A Noite era só a noite, e Clara amava outra menina. Clara, aliás, sofria de um incômodo distúrbio, se apaixonava, sempre, por qualquer coisa, ou pessoa, menino, menina, computador, bicicleta; caia de amores, um ou dois dias, à s vezes até semanas, para depois se esquecer de tudo. A aparência de menina dócil, porcelana, escondia uma devoradora de almas e essências, um planeta gigante feito de gestos tranqüilos e fala amena, que de tempos em tempos atraÃa pra sua órbita corpos desavisados. O rapaz, mesmo precavido pelo velho, cedera ao encanto. Tarde demais.
Com carinho, e sem esboçar gestos bruscos, o rapaz tirou do pescoço de clara o lenço que era dele. Ela antes quisera saber como ficaria com cara de revolucionária, se tinha jeito pra coisa, e ele, que queria ter 17 em 67 não desistiu. Mas o lenço negro, de tão dele já lhe era uma parte, e permanecer em Clara, por mais que pudesse ser a melhor coisa do mundo naquele instante, era apenas um fruto da noite, e o rapaz sabia como tratar dos que colhia. Levantou com cuidado a parte de trás dos cabelos vermelhos da menina, enquanto esta lhe pousava a testa sobre o ombro. Contemplou por instantes ver o dorso branco, feito mármore, onde escondidas algumas veias, algo azuladas, pulsavam vida e algo mais.
Era o mesmo lugar onde dias atrás encontrara o velho, a mesma calçada de onde num salto a rua, poder-se-ia ver o relógio, ponto de referencia na cidade. A calçada do Velho era agora a calçada de Clara, para onde retornaram, e não só, era também a calçada de Rebecca. Era a antÃtese quase perfeita de Clara, Rebecca era o seu complemento, e também seu maior amor, tão pequena e ainda assim, maior que todas as paixões passageiras. No segundo encontro da noite o segundo encanto, e o rapaz ficou perdido não só diante do que via, mas do turbilhão de sensações que lançava ao chão qualquer precaução. Sorriu para Rebecca com um sorriso tÃmido, e a recÃproca foi verdadeira. A menina tinha os cabelos longos e ondulados, de um castanho bem claro, assim como claros eram os olhos azuis; a pele era dourada de um sol que ninguém sabia de onde vinha. A menina, aliás, não era dali. O rapaz também não.
Da tormenta fez-se o mar calmo, e sem formalidades de beijo ou apresentação, teve o rapaz suas duas mãos tomadas. Com impetuosa alegria histérica, foi carregado dali por suas duas ninfas de apenas dezesseis e ele, que não estava longe disso não resistiu. Conheceram-se os três naquela noite antes que ela acabasse, antes que eles acabassem. Seguiu a risca os conselhos do velho, e sabendo que em terra de perdido quem tem mapa é rei, o forasteiro ganhou seu trono, e também suas princesas.
Terceiro miniconto de uma série publicada por mim em http://niltinho.com/blog
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