Arraiais: uma tradição de sete décadas em Roraima

Idalmir Cavalcante/Arquivo pessoal
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Gilvan Costa · Boa Vista, RR
11/6/2006 · 132 · 1
 

Boa Vista está em polvorosa. A agitação está por todos os cantos da cidade, desde os bairros centrais até os mais distantes da periferia. E não é apenas porque vai começar a Copa do Mundo. É que chegou o mês de junho e, com ele, o período das festanças que só perdem para o carnaval por aqui.

Não há escola, creche, igreja ou qualquer outro aglomerado de pessoas que não se reúna, pelo menos uma vez, em torno das festas juninas. São três grandes arraiais e uma infinidade de pequenos festejos espalhados por Boa Vista e municípios do Interior.

O visitante mais desavisado pode até achar que não está na região Norte, e sim, na Nordeste, tamanha a tradição dos festejos na cidade. E não poderia ser diferente. Num Estado cuja população é predominantemente composta de nordestinos, a influência da cultura daquela região não poderia deixar de ser latente.

E a tradição vem de longe. A partir da década de 1930, como conta o professor Idalmir Cavalcante, já apareciam por aqui as primeiras manifestações folclóricas juninas. “Já nos anos de 1936, os senhores Gervásio e Raimundo Otávio percorriam as ruas da cidade como dois ‘bois’, que eram grandes rivais que não podiam se encontrar que o pau quebrava”.

No começo, lembra Idalmir, os grupos de boi-bumbá eram mais comuns, talvez até pela grande influência maranhense na colonização do Estado. Mas também havia outras danças tradicionais como As Pastorinhas, cujos primeiros registros são obra de dona Estela Barbosa e o ‘seu’ Augusto, em meados da década de 1940, quando saiam pelas ruas dos bairros Olaria e Correios (hoje Caetano Filho e São Pedro, respectivamente), animando a criançada.

No começo da década de 1950 os bois-bumbás começam a ganhar força. Inspirados no boi “Caprichoso” de Parintins, os amazonenses Elias e Duca do Caxangá criam um grupo homônimo por aqui. ‘Seu’ Wilson Paiva, mais conhecido como ‘Tracajá’, que era um dos brincantes do Caprichoso, logo cria seu próprio ‘boi’, o Corre Campo, que fazia apresentações nos pátios das residências cobrando cachê e animando crianças e adultos.

“Depois surgiram o Mina de Ouro, o Garantido e muitos outros que tinham entre seus integrantes jovens figuras da sociedade roraimense da época como o ‘seu’ Avelino, o Ataliba, o Mantinho, o Lamparina, o Aníbal, o Getúlio, o Salomão e eu, entre muitos outros”, lembra Idalmir.

E surgem as quadrilhas

Paralelamente aos ‘bois’ começava a nascer um novo movimento: o das quadrilhas. E foi ‘seu’ Mario Abdala o grande precursor de tudo. Então diretor do jornal “O Átomo”, ‘seu’ Mario começou a organizar as primeiras quadrilhas juninas ainda no final da década de 1950, quando atuava como o grande animador dos grupos que se apresentavam no tradicional Bar das Mangueiras (já extinto), no Centro da cidade.

Além dele, também se destacou o professor Jaber Xaud, que animava as quadrilhas dos clubes Rio Branco, União Operária, Roraima e Iate.
“Mas foi o jovem Reginaldo Gomes, na década de 1960, que fez o maior arraial da história de Roraima na época, no quintal da dona Nadir, com a quadrilha Zé Carola, que reunia toda a juventude da Praça da Bandeira. Também tínhamos outros festejos importantes como o arraial da Rafi, da família Bríglia, e as festas do compadre Bem-te-vi”, recorda Idalmir.

O caminho das ruas para as escolas foi curto. Em 1972, o próprio Idalmir Cavalcante começa a levar para as escolas as danças de quadrilhas, que passaram a ser a maior atração das festas juninas. Escolas tradicionais como Lobo D’Almada, Penha Brasil, São José, Oswaldo Cruz, entre outras, passaram a formar seus próprios grupos folclóricos.

Em 1984, foi Idalmir quem organizou o primeiro Festival Folclórico reunindo quadrilhas de vários bairros da cidade, algumas delas já extintas, como é o caso da Pré-Unidos, a Ferrolhão e a Garrafão, entre outras.

A partir dali começam a surgir várias quadrilhas e grupos folclóricos que se mantêm até hoje, como é o caso da Xamêgo Caipira, Zé Monteirão, Garranxê, Xamêgo na Roça, entre tantas outras.
Mas é no começo da década de 1990 que começam a ser organizados os grandes arraiais que permanecem até hoje no calendário junino da cidade.

Em 1991, começou a ser realizado o “Arraiá do Anauá” pelo governo do Estado. O nome é uma referência ao Parque Anauá, local onde acontece a festa que, a cada ano, recebe uma temática diferente e ‘arrasta’ multidões. A festa esse ano acontece de 23 de junho a 1º de julho.

Já em 1992 é a vez do Arraial do Comerciário, organizado pelo Sesc, e que este ano chegou à sua XV edição (foi realizado de 1º a 04 deste mês).

No ano seguinte, foi a vez da Prefeitura começar a organizar o festejo, que quando começou acontecia na Praça Capitão Clóvis e ultimamente vem sendo realizado na Praça do Centro Cívico. (Este ano o Boa Vista Junina, como é chamado, acontece de 10 a 18 de junho.).
Com a criação de tantos festejos começaram a surgir também novas quadrilhas e grupos folclóricos, que participam dos concursos, sobretudo dos três principais arraiais. Hoje, entre quadrilhas e grupos folclóricos já são mais de 50.

Com o tempo todos começaram a se ‘profissionalizar’, e criaram a Aquajur (Associação das Quadrilhas Juninas de Roraima). Mais tarde, numa dissidência, surgiu também a Fequaj (Federação das Quadrilhas Juninas).

Mas, não importa quem esteja à frente da organização das festas juninas em Boa Vista, o povo vai estar sempre presente comendo pamonha, canjica, mungunzá, churrasquinho, paçoca com banana e arrastando o pé no salão, ao som do forró pé-de-serra, do forró tradicional ou mesmo dos bregas do Norte como o calipso.


O texto que você acabou de ler faz parte de uma série sugerida e organizada pela comunidade do Overmundo. A proposta é construir um panorama do São João no país. Mapeando a variação dos estilos musicais, comidas, danças, brincadeiras etc. Vendo como a tradição sobrevive fora do nordeste, sua evolução no próprio berço, nos grandes festivais onde bandas modernas convivem com as tradicionais. Para ler mais relatos, busque pela tag Especial_São_João_2006 no sistema de busca do Overmundo.

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andre stangl
 

Gilvan, muito interessante esse histórico que vc apresentou. Tenho impressão que os eventos de grande porte fazem parte de alguma política pública das secretárias de turismo. (Aqui em Salvador o Arraiá da Capitá acaba de completar 14 anos). Foi um ótimo começo p/ nossas séries especiais. Fica aqui, então, o convite p/ quem quiser colaborar. Tb teremos uma série sobre a copa. abçs

andre stangl · Salvador, BA 9/6/2006 12:12
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