Estava acontecendo alguma coisa que eu não sabia o que era. A Júlia, a Alina e a Mari trocaram bilhetinhos freneticamente nas duas primeiras aulas, e a Alina não olhava para ninguém que não fosse as outras duas. Já tinham se passado cinco minutos do intervalo e nenhuma das três saiu da sala. “Ai cara, preciso te pedir um favor sério.†Foi assim que o Enrolado começou a me contar que a Alina estava grávida, e que eles queriam minha ajuda para fazer um aborto com Cytotec. “Não sei velho, acho que cada um faz o que quiser, mas não é melhor procurar uma clÃnica, uma coisa mais segura?†“Aonde? Até achei umas coisas na net, mas são dez mil.â€
Não precisei dizer que sim nem que não, quando combinamos de sair da aula e ir atrás do cara que ele disse que tinha os comprimidos ficou tudo subentendido. “Pelo teste da farmácia tem uns dois meses.†“Sempre ouvi dizer que aborto com Cytotec acaba com o útero da mulher. Ela nunca mais vai poder ter filho.†“Tem um monte de desinformação por aÃ. É só fazer certinho.†“Quanto vai custar?†“Milão. Vendi meu vÃdeo game e meu baixo. Ainda não sei o que vou falar pro meu pai e a minha mãe quando descobrirem.â€
Chegamos na casa do muambeiro que trazia o remédio do Paraguai. “É o seguinte, você vai precisar de uns nove comprimidos. Primeiro ela toma seis e coloca um na buceta. Depois de umas quatro horas ela toma outros dois.†“E como vai ser?†“Ela vai sangrar um pouco, sentir umas dores. Depois de uma semana você faz o teste de novo, se não tiver dado certo tem que tomar tudo de novo.†SaÃmos e fomos direto pra minha casa. A Júlia, a Mari e a Alina estavam esperando a gente na esquina. “Obrigado Neb, não sei nem o que dizer.†A voz dela gritava desespero e tristeza.
Entramos no clima de velório que que a situação pedia. Ninguém falava nada. Coloquei um Pink Floyd para tocar alegando que era pra ninguém fora do quarto escutar o que a gente falava lá dentro. Fui na cozinha e pegue uma jarra de água gelada e uns copos. Voltei e acendi um baseado. Quando passei para a Alina percebi que ela estava segurando o choro. “Cadê o remédio?†Perguntou ela para o Enrolado. Ela entregou a cartela com os comprimidos para ela. “O cara falou que você tem que tomar seis e colocar um na buceta.†“Que? Li na net outra coisa.†“Não sei, foi o que o cara falou. Faz do jeito que você quiser.â€
Intervi antes que a coisa ficasse pior. “Calma aÃ. Alguém aqui já fez isso?†Ninguém respondeu. “Então vamos ver o que a gente acha.†Liguei o computador e entrei no Google. Vimos uns cinco site e dois vÃdeos. “Cada um fala uma coisa. Alina, acho que a gente tinha que procurar alguém de confiança para falar disso.†A Mari era a mais preocupada de todos, e a Alina não continha mais o choro. “Falar com quem? Eu tenho que fazer isso.†“Acho que é muita falta de informação para uma coisa muito séria.†Definitivamente eu não queria que ela fizesse aquilo desse jeito. “Eu conheço uma pessoa que fez.†Todo viraram para a Júlia esperando ela dizer “euâ€. “A Roberta, do 3°B. Ela não sabe que eu sei.†“Vou falar com ela.†“Só não diz que foi eu que disse.†A Alina pegou o celular e foi para a garagem.
Ninguém falou nada enquanto ela estava no telefone. Foram mais de quinze minutos. “Vou fazer como ela falou.†A Alina parecia mais segura depois da conversa. “Vou tomar seis agora e mais três depois. Não tem nada disso de colocar na buceta.†O Enrolado mau olhava para ela. “Mas e aquele site que dizia que tinha que estar em jejum de 6h?†Queria ganhar algum tempo e tirar todo mundo dali. Não estava me sentindo bem. Ninguém sabia o que estava fazendo. “Ela disse que nunca ouviu falar disso e que não estava de jejum. Tem que tomar igual doce, por debaixo da lÃngua e esperar uma meia hora antes de engolir.†Ela pegou seis compridos e colocou na boca antes que alguém falasse alguma coisa.
Liguei a televisão e pus Entrevista com vampiro. Alguém precisava falar alguma coisa, nem que fosse um filme. A gente se ajeitou pelo chão enquanto a Alina deitou na cama. Acendi dois baseados e coloquei na roda. Todo mundo ali queria pensar em outra coisa, incluindo a Alina, mas por mais que tentássemos nos concentrar no filme acho que ninguém conseguia. Passado uns quarenta minutos a Alina tomou um copo de água. Depois quando eu olhei para cama ela estava encolhida com a mão na barriga.
Quando ela percebeu que todos estavam olhando começou soltar o choro preso. “Dói muito.†“Calma.†Foi uma coisa estúpida para se dizer, mas foi instinto. “O que a gente pode fazer?†Tentei concertar. “Molha uma toalha com água quente para mim.†Entrei no banheiro e liguei o chuveiro na chave de inverno e molhei uma toalha. “AÃ, meu Deus.†Me viro e vejo a Alina apoiada na Mari e na Júlia pedindo passagem. Deixei o chuveiro ligado e a toalha no chão do box e sai. Elas entraram e fecharam a porta.
Olhei para minha cama e vi uma mancha de sangue enorme no edredom. O Enrolado estava sentado na cadeira chorando. “Ela não conseguia nem ficar de pé.†“Calma.†Não tinha mais nada à dizer. Acendi um cigarro e joguei o edredom para longe. Coloquei um cobertor na cama e sentei no chão. O barulho do chuveiro não era o suficiente para abafar o choro. Alguém vomitou. Também foi bom perceber que elas conversavam. Mudei a TV para os Simpsons para não ver a discussão entre o Louis e o Lestat sobre o bem, o mal e a vida.
A Mari abriu a porta do banheiro e pegou a mochila da Alina. O chuveiro desligou e as coisas pareciam mais calmas. A Alina saiu com o cabelo molhado e outra roupa. “Desculpa pelo edredom, eu vou lavar.†“Não se preocupa com isso. Como você está?†“Dói muito, em todos os lugares.†Ela esticou a toalha na cama e deitou em cima. “O que a Roberta te disse?†Perguntei querendo saber quais seriam os próximos passos. “Que ia ser assim por mais ou menos uma semana. Que horas são?†“Cinco e meia.†“Tenho que tomar mais três quatro horas depois, umas seis e meia. Coloca aquele show do U2 que você tem pra gente ver. Quando acabar eu vou embora.†“Você pode dormir aqui se quiser.†“Obrigada, mas eu vou pra casa.†Ficamos esperando a hora chegar fumando e vendo TV.
Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
Você conhece a Revista Overmundo? Baixe já no seu iPad ou em formato PDF -- é grátis!
+conheça agora
No Overmixter você encontra samples, vocais e remixes em licenças livres. Confira os mais votados, ou envie seu próprio remix!