consciência do passo só chegou com o barulho do meu pé no assoalho. Todo o chão aqui é de madeira e todas as paredes sumiram. O chão balança e range de maneira assustadora a estrutura estaiada quando ando.

Estar parada traz uma sensação de acalanto. A música mudou suave. Se volto a me mexer o som metálico rasga meus ouvidos. Fico tentada a permanecer confortável neste hiato, mas não posso, sei bem disso. Começo a tatear o corrimão, que agora está impecavelmente polido, para tentar achar uma saída. Além de tudo há uma certa iminência de que a sala será invadida, o que me faz lembrar das minhas neuroses. Pior do que toda incerteza de perigo ou não é a possibilidade de não conseguir ficar tempo suficiente para descobrir que raio de lugar é este. Não vou sair ilesa.

O corrimão deixou de acompanhar a escada há uns 50 passos, mas só dou conta de que estou no plano porque minhas coxas param de sentir o esforço de subir escadas. Acaba de me ocorrer que pensei ter escolhido descer da sala azul, não sei quando e nem como a direção mudou. Só sei que ainda tenho medo de perder lembranças ulteriores. É como aquele filme no qual as personagens tinham suas memórias apagadas, qual o nome mesmo? Droga! Nada mudou dentro da minha cabeça, quanto mais tento puxar um pensamento mais encravado ele fica até o ponto de esvaecimento. Será que conseguiria me aniquilar, digo, apagar toda minha história? A ideia de ser uma pessoa zerada fez percorrer um calafrio pela coluna, não sei bem se de prazer ou terror.

Não seria estranho acabar no teto de algum outro lugar. Nada faz sentido mesmo...